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Depois de vestido, seguiu imediatamente o caminho de volta. Passou pela biblioteca e algo em si o fez entrar. Não teria reconhecido o lugar se não soubesse que a biblioteca era localizada ali. Fora reformada, ao que tudo indicava, havia gravuras e pinturas em quase todas as paredes. As estantes foram mudadas de lugar e havia outras novas também; mais livros foram adquiridos. Cadeiras estavam ao centro, com almofadas confortáveis e tapetes coloridos. Thomas conseguiu se impressionar com o que viu. Adentrou ainda mais, correndo os olhos pelos títulos dos livros abarrotados nas estantes, alguns reconheceu, alguns ele já lera, outros nunca ouvira falar. Na estante mais afastada, havia dezenas de livros que possuíam exatamente a mesma capa.

Thomas franziu o cenho, se aproximou ainda mais, para conseguir ler o título daquele. Por que Rose compraria tantos exemplares de um livro só? E que livro seria aquele?

A baixa luminosidade do ambiente e a confusão em sua mente turbulenta o impediram de reconhecer prontamente qual era o livro. Era o livro dele. O que ele escreveu para ela. Dezenas de cópias, ele tinha certeza, mas contou todas elas, um a um. Ali, havia duzentos e cinquenta. Ficou confuso por um segundo, antes de entender. Ele sabia que a pessoa que tinha comprado os trezentos exemplares meses antes era alguém rico, pois o homem – que agora ele imaginava que teria sido apenas algum enviado de Rose – pagara com moedas de ouro e não protestara quando Thomas lhe informou o preço. Havia pago tudo como se dinheiro não fosse problema. Porque não era.

Ele na época não ficou imaginando quem poderia ser o homem. Havia pessoas ricas o suficiente em Ennord para comprar todos os livros de sua loja, não necessariamente precisaria ser alguém da realeza. Contudo, agora ele sabia quem havia sido.

Saiu da biblioteca atônito, e continuou o caminho para a Área da Rainha, onde um numeroso grupo de soldados guardavam a entrada, como ordenara o General. Passou por eles e seguiu para os aposentos de Rose, Hames estava lá novamente. Na companhia de Jacob e Joane, que chorava abraçada a ele, enquanto o rapaz, que tentava parecer mais forte, acariciava seus cabelos. Aron não estava presente, não estava no Castelo ou até mesmo na Capital – havia saído dias antes, para as fronteiras Oeste, visitar Mark.

Todos estavam visivelmente preocupados. Com medo. Desesperados e tristes.

A porta do quarto voltou a abrir e George saiu. Todos o olharam esperançosos, mas quando o General negou com a cabeça, entenderam que nada havia mudado. Rose ainda estava inconsciente.

– Posso vê-la? – Thomas perguntou para George, uma vez que ele era a pessoa no comando agora. – Por favor...

George respondeu que sim e levou Thomas para dentro.

Diferentemente do que parecia o restante do mundo, o quarto estava aquecido, todas as velas estavam acesas e isso pareceu afugentar um pouco do frio congelante que Thomas sentia em seus ossos. A lareira crepitava o fogo e lançava uma luz alaranjada sobre metade do cômodo.

Na grande cama, Rose estava dormindo. Com o cobertor acima de seu peito – que subia e descia lentamente a cada respiração – e os braços descansados em ambos os lados de seu corpo. Thomas se aproximou dela, em silêncio. Parando ao lado da cama, levou uma mão em direção à uma das mãos dela, e acariciou.

Tudo estava quieto. Os aposentos de Rose sempre foram silenciosos.

– Rose... – ele chamou. Rose permaneceu adormecida. – Por favor, acorde...

George, que ficara parado perto da porta, disse:

– Darei um tempo para você, fique com ela. Os médicos virão novamente para verifica-la. Avise-nos se algo acontecer.

– Obrigado. – Thomas murmurou por cima do ombro, ainda mantendo seu olhar em Rose.

Ouviu quando o General fechou a porta ao sair, e permaneceu onde estava. Parado, segurando a mão de Rose. Puxou uma das cadeiras do cômodo, para perto da cama, e sentou-se. Levou sua mão para o rosto dela e o acariciou, sentindo a pele mais quente do que o habitual. Sua febre ainda não havia baixado.
Entendeu o quê os médicos haviam dito. Rose estava desacordada, parecia que dormia, mas não era nada como das outras vezes que ele a viu dormir. Seu peito subindo e descendo era uma prova de que, graças aos deuses, estava respirando, mas não parecia estar ali. Thomas não sabia explicar ao certo, era estranho. Ela não se mexia, não como uma pessoa que estava apenas dormindo fazia. Mesmo que sua febre estivesse alta, não estava delirante. Não emitia nenhum som. Também não parecia sonhar com algo.

