73 - irmã

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⚠️ alerta gatilhos: relato sobre bullying, racismo, depressão e suicídio.
tenha cuidado durante a leitura.

Tem tanta coisa por baixo do pano
que se eu contasse cês' tavam':
"que isso?!"
Tavin — Na Mala.

• L U A N A •


— Gosto muito de você Lua, sabia? - Matheus disse sorrindo, com duas janelinhas na boca. Sorri boba pela fofura da criança.

    Mais duas semanas. Mais duas semanas que o luto junto a distância prevalece no que costumava ser nosso grupo. Tavin e eu continuamos bem, somos a base um do outro e sinto meu coração esquentar de orgulho que sinto pela forma que suas músicas tem estourado e como ele se sente vivo quando as faz. Ele está em Brasília gravando com o Apollo e o Jotapê, ainda não conheci eles mas parecem ser gente boa e bons amigos.

— Eu também gosto muito de você Matheus, muito mesmo. Na verdade, todo mundo ama você e suas mamães. - o respondi sorrindo gentil, lhe entregando a vasilha de pipoca com chocolate como ele pediu. Mônica e Beatriz aceitaram depois de muita relutância que eu cuidasse do pequeno para que ambas curtissem o aniversário de seis anos de casadas, já que a babá contratada não poderia.

       Companhia de crianças elevam meu astral.

— Por que ela está tão caladinha? - ele perguntou baixinho, apontando pra Lívia que estava sentada um pouco mais longe do balcão. Com o olhar distante. Ela chegou há meia hora, e continua na mesma posição, sei que está esperando o momento para conversar.

— Ainda não sei, mas talvez seja por sentir falta do Leozin, que precisou viajar para fazer os shows. - contei baixo, como se fosse um segredo. Ele juntou as mãos pequenas, parecendo pensar, sua pele tinha manchas de vitiligo o deixando ainda mais bonito, com seus olhos redondos como uma jabuticaba e os cabelos cacheados e dourados.

— Vou falar com ela. - ele colocou a vasilha da pipoca novamente no balcão. Deu um pequeno pulo da cadeira, indo até ela. 

      Ri baixo, ajeitando a sujeira da cozinha enquanto ele conversava com a minha amiga, a fazendo rir. Suspirei lembrando em como Krawk, Nicole e Thiago estão afastados. Sei que meu amigo volta hoje da viagem que fez, Nicole estava nas últimos planejamentos de sua mudança e ainda estamos em grande divulgação do caso da Jade porém, a ruiva prometeu uma despedida sincera. Mesmo não sabendo com certeza se Pietro e o pai policial dele pagarão por seus vários crimes, de assassinado a usar a corrupção para safar o filho, estou otimista de como o país tem se disponibilizado a tudo isso e buscado por justiça, conosco.

— Luana? - escutei a voz de Lívia me chamar. Pisquei os olhos algumas vezes, reparando que já tinha terminado de lavar a louça que sujei. Desliguei a torneira.

— Perdão amiga, não escutei. Onde o Matheus está? - o procurei pela cozinha. Ele é tranquilo, mas continua sendo uma criança.

— Voltou a assistir o filme na sala, depois que conseguiu me fazer rir. - sorriu fraco, se sentando no banquinho que havia ali. Escorei no balcão a encarando.

— O que aconteceu? Estou aqui. - mostrei meu apoio. Ela poderia negar mas pelo seu olhar, não estava tudo bem e não é somente o peso do luto.

— Você tem visto como o nosso relato tem repercutido? - perguntou, cruzando os braços. Concordei com a cabeça, sabendo que com a divulgação de todos os casos, com grande alcance. — Algumas... Algumas pessoas da minha infância tem entrado em contato comigo em relação a isso para dizer que sente muito.

     Pude jurar que senti certa raiva em seu tom, e havia.

— Pessoas ruins? - deduzi, quando todo olhar de autoconfiança de minha amiga se perdeu ao reviver memórias suas.

— Sabe por que eu tenho dezoito anos e ainda estou no primeiro ano? - perguntou de uma forma séria. Neguei com a cabeça, sabendo que viria um relato muito ruim. — Porque depois, dessas mesmas pessoas que me mandaram mensagem agora, terem detonado minha autoestima com bullying, racismo e surra... Eu entrei numa depressão fudida. - respirou fundo, deixando algumas lágrimas caírem. Senti meu coração doer ao vê-la nessa situação.

— Eu estou aqui, e sinto muito. - disse, indo ficar ao seu lado, deitando sua cabeça em meu ombro. — Caralho, me perdoa, eu não fazia idéia.

— Eu não levantava da cama... Não comia, não bebia e tantas vezes tentei tirar minha vida e só não o fiz porque meus pais adotivos... - a olhei surpresa. Não fazia idéia de absolutamente nada disso. — Sim amiga, sou adotada e todo episódio de bullying e racismo eu sofri por cinco anos no orfanato que eu vivia. Era um lugar onde me ofereceram um teto, comida, água e higiene mas eu pagava com saúde mental.

       Soluçou baixo, e a primeira coisa que me restou a fazer foi a abraçar, bem forte. Fiz carinho em seus cabelos e deixei que ela chorasse todas as lágrimas que vem segurando há uma semana, desde quando publicamos o vídeo. Senti meu olho arder e embaçar ao imaginar como Lívia sofreu e sofre com tudo isso. Com cada episódio de sua vida que jamais irei saber como ela se sente.

— Não sei como é a dor de tudo isso mana mas quero que saiba que estou aqui e não vou sair do seu lado, independente de qualquer coisa. - disse, a apertando em meus braços tentando passar a mensagem e compromisso da nossa amizade. — Sou grata aos seus pais, por terem te acolhido e te ajudado a continuar aqui... Viva. Nao gosto de pensar e nem consigo imaginar um mundo que você não está, irmã.

— Eu não penso mais em tirar minha vida mas foi um baita gatilho quem me quebrou, vim dizer que sente muito pela merda que eu passei depois de nunca ter pedido desculpas. - falou baixo pelo choro, me abraçando na mesma intensidade.

— Desculpa amiga, foi uma péssima idéia expor na internet. - disse preocupada, beijando o topo da sua cabeça. Senti certa raiva de mim mesma. Que merda.

— Não diz isso Lua, a gente precisava fazer isso, eu fiquei mais leve... É só que...

— Lembranças ruins ainda machucam você. - completei, a entendendo. Ela concordou com a cabeça. — Quero dizer que você não mereceu ser excluída e maltratada, reforçar que sua cor de pele é mais do que linda e quem discorda ou fala merda deve queimar de verdade e tudo que falaram pra Lívia criança de ruim... É mentira amiga, você é uma rainha, minha irmãzinha e uma das mulheres mais guerreiras que existe nesse mundo. - disse calma, sentindo meu rosto se molhar com as minhas próprias lágrimas. Ela se afastou do abraço, limpando o rosto com as mãos.

— Me sinto um pouco menos pesada, por conseguir finalmente contar minha história pra você... - suspirou, com alívio. Demos as mãos.

— É uma honra, você confiar tanto em mim. Se quiser, me diz os nomes e meu pai dará um jeito ou até mesmos seus pais. - disse calma, ainda sentindo lágrimas minhas escorrerem, mas com o tom firme.

◇●◇

oi meus amô! a história da Lívia é forte e tão importante quanto.
a personagem tem espaço muito especial no meu coração e muito especial no rumo e trama da história.

a fanfic do leozin já está no meu perfil, ok? 🤍

obrigada por tudo e tanto. vocês são especiais pra mim.

Conexão || Tavin McOnde histórias criam vida. Descubra agora