No dia seguinte, exatamente como Hames havia previsto, eles avistaram a cidade de Wildaeirs. O sol brilhava alto, aquecendo – ou melhor, cozinhando – a estrada de terra sobre eles, e isso deixava a viagem bem mais cansativa do que em outra situação. Mesmo que Thomas não tivesse com armadura, ainda assim sentia muito calor. Enxugava constantemente o suor que escorria por sua testa e sempre que estava com a boca seca demais, dava um pequeno gole em sua água. Queria beber tudo de uma única vez, mas não sabia onde seria o próximo lugar que ele conseguiria reabastecer o seu cantil, então poupava.
Hames não parecia tão afetado com o calor quanto Thomas. Ele, diferentemente, usava sua armadura, era um soldado, não poderia deixar de usá-la, mas era como se aquele amontoado de partes de aço não causasse nenhum efeito. Era impressionante, Hames permanecia surpreendentemente calmo sobre seu cavalo.
Não se demoraram naquela cidade, apenas reabasteceram seu estoque de comida e água e seguiram viagem, parando para o almoço e prosseguindo. No começo da noite, Thomas se sentiu cansado, mais do que era normal se sentir, e percebeu que algo deveria estar errado.
Sentia um enjoo terrível, que só aumentou com o trote chacoalhante do cavalo, e temeu que vomitaria a qualquer minuto. Sentia frio, mas estava soando e quando chamou Hames, que estava montado em seu cavalo alguns poucos metros à frente, sua voz saiu fraca.
O soldado conseguiu ouvi-lo e rapidamente desceu de seu cavalo, vindo até Thomas.
– O que houve? – Hames perguntou, olhando para Thomas de baixo. – Está tudo bem?
Thomas negou com um aceno.
– Acho que devo ter comido algo que não me fez bem. – conseguiu falar.
Hames percebeu que Thomas estava realmente mal. O rosto dele estava pálido, mais do que normalmente era, seus lábios estavam secos, e ele parecia se esforçar muito para manter seus olhos abertos e permanecer sentado sobre o cavalo, pendendo para os lados, mas apertando as rédeas para evitar de cair.
O soldado colocou uma de suas mãos firmes nas costas de Thomas, para impedir que ele caísse.
– Venha, desça. – Hames falou. – Você não vai aguentar continuar com a viagem nessas condições.
Thomas não protestou, não tinha forças pra isso e sabia que Hames estava certo. Ele havia começado a sentir os enjoos logo após o almoço, mas não queria dizer nada para o soldado, pois não queria parecer fraco. Também não queria atrasar mais a viagem deles, que já tinha passado por alguns imprevistos.
Sabia que tinha sido infantilidade de sua parte, teria sido perigoso se ele tivesse desmaiado sobre o cavalo e caído no caminho, mas se sentiu incomodado de ter que parar a viagem mais uma vez por sua causa. Hames era forte e resistente, parecia não sentir nenhuma das dificuldades que Thomas sentia, e obviamente isso se dava pelo fato de que Hames era acostumado a situações extremas e, mesmo que Thomas não fosse, ele não queria parecer tão fraco assim.Se ele não conseguia concluir uma viagem sem adoecer, o que seria dele em uma guerra? Provavelmente Hames pensaria isso. Pelo menos isso era o que Thomas achava que ele pensaria.
Hames o ajudou a descer do cavalo. Colocou um dos braços de Thomas sobre seu ombro e o ajudou a caminhar para fora da estrada, praticamente o carregou com um só braço, Hames era incrivelmente forte.
Deixou Thomas sentado na grama, encostado à uma árvore. Cada vez que eles se aproximavam mais das fronteiras, o número de casas, cidades e vilarejos diminuíam consideravelmente e, para o azar dos dois, não havia nada ali próximo.O soldado tirou os dois cavalos da estrada, os amarrando em outra árvore, e voltou para perto de Thomas, que estava de olhos fechados, mas não estava dormindo. Hames levou sua mão para a testa dele, para verificar sua temperatura, e se espantou.
– Você está queimando! – ele falou. – Por quanto tempo esteve se sentindo mal?
Thomas murmurou coisas sem sentido.
– Algumas horas... – conseguiu falar.
Hames bufou e balançou a cabeça em negativa, chamando-o de idiota mentalmente por ter mantido aquela informação em segredo. Abriu a bolsa que Thomas levava na viagem e retirou um tecido comprido, um lençol, e o cobriu. Molhou um outro tecido, um menor, esse ele retirou de seus próprios bolsos, e colocou sobre a testa de Thomas, que estremeceu com o contado.
