19. A alforria

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Sarah deixou o carro no estacionamento e tomou o elevador até o andar onde ficava o escritório com o ânimo renovado. Seus últimos dias tinham voado. Distribuindo suas tarefas entre os três ajudantes, tinha criado uma rotina dinâmica e bastante produtiva.

Quase todas as manhãs, tinha sobre a sua mesa novidades sobre algum dos processos. Fosse a análise de um depoimento, a descoberta de um precedente escondido na atravancada justiça brasileira ou o relatório de uma visita aos clientes detidos.

Ela aproveitava o turno antes do almoço, quando Juliette estava na aula, para trabalhar na mesma sala que Matheus, Felipe e Cristiane. Naquelas horas, os quatro discutiam seus casos, construíam argumentos, e às vezes até simulavam audiências.

Sarah pegava pesado com os iniciantes. Geralmente desempenhando o papel que seria de uma promotora, não deixava nada escapar. Aos poucos, conforme as situações pediam, mostrava aos outros três como poderiam encontrar a melhor saída. Citava exemplos, repetia incessantemente o mesmo enredo, se fosse necessário.

Com isso, eles tinham aprendido a pensar mais rápido. E com uma chefe como ela, certamente estavam funcionando bem melhor que antes, quando colocados sob pressão.

À tarde, eles normalmente se espalhavam. Havia sempre o que fazer nos fóruns, nas ruas ou nas delegacias, pelo menos, quando se tratava de uma causa com o nome de Sarah Andrade como advogada de defesa.

Felipe era seu testa de ferro. Cabia a ele pressionar delegados, promotores, desembargadores e até juízes, para que Sarah não precisasse fazê-lo. Seu porte, sua personalidade e seu caráter destemido ajudavam muito.

Ele tinha carta branca para ir até o ponto que quisesse, se julgasse necessário. Uma vez que perdesse a linha, ou fosse mal interpretado, bastava um telefonema de Sarah , pedindo desculpas ao envolvido e explicando sobre a inexperiência do assistente, que ficava tudo resolvido, sem danos para os clientes.

Matheus era o burocrata. Trabalhava como uma espécie de secretário particular do grupo. Era ele quem ficava incumbido de manter a agenda em dia, redigir ou arquivar documentos, manter contato contínuo com os clientes, afastar a imprensa, freqüentar as audiências de rotina, e escrever, no lugar de Sarah , as dezenas de relatórios absurdos que João sempre pedia.

Cristiane era, como Sarah gostava de pensar nela, a carta na manga. Discreta, trabalhando na surdina, às vezes fazia papel de espiã. Sua função era facilitar os insights de Sarah , procurando ângulos que os outros advogados e principalmente os promotores não fossem capazes de ver. Depois de explanados, Sarah elegia aqueles que poderiam ser usados com sucesso.

O que no começo parecia uma missão impossível, aos poucos foi ficando mais fácil. A cada dia de trabalho duro encerrado, a engrenagem montada por Sarah girava mais rápido. E Antenor, que embora discreto, estava atento ao desenrolar dos fatos, teve de reconhecer que Sarah superara suas expectativas.

Naquele dia o dono do escritório estava ansioso pela reação da advogada. Provavelmente o último mês transcorrido foi aquele em que mais vezes um calendário foi consultado dentro da firma.

Tendo chegado, como sempre, um pouco antes de seus asseclas, Sarah ficou na própria sala, sorvendo um café. Tinha solicitado à Beatriz que enviasse João até a sua sala assim que ele chegasse.

E assim foi. Só que ao contrário do que tinha se tornado rotina, Sarah não o recebeu com nenhum sorriso solícito, nem sequer um cumprimento amigável.

– Algum problema, Doutora ? – quis saber ele.

– Nenhum. Só avisando, oficialmente, que o seu mês acabou. Deve ter sido o último mês feliz da sua vida, mas... Procure se conformar.

O triângulo Sariette - 3 temporada ( Final )Onde histórias criam vida. Descubra agora