(45) - Feridas

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"Corações silenciosos velando seus desejos, disfarçando a atração, enganando a si mesmos.

Em salões ou fogueiras onde os instrumentos ressoam em festividade, estive na penumbra, serpenteando e dançando. Sou a ave de plumagem esbelta, exalando frescor e libido que encanta aqueles que escolho. Generais, capitãs e guerreiras. Mercantes, políticos e divindades. Eu os predo com garras desejosas. Domados pela arte da sedução, eles me trazem aos seus braços e eu aos deles. O toque na carícia que os deixam sedentos, e o cabelo pendendo e delineando sobre a carne nua durante o sexo, são só os primeiros momentos.

Vêm a mim em busca feroz por prazer e acabam encontrando por mais. Muito mais. O ato carnal é divino, levando aquele que comigo se deita a se encontrar em meus olhos. Lhe banho em uma aura penetrante e lhe faço sonhar acordado, lúcido em visões. Em mim eles encontram a si mesmo, pois depois da carne satisfeita em seus desejos, seus corações silenciosos pulsam anseios puros, revelando o mais íntimo. Seus espíritos são carentes e eu sou o arrebol acolhedor.

Todas as criaturas, mortais ou sacras, awbhem ou não, se redescobrem consigo mesmas quando o luar se renova, enquanto ainda se lembram com saudades do toque de minha pele."

- Reflexões, Ellêora, Quinta Discípula, Senhora do Prazer e das Celebrações



O LENÇOL marinho se aquietara após o derramamento de sangue. Velas permaneciam recolhidas e assim ficariam pelas próximas horas. Ligações de rampas foram feitas entre os barcos das esquadras auxiliares com a Armada das Luas.

— Os tornados não causaram danos nas estruturas das naus. Ao menos não dano aparente. — Ynamus lia os pergaminhos de relatório de avarias que não paravam de vir. Estendera os papéis em caixotes em meio a proa improvisando uma mesa de onde podia gerir com maior eficiência na situação crítica que se encontravam. — Diferente dos desgraçados que transformaram o casco lateral em uma peneira. Por Níshma, a Lança Lunar é uma relíquia militar e não uma barca mercante. É preciso seguir técnicas complexas de fabricação e... — O sothe respirou, dando um tempo para si mesmo. — Por sorte, a Armada Dourada trouxe consigo um punhado de trabalhadores do estaleiro e acho que podemos improvisar os reparos com o material que temos.

— Por mais quanto tempo ficaremos parados no meio do nada? — Wanäe observava o constante fluxo de tripulações de barcos diferentes circulando por entre as passarelas. Eram soldados do mar empenhados que trabalhavam rápido.

Ynamus a fitou e encarou o céu. Ficou um tempo seguindo com os olhos o caminho de um bando de aves viajantes a distância.

— Lança Lunar não é a nau com as maiores avarias na armada nesse momento. Na verdade, teve sorte, a estrutura é bem resistente e aguentou bem. O problema, como eu disse, é sua proporção e peculiaridades que tomarão um considerável tempo.

— Quanto?

— Não posso garantir nada em menos de oito árduas horas de trabalho. Essa é minha estimativa para Armada das Luas voltar a velejar em unidade de novo. Porém, não com a mesma eficiência, só o bastante para terminarmos a viagem.

Wanäe considerou isso um bocado de tempo. Estavam à deriva ali. Em sua mente, os vrejirs com certeza iriam querer revanche contra a humilhação, e quanto mais tempo aguardavam parados no cenário de batalha, mais sua aflição crescia. Por sua falta de experiência marinha, não tinha noção de quão eficiente eram oito horas de trabalho para consertar em pleno mar uma esquadra inteira. De qualquer forma, eles só podiam contar com Ynamus nessa hora.

Quinta Lua (Ýku'ráv)Onde histórias criam vida. Descubra agora