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Ruggero

Leio e meus olhos saltam.
— Carolina  Sevilha ? Carolina  comprou metade de uma empresa? Com que dinheiro?
Mike ergue os ombros e faz um muxoxo com os lábios.
— Isso eu não sei. Gustavo vai continuar com a investigação, se você quiser. Aqui
estão as fotos.
Mike  tira as fotos do envelope e me entrega. Olho uma a uma e vejo, primeiramente,
Sérgio entrando… na casa de Renato em Angra?
— Angra? — Levanto os olhos questionando.
— Pois é. Gustavo o seguiu hoje, foi para lá que Sérgio debandou. Passe as fotos, há
algo bem mais interessante.
Vou passando as fotos e, em outra, vejo Sérgio conversando com Renato em frente à
casa. E, na penúltima, vejo a mesma cena dos dois conversando, entretanto, a câmera
focou na janela de cima, no cômodo acima da garagem onde morei.
— Olhe a última foto, Ruggero.
Olho a última foto, focada totalmente na janela. Agora dá para ver nitidamente ali,
olhando para fora, um homem loiro. Pego a foto anterior e Renato conversa embaixo, na
porta da casa, com Sérgio. Então não pode ser Renato na janela, apesar de parecer muito
com ele.
— Gustavo explicou quem pode ser?
— Não. Ele disse que talvez você pudesse entender.
Olho mais uma vez e comparo as duas fotos. Renato embaixo, e o homem loiro na
janela.
— Mike , isso é loucura. A única pessoa que poderia se encaixar nisso está morto…
há mais de um ano.

KAROL


O dia amanheceu mais lindo, a água do banho ficou mais aconchegante, o café está
mais saboroso. Ruggero está mais lindo do que nunca sorrindo, só de cueca na minha frente,
comendo feito um búfalo. Na cadeirinha alta está Beni, e eu estou bebericando uma xícara
de café. Ruggero passa manteiga em mais um pão, enche de presunto e muçarela e dá uma
mordida.
Essa bela visão não vai me enfraquecer. Apesar de estar no País das Maravilhas,
não vou dar mole. Tenho que espremer como uma espinha. Vai doer, mas é necessário.
Ele continua com cara de que passou a noite na farra. E passou mesmo. Comigo.
Sou uma tola. Bastou uma conversinha para eu me desmanchar. Sinto muito, mas
quando eu o vi todo fofo, ajoelhado aos meus pés… Gente, não é toda mulher que vai
encontrar um homem disposto a se ajoelhar.
— Não vai trabalhar, Ruggero ? — indago.
— Vou.
— Ainda está aí de cueca.
Ele limpa os lábios e dá um sorriso de boca fechada enquanto termina de mastigar.
Lindo é pouco para defini-lo.
— Sei lá. Estou na esperança de que algo mais aconteça.
— O quê? Um milagre? — Digo e rimos juntos.
— Talvez minha esposa queira se divertir um pouco, rapidamente…
— Perca as esperanças. O dia amanheceu, o vinho já fez efeito, e eu voltei para a
realidade.
Ele ri, mesmo eu tendo negado.
— Voltou a ser a esposa cruel?
— Sim. A propósito, meu primeiro dia de trabalho é hoje. Não estarei aqui no almoço.
Eu ia deixar Beni em uma creche, mas sua mãe se prontificou a ficar com ele. Ela deve
estar chegando.
— Falou com minha mãe? Quando?
— Ontem. Ela ligou. — Me levanto, e ele também.
— kah , quero te perguntar uma coisa.
Me viro e assinto, com um gentil movimento de cabeça.
— Diga, Ruggero — incentivo, e ele passa a mão nos cabelos, pensa um pouco, parece  procurar as palavras, e fala:
— Como o Bernardo morreu?
Fui pega de surpresa com o assunto em questão. Ruggero me encara em busca de
resposta. Meus pensamentos são jogados bruscamente há pouco mais de um ano, quando
a notícia chegou até mim. Me lembro como se fosse hoje. Beni ainda não tinha nascido, eu
estava com Carolina , papai e Pitty na minha casa. Bernardo estava resolvendo alguns
problemas em São Paulo. Tudo o que recordo são flashes dolorosos. Eu só gritava, muito,
caída no chão, desesperada, querendo ir até o local. Carolina  tentava, junto com Renato,
me acalmar. Foi uma dor que eu não quero sentir de novo.
— Eu já te contei. — Dou de ombros e, mesmo assim, torno a falar: — Ele morreu
em um acidente.
Ruggero me olha interessado.
— Um acidente? De carro?
— Sim. Ele estava voltando de São Paulo. O carro em que estava bateu em um
caminhão. — Respiro dolorosamente e completo: — Ele e o amigo morreram na hora.
— Foi coisa feia, com direito a caixão fechado? — ele indaga.
— Como sabe?
— Só opinei. Geralmente é isso o que acontece.
— Pois é. Foi difícil, não pude vê-lo uma última vez, mas até que foi bom. As
lembranças que tenho são dele vivo. Eu superei.
— É verdade. Eu sinto muito.
— Tudo bem.
— Karol , ontem foi muito interessante nosso jantar. Você me respondeu tudo com
sinceridade.
— Sim, e daí?
— Eu quero te fazer outra pergunta — Ruggero diz, se encostando no balcão, com a
mesma sinceridade que acabou de perguntar sobre a morte de Ben.
— Certo, manda.
— Imagine algo bem fantasioso, como, por exemplo, seu ex-noivo ressurgir…
— Ficou louco? — interrompo-o imediatamente com um grito, a mão no peito,
assustada.
— Espere — ele me pede com um gesto calmo. — Ouça. — Eu balanço a cabeça
negativamente, e mesmo assim ele prossegue: — Imagine que ele ressuscitou, ou que…
sei lá, sobreviveu ao acidente.

