77. Eu Abri Mão de Tudo

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DOLORES

NA NOITE ANTERIOR.

Anna passou pela porta e eu olhei para baixo, esperando a próxima fala de Augusto.

— Você me enganou — ele disse.

— Sim.

— Quando estava aqui na escola, você me rejeitou no começo, me fez correr atrás de você. E o tempo todo era um plano. Você me fez amar você.

— Eu sei, eu sei e isso é horrível, Augusto. Mas as coisas não aconteceram como eu planejei. Eu não sabia que iria me apaixonar por você.

— É muito conveniente para você dizer isso agora, não é? Para me enganar de novo.

— Não, no começo eu realmente queria fazer isso, não queria ter nenhum filho, mas isso foi antes de Anna nascer. Depois que ela nasceu... Não pode acreditar que vivi todos esses anos me vingando da minha filha. Você viu tudo, viu como sofri por ela em cada coisa que ela passou. Só você viu.

— Talvez quisesse me convencer.

— Se fosse isso, eu não iria apoiar sua decisão de tê-la como rainha. Mas eu decidi ir contra tudo que eu havia pregado até ali para ser leal a você, Augusto. Eu abri mão de tudo.

— Então por que fez isso com Anna?

— Porque eu sou uma idiota, porque eu estava assustada. Tomei uma decisão errada atrás da outra. Como Eduardo Campos.

— Você não o entregou porque queria se proteger.

— Também. Mas não só isso. É uma história longa e complexa, e eu quero te explicar tudo.

Ele parecia afoito. Deu passos pelo quarto.

— E quando casou comigo, ainda era o plano?

Suspirei.

— Era o plano, mas não era só o plano. Eu me apaixonei por você na escola, naquele dia no jardim. Você era tudo que uma garota poderia querer. Não por ser bonito e poderoso, mas por ser gentil, atencioso e fazia eu me sentir segura. No começo eu rejeitava você, porque pretendia desistir de tudo, não queria mais continuar com aquilo.

— E o que a fez voltar atrás?

— Você não sabe tudo que meu pai sofreu — falei com a voz embargada.

— Não. Mas eu sei tudo que minha filha sofreu por causa de pessoas com você. Eu a confiei a você, eu a deixei sob seus cuidados. E hoje descobri que nunca acreditou nela, que batia nela. E ela nunca me disse nada, provavelmente porque você proibia.

— Eu me arrependo do meu método, mas não ignoro os resultados que eles geraram.

— E você ainda tem coragem de dizer algo assim?

— Augusto, eu errei, traí sua confiança e entendo o quanto isso mágoa você. Mas eu amo você, isso para mim é o que mais importa.

— É. Eu também te amo, mas não posso mais confiar em você. Porque, não importa o que aconteceu nesses últimos 20 anos, você teve 20 anos para me contar a verdade. E talvez se Anna não tivesse descoberto, eu ainda demoraria mais tempo para saber a verdade.

— Eu tinha medo de que me deixasse.

— Deixar você? Teve 20 anos para saber que tipo de homem eu sou, e eu não sou esse tipo.

— Eu sei, querido, eu...

— Acabaram suas justificativas? Percebeu que esse tempo todo a única pessoa com quem se preocupou foi você mesma?

— Eu quero um tempo para explicar tudo o que aconteceu, mesmo que você não entenda. Quero que saiba toda a verdade.

— Tudo bem. Eu vou ouvir. Mas não hoje. E nem amanhã. Amanhã é a festa da independência e nós vamos fingir que nada aconteceu. Vamos aparecer para todos como o casal perfeito. E quando voltarmos ao palácio, vamos sentar e conversar sobre isso. Mas hoje eu vou dormir no quarto ao lado.

Ele abriu a porta que havia ali e foi para o outro quarto. Os quartos para reis e rainha sempre tinham um quarto reserva dentro dele. Isso existia justamente para aquele tipo de situação, em que ninguém deveria saber que dormimos separados.

Eu andei até a varanda, rezando para que um dia meu marido e minha filha me perdoassem. E tentando entender como Anna sabia tanto.

Ouvi duas batidas na porta.

— Majestades? — era um dos nossos guardas.

Baguncei as cobertas, apaguei a luz e abri a porta.

— Sim? O rei já se deitou — falei baixo. — O que aconteceu?

— A princesa Anna saiu da escola, deu ordem para nenhum guarda a seguir. Precisamos da autorização do rei para mandar os guardas para protegê-la.

— Não se preocupe, Fábio. Tenho certeza que Dominique e os guardas estão cuidando dela. Sempre confiei, e não é hoje que vou deixar de confiar.

— E se ela não voltar a tempo da festa da independência?

— Então ela não terá voltado a tempo da festa da independência.

— Então devo mandar trazer um chá? — ele sabia bem que eu não dormia se não soubesse onde estava Anna.

— Sim, apenas uma xícara, não vou importunar o rei com isso está noite.

— Tudo bem. Se ela chegar pela madrugada, eu mando lhe avisar.

— Não crie esperanças quanto a isso.

Flor De Um Reinado: O Homem e a FlorOnde histórias criam vida. Descubra agora