Passou um longo tempo ali, sentado, segurando a mão de Rose. George não voltou para expulsa-lo do quarto, e, enquanto não o fizesse, Thomas não sairia. As empregadas apareceram um tempo depois, com bacias com água e lenços banharam Rose da forma que conseguiram, a vestiram e pentearam seu cabelo. Os médicos acompanhavam minuciosamente o serviço, verificaram o ferimento de Rose e trocaram as bandagens. Thomas viu pela primeira vez o que a faca de Paul havia causado. Seu estômago embrulhou, sentiu raiva. Muita raiva, como nunca sentiu antes, e tinha certeza de que, se Paul já não estivesse morto, ele desejaria pessoalmente matá-lo.

Os médicos depositaram um líquido nos lábios de Rose, a levantando minimamente para que o remédio pudesse passar pela garganta dela. Temiam que ela de alguma forma se afogasse ou se engasgasse e, como Rose não tinha nenhuma reação, eles não notariam até ser tarde demais.
Ninguém mais entrou no quarto nas horas seguintes. Thomas estava tão imóvel quanto Rose. A encarando, por todo o tempo, a expressão dela ainda era a mesma. Nenhuma.

Inevitavelmente lembrou-se de quando a conheceu. Do quanto ficara admirado, e como ainda era. De como cada vez mais que a conhecia, se sentia fascinado por Rose. A princípio, de uma forma instigante, que atiçava a sua, já grande, curiosidade, mas que se transformou em um sentimento maior e mais intenso. Poderoso e avassalador e ele não conseguia mais esconde-lo. Não havia sido algo repentino, mas Thomas não se lembrava o exato momento em que se apaixonou por Rose. Sentia como se esse sentimento sempre existisse dentro dele, e apenas se mostrou mais aparente a medida que o tempo passava. Sentia como se desde o início fosse apaixonado por ela.

O quanto desejou revê-la, durante esse período longe. O quanto fantasiou o reencontro deles. Na cabeça de Thomas, esse momento seria feliz, emocionante, romântico. Sem lutas, ferimentos, angústia e choros. Sem gritos de desespero e sangue em suas mãos. Sem Rose a beira da morte.

Levantou-se para reacender as velas que apagaram, e para trocar aquelas que se gastaram e derreteram. Em uma mesa grande – que antes não existia no cômodo – estavam o restante dos livros de Thomas, ele não os notara até aquele instante. Lado a lado, organizados perfeitamente. Por que Rose os manteria aqui?, se questionou. Lembrou do comentário que Hames fizera mais cedo sobre seu livro, que vira alguém lendo-o, essa pessoa devia ter sido Rose.

Em uma pequena caixa de madeira forrada no interior com seda azul, ao lado dos livros, estavam uma série de envelopes de cor bege. Guardados cuidadosamente e em sequência. Aquilo chamou sua atenção e Thomas, curioso, pegou um deles. Levando o envelope para mais perto da luz, percebeu que não estava selado, e ficou surpreso ao ver o seu nome em uma das faces do papel.

Era uma carta para ele.

Eram cartas para ele. Todas elas, escritas por Rose, endereçadas a Thomas. Ele nunca recebeu nenhuma delas. Ela nunca as enviou.

Lutou muito contra a vontade de abrir e ler, mas não foi bem sucedido. Rose quase morrera em seus braços, ele acreditou que ela havia morrido em seus braços, e ainda havia o risco de não mais acordar, não parecia haver outro momento para ler seja lá o que ela tivesse o escrito. E, acima de tudo, eram para ele.

Sabia que não deveria, mas ignorou a voz do bom senso que o reprimia e abriu a primeira da fila. A letra bonita de Rose saltou aos seus olhos.

Você se foi há um mês, mas, de alguma forma, ainda o sinto perto, como se fosse o encontrar a qualquer momento nas reuniões do Conselho, andando pelos corredores ou lendo um livro nos jardins. Talvez também não consigamos superar pessoas que vão embora, mesmo que tenha sido melhor para elas irem.

A carta era breve, isso atiçou mais sua curiosidade, e logo abriu a segunda.

Dois meses. Estou seguindo o conselho de um amigo e tentando viver o luto. Fugir dele não estava dando certo, então só me resta isso. Não está sendo nada fácil, tem dias que me sinto como se estivesse em um mar de lama, afundando mais e mais, tentando gritar por ajuda, mas a lama preenche minha boca, nariz e pulmões, até me afogar, é desesperador, mas também há dias em que me sinto acolhida pelas pessoas à minha volta. Às vezes, me sinto estranha, não quero parecer um filhote ferido para ninguém, mas acho que devo deixar meu orgulho um pouco de lado e admitir quando não estou bem. E, ultimamente, não estou nada bem.

Pegou a caixa, colocou sobre a outra mesa, uma menor que sempre estivera ali desde quando Thomas se lembrava, nela havia outros pergaminhos, documentos, penas e tintas e o selo real. Espalhados sobre a mesa da mesma forma que Rose deixara quando saiu. Sentou-se cuidadosamente na cadeira de Rose, aproximou o candelabro para ter melhor visibilidade, e abriu o terceiro envelope.

