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– POR DAEHAN! – Rose gritou uma última vez, alto. O mais alto que conseguiu, sentindo sua garganta queimar e arder. Aquele grito trazia em sua essência todas as emoções que ela estava sentindo, muitas das quais ela escondeu no íntimo de sua alma. Tudo o que havia a levado até aquele lugar. Para a guerra. Thomas sentiu o grito ressoar em seu interior, em sua carne e ossos, e ele repetiu aquelas palavras, assim como todos os soldados.

Rose balançou as rédeas de seu corcel e Dark pôs-se em movimento. E assim, todos os quase dez mil soldados de Ennord começaram a se movimentar em direção ao inimigo. A princípio, marchando, fazendo o chão tremer sob eles com seus passos firmes. Depois, começaram a correr. Os cavaleiros, antes em trote, agora balançavam freneticamente as rédeas, disparando rápidos como flechas, em seus cavalos de guerra.

Hal, como havia sido planejado, seguiu para a lateral com seus melhores soldados – Aron entre eles –, enquanto Rose e o resto do exército seguiram em frente. Ela, com sua espada dourada erguida, que refletia a luz do sol e criava a ilusão de que pegava fogo, e George, com sua lança de duas pontas, que ele girava em volta de seu punho com um exímio controle e habilidade. Samuel, com sua grande espada de duas mãos, estava em solo, correndo ao lado de seus homens.

Thomas também estava correndo. Seu coração batia mais rápido do que suas pernas se moviam, e ele tinha certeza de que um dos dois pararia a qualquer momento. Ver todos aqueles soldados gritando e correndo ao seu lado, na direção de onde muitos deles encontrariam a morte, o fez temer por eles, e não apenas por si próprio. Milhares de cenas passaram em sua mente; lembranças de Rose, de seus pais, de seu irmão e a maioria delas do Daehan, o fazendo lembrar o porquê de todos estarem ali – como se ele algum dia pudesse esquecer. Piscou os olhos rapidamente, para afastar as lágrimas que se formavam e continuou repetindo dezenas de vezes “Por Daehan!” e “Por Rose!”.

De repente, o mundo pareceu quieto e completamente silencioso. Todo o som ao seu redor desapareceu. Tudo parecia se mover lentamente, como se os segundos demorassem horas para passar, como se o tempo se recusasse a correr. Naqueles últimos segundos antes dos exércitos se chocarem, Thomas conseguiu perceber as coisas à sua volta minuciosamente com tanta clareza que era como se estivesse as observando por dias a fio; as asas dos pássaros batendo preguiçosamente, as nuvens no céu esvanecendo aos poucos para permitir a passagem dos raios do sol, a grama balançando com a brisa, o bater dos cascos dos cavalos contra o chão, tudo.

Conseguiu ver Rose uma última vez, dezenas de metros à sua frente. Montada em seu grande corcel negro, que com a armadura parecia ainda maior. Seus cabelos soltos voavam para trás, trazidos pelo vento e pela rapidez com que Dark se movimentava. Thomas viu o exato momento em que Rose irrompeu por entre o exército de Oris, golpeando todos em sua frente, e depois desaparecendo no meio deles.

Quando as linhas de soldados de Ennord se encontraram com as do inimigo, o mundo voltou ao normal com um estrondo, e foi como se o céu tivesse se partido ao meio. Um som alto como um trovão. Barulhento e ensurdecedor. Gritos de dor e de ordens, chacoalhar das placas das armaduras, galopes dos cavalos, espadas se encontrando umas com as outras, martelos e maças de guerra batendo contra escudos, tudo se confundia e se misturava aos ouvidos de Thomas que corria os olhos em sua volta sem saber o que deveria fazer.

Completo caos.

Flechas voaram e um homem bem à frente de Thomas foi atingido na cabeça, e caiu aos seus pés. Thomas recuou assustado, ouviu quando alguém gritou para terem cuidado com os arqueiros nas torres do castelo, pois agora estavam próximos o suficiente para serem alvejados, mas não conseguiu esboçar nenhuma reação. Estava em choque, paralisado. A flecha havia atingido o soldado bem entre os olhos, e que mesmo ele estando de elmo, a proteção não foi o suficiente para impedir o projétil de matá-lo. Um dos seus olhos saltou para fora da órbita ocular com a intensidade. O sangue do homem escorria pela grama verde que o absorvia e se tornava vermelha.

Ninguém pareceu se espantar com a cena.

Thomas ficara espantado o suficiente por todos.

