63. A Futura Rainha

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ANNA
       

Fechei o diário sem conseguir ir adiante com aquelas narrações. Aquilo estava seriamente me perguntando.

Rainha Maria narrava seus dias de cárcere. Um cárcere que muitos não sabiam que tinha estado. Com o grupo 1. Aquilo a partiu em milhões de pedacinhos, aquilo a destruiu. Por isso acreditava que, só ao escrever tudo que se passou, ela poderia superar tudo que aconteceu.

O plano não deu certo. Eu podia sentir seu ódio aumentando a cada página, eu sentia ódio por ela, por tudo que a fizeram passar. Ela se sentia só, ela se sentia desamparada. Ela sentia que não podia confiar em ninguém, ela acreditava que tinha sido traída por seu melhor amigo, o guarda Elias.

Eu me assustava cada vez mais com o quanto os pensamentos da rainha Maria era parecidos com os meus. E não pude continuar a descrição do cárcere porque... Porque era idêntico ao meu. Desejei que ninguém nunca lesse nada daquilo. Era como se algo que guardei de maneira tão secreta dentro de mim estivesse ali tudo escrito, detalhadamente, exposto. Aquilo me incomodou muito. Eu jamais escreveria o que aconteceu lá.

Fiquei de pé, na varanda. Decidi continuar a leitura em outro momento.

— Eles pisam em nós. E querem que continuemos a sorrir. Acho que já entendi para onde essa história vai, minha bisavó. Nós duas temos histórias de vida bastante parecidas. Eu também tive vontade de me vingar, de me vingar de todos.

As coisas pareciam mais claras para mim, tirando uma: por que meu avô não queria que eu lesse aquele diário? Talvez eu encontrasse a resposta apenas quando continuasse.

Fui tomar um banho e me vestir para aquele dia. Tinha que começar todo o processo de renúncia às escondidas, por isso eu deveria ficar mais perto do meu pai.

O café da manhã estava silencioso, até meu avô quebrar o silêncio.

— Então você vai ficar aqui agora? — ele me perguntou.

Notei a curiosidade de todos na mesa.

— Por enquanto, sim. Até eu ter um motivo para ir.

— E você tem motivo para ficar? — minha mãe perguntou.

— Sei que não concordam com o que fiz, mas eu tive meus motivos, e não posso pedir que me entendam. No fim das contas, não deu certo. Estou aqui de volta, não estou?

— E vai aceitar que eu mate Dominique? — meu pai perguntou.

— Vou. Depois que o senhor me matar.

Ele bateu na mesa, assustando a todos nós.

— Vai defendê-lo mesmo depois de tudo que ele fez?

— Então aquela espada perdeu todo o valor?

Ele me encarou por alguns segundos.

— Muitas coisas tem perdido o valor ultimamente, acho que já se deu conta disso.

— Menos uma, não é?

— Se vai falar sobre renuncia outra vez...

— É disso que estou falando, papai. O senhor já não acha que deu? Abri o segundo diário. Descobri que minha bisavó enlouqueceu porque passou exatamente pelas mesmas coisas que eu passei quando estive com o 12. Ela quis se vingar e acabou assombrando o país. Estamos há décadas vivendo um ciclo de ódio que nunca acaba, porque ninguém é capaz de ceder. Vocês não estiveram lá, mais que isso, depois disso as suas ações não transpareciam preocupação. Joga tudo para ela, ela aguenta, ela é forte, nós a criamos para suportar tudo. E eu tive que lidar com tudo isso sem o apoio de nenhum de vocês. Quando eu passei pelo que a Rainha Maria passou, eu só tinha 15 anos. Eu era uma menina, uma menina, e mesmo depois disso nenhum de vocês decidiu que estava na hora de me proteger. Eu poderia ter enlouquecido, aquilo poderia ter me consumido de tal forma que eu seguiria os mesmo passos da minha bisavó. O senhor sabia disso — falei para meu avô.

Flor De Um Reinado: O Homem e a FlorOnde histórias criam vida. Descubra agora