Três meses. Minha vida está um caos, de todos nós está, mas não um no mau sentido, só está tudo corrido e confuso. Esse momento, sem sombra de dúvidas, é o mais desafiador de toda a minha vida como Rainha, mas eu consigo. Esse sempre foi o meu trabalho, não é? O trabalho para o qual eu nasci. O único.

Abriu o próximo.

Quatro meses. Isso está se tornando um hábito? Eu escrever cartas para você que não enviarei? Mas, se você escreveu um livro inteiro sobre mim, acho que é justo. Eu o comprei e o li. Tudo o que escreveu foi tão bonito, ninguém nunca escreveu algo do tipo, com tanto sentimento para mim antes. Acredito que seja para mim, afinal, para quem mais seria? Escrever isso me fez imaginar você escrevendo lindos textos para outra pessoa. Não quero pensar sobre, a ideia me incomoda profundamente, mas não é algo que eu possa evitar, eu o mandei viver sua vida e espero, de verdade, que siga.

Vou reler sempre o livro, quando quiser sentir você mais perto. Consigo imaginar você falando tudo o que escreveu, você é incrivelmente talentoso, sempre soube disso. Comprei muitos exemplares dele. Centenas. Você notou? Notou que fui eu? Acho que não.

Thomas não precisava de uma confirmação, mas ali estava ela. Rose comprara seus livros. E sabia que falava sobre ela.

Ele sentiu um nó se formando em sua garganta.

Cinco meses. Ultimamente ando pensando muito. Em tudo. Na minha mãe, no meu pai, no Daehan, nos reinos. Nas pessoas que me rodeiam... Em você, muitas das vezes. Fico me questionando com seria se tivéssemos nos conhecido em uma situação diferente. Eu sempre fui assim, não mudei muito com o passar dos anos, mas, em circunstâncias diferentes, talvez eu fosse uma pessoa mais fácil de se lidar. E se tudo o que a aconteceu, não tivesse acontecido? E se não houvesse o ataque ao Castelo? E se o Daehan ainda estivesse vivo? Estaríamos bem? Seríamos, como você disse, um casal? Muitos “e se?” e nenhuma resposta. Se a minha vida não fosse tão complicada, talvez poderíamos ter dado certo.

Perdoou você, Thomas. O perdoei há um tempo e sei o quanto você gostaria de saber. O quanto é importante para você saber, mas não posso enviá-lo essas cartas. Espero que de alguma forma sinta isso.

Você antes de ir embora disse que me amava. Ainda me ama? Uma pequena parte de mim deseja que não, porque seria mais fácil para você não me amar. Fiz coisas que não deveria. Magoei você, sei disso. Ainda me ama depois de tudo? Menti e o tranquei em seus aposentos. Ignorei suas vontades, igual meu pai sempre fizera comigo, e eu odiava quando ele fazia comigo. O odiei por isso e ainda odeio. Mas e você? Ainda me ama? Ainda consegue me amar? Me arrependo. Na época, eu pensei que estava fazendo o melhor, mas agora que olho para trás, sei que poderia ter feito de uma forma diferente. Será que você me perdoaria? Meu pai nunca me pediu desculpas, em nenhuma ocasião, e talvez por isso eu tenha o odiado ainda mais. Mas o meu pedido de desculpas faria você mudar de opinião a meu respeito? Você ainda me amaria? Uma grande parte de mim acredita que sim... Eu não mereço você...

Seus olhos arderam e marejaram. Ele abriu o próximo envelope. Agora com uma necessidade desesperada de ler tudo o que Rose havia escrito.

Seis meses. Chamei o Mark para a Capital, planejo promove-lo, torná-lo um dos generais. Acredito que esteja fazendo uma boa escolha, todos sempre elogiam ele quando o assunto são habilidades militares e feitos em batalhas. Vocês conseguem ser tão diferentes, é um pouco engraçado, eu diria. Mas consigo ver um pouco de você nele... Vou tentar me conter e não pergunta-lo sobre você, mas fico imaginando se você está bem. Espero que esteja. Eu sinto sua falta.

As lágrimas começaram a escorrer. Ele as enxugou, apenas o suficiente para conseguir enxergar as palavras da carta seguinte.

Sete meses. A biblioteca foi reformada. Percebi que precisava de uma um tempo depois de sua partida. Mandei que pintassem lindas e fantasiosas figuras. Jardins e flores. Mares e céus repletos de estrelas. Florestas e animais. Será que você gostaria mais dela se a visse como está agora? Acredito que sim, fiz pensando em você, e eu gostaria de ver sua reação ao revê-la. Fui aos seus aposentos ontem, passei um tempo lá, lembrando, decidi mantê-lo do jeito que o deixou. Acho que o tenho como uma parte sua. Algo visível e real de sua estadia aqui. E quero preservar assim. Essa parte sua me lembra que o que eu vivi e senti por você foi de verdade. É de verdade. Também vou ao do Daehan, embora o cheiro dele não esteja mais lá na intensidade de antes. O seu está. Felizmente, ainda está...

A Rainha de Ennord: O Confronto dos Grandes ReisOnde histórias criam vida. Descubra agora