A cabeça de Thomas o mandava reagir. Mandava lutar. Mas o seu corpo não o obedecia, como se não o pertencesse. Sua mão tremia violentamente. Tão forte que a sua espada poderia cair se ele não a segurasse firme. Os inimigos estavam mais próximos. Mais próximos. E mais um pouco. A cada segundo que se passava.

Outro soldado de Ennord caiu ao seu lado, dessa vez fora apunhalado por uma espada. Não era Hames, ele já havia desaparecido do lado de Thomas. Outro homem de Ennord, alguns metros à sua frente, lutava intensamente com um soldado de Oris, mas não percebeu outro inimigo que o apunhalou por trás com um machado, acertando-o na cabeça, e o matando. Thomas abriu a boca para gritar para o soldado Ennordiano se virar, mas sua voz sumira, e tudo o que pôde fazer foi assistir o homem ser morto.

– Thomas! – ele ouviu alguém o chamar, mas era uma voz distante que se perdia em meio ao caos que os rodeava. – Thomas, mexa-se!

Ele queria. Queria se mexer. Mas não conseguia. Por que não conseguia?

O que eu farei? Não consigo fazer isso. Por que estou aqui? Por que acreditei que poderia fazer isso? Rose estava certa, todos estavam certos!

Procurou Rose com o olhar, na esperança de que a imagem dela o desse a coragem que ele não conseguia encontrar sozinho, mas ela não estava em seu campo de visão, havia desaparecido dezenas de metros à sua frente, próxima aos portões do castelo que continuavam fechados, e onde havia a maior concentração de inimigos – o que tornava impossível de se ver o que acontecia, estando de fora. O ataque da cavalaria havia destruído a dianteira do exército de Oris, mas ainda restavam milhares deles.

Mais flechas voaram e mais soldados de Ennord caíram. Não havia tantos arqueiros nas torres do castelo, mas ainda assim, eles conseguiam eliminar vários Ennordianos. Muitos, contudo, estavam com seus escudos erguidos sobre a cabeça, e as flechas eram repetidas pelo metal com que os escudos eram forjados.

– Thomas! – ouviu a voz o chamar mais uma vez, agora próxima demais dele. Era Hames. Ele o sacudiu violentamente, como se tentasse acorda-lo de um pesadelo, mas não era sonho, aquilo era muito real. – O que está fazendo? – Hames gritou. – Será morto se continuar parado dessa forma!

Um soldado inimigo se aproximou pelas costas de Hames, que virou-se rapidamente para enfrenta-lo. O embate dos dois durou poucos segundos, com Hames saindo vitorioso, mas essa pequena vitória era insignificante naquele momento. De que adiantava um inimigo morto se havia milhares ainda?

Hames entrou em duelo com outros dois inimigos, ao mesmo tempo. O soldado estava bem na frente de Thomas, e isso impedia momentaneamente que alguém se aproximasse dele, que continuava paralisado em pânico como um filhote amedrontado.

Uma flecha silvou poucos centímetros ao lado da cabeça de Thomas, e por sorte não o atingiu. Mas não porque havia desviado do projétil, ele continuava parado no mesmo lugar.

– MEXA-SE! – Hames esbravejou mais uma vez.

Dessa vez, Thomas conseguiu erguer a mão da espada. Não tão firme quanto gostaria, mas o suficiente para apunhalar um soldado de Oris que vinha rapidamente em sua direção. Hames já havia derrotado os dois anteriores, e agora lutava com outros.

A espada de Thomas atravessou o homem na altura peito. Talvez fosse a velocidade com que o inimigo corria em seu encontro, Thomas tinha certeza de que não havia colocado intensidade o suficiente na sua espada, mas, ainda assim, o aço abriu caminho através da placa de peito e cota de malha, rasgando a carne e músculos e saindo nas costas do soldado nortenho. O homem guinchou de dor e arregalou os olhos acinzentados, a única parte de seu rosto que era possível ver pelo elmo. Thomas retirou a espada com dificuldade e o homem caiu, seu sangue também foi absorvido pela grama e pela terra sob seus pés.

Thomas olhou estupefato para a espada em sua mão que – pela primeira vez desde que a ganhara – estava suja de sangue. Depois olhou para o corpo caído inerte aos seus pés, mas que não era o único. Ali estava, o primeiro homem que ele havia matado em sua vida, e que com certeza não seria o único.

A Rainha de Ennord: O Confronto dos Grandes ReisOnde histórias criam vida. Descubra agora