Deixando Thomas descansar, adentrou um pouco na mata, procurando lenha para a fogueira e retornou não muito tempo depois. Ocupou-se em acender a fogueira e sentou-se ali, não muito longe de Thomas, mas o suficiente para que conseguisse ter uma ampla visão tanto dele, quanto dos cavalos um pouco mais para a direita e da estrada, vários metros de distância.
Pegou alguns pães que havia comprado mais cedo, e que sobrara do almoço, e comeu em silêncio, vez ou outra se aproximando de Thomas adormecido e verificando se a febre tinha diminuído, mas não tinha. Voltava sempre a molhar o pequeno lenço, com a água que restava em seu cantil, e o colocava em sua testa novamente.
Ainda era cedo da noite, mas Hames sabia que eles teriam que acampar ali, então se atentou e procurar algum animal para abater, pois estava faminto e um homem grande como ele não conseguiria se sustentar com apenas alguns poucos pães. Se o Hames também ficasse doente, aí seria um baita problema para eles.
Como havia levado seu arco e flecha, ele decidiu ir caçar. Apesar de não ser um caçador exímio, e de preferir usar a espada, ele tinha uma boa pontaria.
Colocou a flecha no arco e caminhou em silêncio, com seus olhos atentos, esperando algum indício de movimentação na mata, e quando isso aconteceu, liberou a flecha que cortou o ar velozmente. Ouviu o guincho do animal, e correu até lá, encontrando um pequeno porco do mato.Com sua espada fez um corte rápido e profundo, acabando com o sofrimento do animal e deixando o sangue escorrer por completo. Depois atentou-se em corta-lo em partes, sempre virando sua direção para onde Thomas e os cavalos estavam.
Envolveu a carne do porco em folhas grandes e verdes das árvores que se encontravam ali, e amarrou em galhos de uma forma que ficasse suspensa sobre a fogueira, tendo contato apenas com o vapor, e voltou a sentar, esperando ficar pronto, e sempre se atentando em não deixar o fogo se apagar.
Enquanto observava o cozimento da carne, Hames moía algumas folhas, raízes e sementes sobre uma pedra. Estava preparando um chá para diminuir a febre de Thomas, pois felizmente conhecia algumas plantas medicinais de Ennord – assim como muitos outros soldados –, mas não chegava a ser um especialista. Havia reconhecido uma árvore de freixo e sabia que um chá de suas folhas ajudaria com a febre de Thomas, então era isso que estava fazendo, adicionando outras partes de plantas que ele conhecia para que o efeito fosse mais eficiente.
Sempre que viajava, sozinho ou acompanhado, Hames levava utensílios que poderiam úteis em momentos de necessidade, como talheres, cantil para carregar água e uma pequena panela feita de argila – que na maioria das vezes ele usava para ferver água encontrada em lugares não tão limpos. Levava bandagens também, pois o risco de se machucar durante qualquer viagem existia, e era recorrente isso acontecer, com ele ou com alguns de seus companheiros.
Thomas não estava machucado, mas estava debilitado, então o que ele poderia fazer, fez. O resto seria com o Thomas, se ele seria forte o suficiente, e com a sorte que Hames esperava que Thomas tivesse. Não sabia o que fizera mal ao Thomas, se seria breve ou não, mas sabia – tinha até presenciado – que nem sempre uma febre é tão simples assim, então ele deveria tentar diminuí-la o mais rápido possível.
Esperou o chá ficar pronto e o retirou da pedra quente que ele havia colocado na fogueira como um apoio. Quando o chá esfriou o suficiente para ser consumido, Hames o levou até Thomas, balançou gentilmente o rapaz adormecido e o ajudou a beber todo o líquido da pequena panela de argila.
Thomas conseguiu beber tudo, em meio a protestos murmurados de que o chá tinha gosto horrível. Depois voltou a dormir, tão rapidamente que parecia que no chá havia algum tipo de sonífero
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O próximo capítulo vai ser interessante 👀
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A Rainha de Ennord: O Confronto dos Grandes Reis
RomanceApós o ataque ao Castelo, Rose toma uma decisão que mudará completamente a vida de todos e Thomas se vê em uma situação complicada, onde ele terá que escolher entre seguir seu coração ou a razão, indo contra a mulher que ama. [Livro dois]