Sinto muito, mas não consigo continuar ouvindo tamanho absurdo.
— Chega, Ruggero ! Que horror!
— Calma, karol ! — Ele grita impaciente — A pergunta é: se ele aparecesse, você
largaria tudo, até mesmo eu, e ficaria com ele?
— Eu não vou responder esse tipo de coisa.
— Apenas diga sim ou não. Eu só preciso entender.
Semicerro os olhos encarando-o.
— Por que esse interesse repentino no Bernardo? O que está querendo aprontar?
— Não é nada, pelo amor de Deus! É só uma coisa que ficou na minha cabeça.
— Pois tire essas bobagens da mente. São pensamentos infundados. Meu Deus, ele
está morto. Não há por que ter essa comparação doentia.
— Apenas quero que pense e me diga. Você voltaria para ele, o cara que, acima de
tudo, fez tudo por você e com quem tinha uma ligação perfeita e única?
Afundo os dedos nos meus cabelos, já completamente impaciente. Ruggero é psicopata,
só pode. Sentir ciúmes de uma pessoa morta?
Mantenho a calma, respiro fundo e penso no que ele diz.
— Não é assim que funciona, Ruggero. Um ano atrás era tudo o que eu queria, seria o
amor perfeito para aquela época. Mas, assim que a pessoa morre, o amor se transforma,
como te falei, em algo pleno e bonito. Ele sempre será um amor para recordar.
Infelizmente, o amor que eu vivo agora é outro — eu digo e saio deixando ele parado com
uma cara de bobo na cozinha.
***
Já é meio-dia, e estou na cantina do prédio da Ciclo Publicidade almoçando com
Sérgio. Meu primeiro dia foi maravilhoso. Ele me deixou à vontade, fez questão de me
mostrar a empresa e pediu aos outros funcionários que pegassem leve comigo por
enquanto. Não tive muito trabalho; atendi alguns telefonemas, levei documentos para a
encadernação e passei a limpo algumas notas fiscais para Sérgio.
Desde o dia em que jantamos juntos, ele foi gentil, amigável e me deixou totalmente à
vontade. Sérgio tem idade para ser meu pai, e eu me senti bem com isso. Em momento
algum ele foi indelicado, nem mesmo com um olhar. Aquele dia, o jantar terminou cedo; eu
pedi que me deixasse no apartamento de Carolina e fiquei lá, vendo as horas passar,
apenas para provocar Ruggero. Me senti horrível em estar fazendo aquilo, deixando Beni lá
sozinho, talvez até precisando de mim. E no fim, não dera muito certo. Ruggero não caiu nessa
armação mequetrefe.

Minha perdição   (Terminada )Onde histórias criam vida. Descubra agora