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Ruggero

— Madrugou aqui na empresa?
— Não. Cheguei mais cedo — respondo, sem levantar os olhos para olhá-lo.
— Ainda com o assunto do morto? — mike  indaga, e eu levanto o rosto.
— Entra aí, cara — eu digo, ele entra e vem para perto da mesa.
— E aí? Contou para karol ?
Solto o ar pela boca em forma de sopro e passo as mãos nos meus cabelos, que
saíram bem penteados de casa hoje mais cedo.
— Contei. Surtou, disse que eu estou planejando alguma coisa e me insultou.
— Que cretina. Deixa essa mulher de lado, cara. Lembre-se do que Carolina  já
aprontou com você. Não vá perder a cabeça por causa da irmã. — Balanço a cabeça sem
aceitar o que ele disse.
Desabo na minha cadeira, totalmente cansado. Não física, mas mentalmente. Eu não
consigo encontrar o fio dessa meada e, para alguém tão racional como eu, não conseguir
planejar ou ficar sem resposta causa pânico.
— Nada a ver, mike . Karol  não é igual à irmã. — Me calo, penso no que acabei de
afirmar. Sim, tenho certeza de que ela não é como a irmã. Olho para mike  e continuo — E
eu a entendo. Ela está passando por um momento delicado por causa do que descobriu
sobre mim. Sem falar que acho que ela se envolveu em muito mais do que uma simples
adoção.
Mike  puxa uma cadeira e senta na minha frente.
— O que acha que está acontecendo? Será mesmo algo sobre o seguro do bunda-
mole morto? — Joga as palavras assim, com naturalidade.
Eu começo a rir mas prendo o riso e repreendo em seguida:
— Para de insultar a memória de alguém tecnicamente morto.
— É um bunda-mole mesmo. Se ele se escondeu de uma mulher fingindo que está
morto é porque não tem colhões.
Dou uma gargalhada. Ainda bem que os caras me entendem e deixam o clima mais
ameno.
— E então? Chegou a uma conclusão? — ele torna a perguntar, interessado nas
fotos.
— Não sei. Eu andei pensando: temos o Sérgio envolvido nisso, e a Carolina
comprando uma parte da empresa dele. E, agora, esse cara que apareceu do nada.
— Então, já que karol  reagiu tão mal, eu acho que você não deve mais tocar no
assunto por enquanto.
— É, eu pensei sobre isso. Só falarei sobre isso novamente quando estiver com tudo
pronto. Não direi nada, apenas entregarei a papelada e deixarei ela decidir no que
acreditar.
— Se fosse eu, faria uma apresentação em slide para exibir as fotos e tapar a boca
daquela cachorra. E não estou falando de Jane.
— Epa! Ficou louco? Perdeu a noção do perigo?
Mike  dá de ombros.
— Veja como fala dela. — Vocifero apontando para ele — Quero respeito com minha
mulher.
— Que seja. Se tudo der errado, eu tenho a saída perfeita. — Mike  ergue uma
sobrancelha maliciosa.
— Que saída?
Ele se anima, se inclina para frente e cruza os dedos na mesa.
— Lembra de Emília?
— Emília? — Busco na minha mente alguém chamada Emília.
— Sim. A filha do Moacir, amigo do papai. Aquele que foi eleito deputado…
A imagem da bela loira vem à minha mente.
— Ah, sei! O que tem ela?
— Ruggero, ela sempre foi caidinha por um de nós dois. Encontrei com ela um dia desses
em um restaurante, mas ela não conversou muito porque valu estava com cara de
cachorro bravo. Está morando aqui no Rio de novo.
Encosto na cadeira e rodo lentamente de um lado para o outro, minha perna está
cruzada descansada na outra. Olho sério para a cara de mike.
— E o que eu tenho a ver com isso?
— Tem a ver que, se essas gêmeas com quem você está enrolado, ficarem
abusando, você vai dar um basta nessa história e partir para outra. Bola pra frente, mano.
Você é um pasquarelli.
Faço um gesto desinteressado para ele.
— Você não sabe o que está falando, mike . Tem meu filho, esqueceu? Que, por sinal,
também é um pasquarelli.
— E daí? Ele vai continuar sendo seu filho. Existem bilhões de pais separados no
mundo que compartilham a guarda com as mães. E ninguém morreu por isso.
— Se fosse só isso, seria muito bom. Acontece que acabei caindo nos encantos de
Karol .
— Como caiu nos de Carolina  — mike  recrimina. — Cara, boceta tem aos montes por
aí. Elas duas não são as últimas.
— E pensar que, pouco tempo atrás, eu que estava te dando esse tipo de conselho
quando valu não queria nem olhar para sua cara. Você, mais do que ninguém, sabe que
outras são só outras quando a gente está fodidamente apaixonado. Ou você comeria outra
mulher numa boa?
Ele se cala e levanta os ombros. Nem olha nos meus olhos. O desgraçado acha que
pode me tapear. Sou homem também, sei que nossa espécie funciona assim: há um tempo
na vida em que não nos apegamos à mulher nenhuma, foder sem compromisso é nosso
lema. Até que surge uma infeliz e acaba com a nossa paz.
Um homem apaixonado não vai querer sair para a farra ou pegar outras mulheres, ele
está comprometido, compenetrado e totalmente dominado pela boceta que tem em casa.
Nosso ciúme nasce e, junto, vem a possessão. Isso dura até evoluir para amor ou esfriar e
acabar em pizza. No caso de mike e Agustín, já se transformou em amor blindado e, no meu
caso, é apenas amor iniciado, que precisa ser regado e alimentado. Amo de verdade
aquela cabeça-dura.
— Tem razão. — mike me tira dos meus devaneios. Estávamos calados. — Minha
Loira é única, mas, de qualquer forma, Emília sempre vai estar de pernas abertas nos
esperando.
— Faça bom aproveito. Não consigo parar de pensar nesse problema da karol .
Estou pensando em ir até a Ciclo Publicidade fazer uma visita.
— Visita pra quê?
— Sondar alguma coisa, não sei. Eu preciso fazer alguma coisa, preciso agir
depressa. Isso tudo não está me cheirando bem. Ninguém se finge de morto só por causa
de cem mil reais.
— Muitas pessoas são capazes de se fingir de morto por bem menos do que isso —
Mike  corrige em tom de chacota e oferece, logo em seguida: — Se quiser, eu vou com
você. A gente pode dar um pulinho lá na hora do almoço.
— Na hora do almoço não dá. Sérgio deverá estar almoçando.
— Por isso mesmo. Se Sérgio estiver metido nisso, ele não vai abrir o bico.
Precisamos encontrar uma secretária relapsa ou um acionista entediado.
— Tem um plano?
— Não preciso de um plano. Chegamos lá, fazemos algumas perguntas selecionadas
e vamos embora. Se Sérgio vier tirar satisfações dizemos que fomos procurar por ele.

Minha perdição   (Terminada )Onde histórias criam vida. Descubra agora