(38) - As Quatro Grandes

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"Até onde vão os limites de Ýku'ráv?

Eis uma dúvida que assolados pensadores de nossa época, assim como também me assombra. Para Zyshuth, o mundo não acaba em um abismo celeste, mas sobre si mesmo, onde o fim é só outro início, infinitamente contínuo, cíclico e esférico. Um dia teremos essa resposta, mesmo que ainda não tenhamos capacidade de entendê-la. Talvez a União nunca se estenda ao nível de compreender essa magnitude. Mas se assim for, mesmo que não sejamos nós a descobrir, nossos descendentes hão de responder eventualmente.

Teriam outros povos feito o mesmo questionamento antes de nós? Teriam eles saciado essa dúvida? Civilizações que decaíram há muito quando os awbhem viviam seu prelúdio podem ter esvanecido com esse e outros segredos. E quem sabe, os Asi'Kales saibam onde o mundo termina, e talvez eles habitem lá, no limiar de onde podemos alcançar."


- Rimanesh, o Inventor


LENTES AMPLIAVAM a visão dos astros. Infinitamente acima do remanso marítimo enegrecido pelo céu noturno, focalizou entre as faíscas que ardiam frias. O manto celestial se alongava pelo firmamento como um véu de uma rainha. Nhãmrú era essa soberana, que reina entre as estrelas, concebendo o elo divino dos vivos; e para alguns, concebendo a divindade.

De acordo com o calendário lunar, o próximo amanhecer seria muito especial.

— A personificação da Aura é uma faceta tão antiga quanto os próprios awbhem. — Ákera cobriu a cabeça com o capuz. Vestia a túnica leve, o que lhe fez sentir um pouco de frio do lado de fora da nau. Ali, no parapeito, instrumentos de medição e astronomia estavam montados. Itens raros, quase desconhecidos agora, que fascinavam a curiosa Yîarien. — Conta-se que nas Eras Esquecidas, uma lunno pura havia se revelado entre os antigos da Gállen. Não nascera de uma fêmea, mas originada do ventre de uma besta morta. A essência dela era tão forte, suas emanações tão profundas, seus conselhos tão sábios, a forma tão bela, que o primeiro nome dado a ela fora Nhãmrú. Mas essa, ao compreender o que tal nome atribuía, renunciou o título, alegando não ser Nhãmrú, mas o caminho a Nhãmrú. Dizem que mesmo assim todas as tribos continuaram a enxergá-la como a Aura encarnada, tamanha era a veneração pela lunno. E até hoje os awbhem assim enxergam a Matriarca.

Yîarien afastou o rosto do ampliador. Suas íris prateadas conseguiam ver muito mais naquelas lentes do que qualquer outra criatura comum. Sua visão sobre os feixes era parte de seu dom. Havia visto tanto e se maravilhado, que palavras lhe faltavam.

— Não fui gerada pelo ventre de uma besta do mesmo jeito que as lendas de Sý'Einna, mas sou uma herdeira de Aitháa e me orgulho muito disso. — A lunno apoiou-se no corrimão, apreciando o vento sobre a pele ao livrar-se da película de luz um instante. — Desde nascença fui tratada diferente. Em isolamento devido minha saúde frágil e só comecei a conviver com os demais quando criei resistência corporal. E apesar dessa origem mundana, fui venerada como uma deidade desde sempre. Como sabes, minha tribo é famosa por sermos adoradores das luas, e devido a minha adoração, eles me intitularam de Quinta Lua. E quando estive entre os Vaynus, eles me chamaram de Nindýu.

— Outra faceta. — Ákera ergueu os olhos para ela. O rosto transmitia conforto de uma confidente. Ela era alguém ao qual poderia confessar seus desejos e anseios. Alguém confiável.

— É diferente. — Era uma comparação que Yîarien já havia feito em sua mente. — As crenças dos awbhem não coincidem com as dos que habitam sob a água. Curiosamente eles adaptaram sua cosmogonia para o nosso panteão.

— Para mim a alusão é similar — Ákera disse sincera balançando a cabeça. — Do mesmo jeito que Sý'Einna era vista como Nhãmrú, tu és Nindýu para eles. Nada é mais relevante que este fato. Os Vaynus são mais ligados à fé do que os próprios awbhem.

Quinta Lua (Ýku'ráv)Onde histórias criam vida. Descubra agora