(70) - Tormenta Vindoura

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"Ela escolheu uma militar e não uma sacerdotisa. Escolheu uma conhecedora do Norte distante ao invés de uma conterrânea da Gállen. Entre tantos enakâns, entre representantes das seis tribos primordiais, entre lunnos, fora eu a designada, uma sywha, uma estranha, ao qual lhe pedia conselhos. Ela vira em mim o que só cabia em sua visão sábia. Não questionarei sua escolha. Ninguém entre os vivos teria este direito.

Sob palavras que jamais esquecerei, recebi sua bênção; que sejas sólida como as fundações do mundo, impenetrável e inabalável, e mesmo assim fluida como o mar. De minhas filhas tu és uma das que mais amo. És aquela que confio perdurar ante as mudanças que hão de se revelar. Quero que sejas uma de minhas escolhidas, uma nova Discípula dos tempos que virão."

- Memórias da Sétima Discípula


O POAKE e sua montadora atravessaram pelas ruas de Akanea ao novo dia que se principiava. Na asa maior leste, grilhões prendiam os legionários em instalações improvisadas, mantendo as centenas que se renderam ou que foram rendidos.

O chicote foi levantado sobre o ombro e descido covardemente no dorso nu da fêmea acorrentada. Gritos abafados, gemidos sufocados por mordaças e correntes sendo puxadas ao limite. Os mercenários se deleitavam dos subjugados das formas mais cruéis de abuso e tortura.

— Parem! — Sozinha, passando pelo meio de cabanas margeando a via, a estranha vinha de um poake. — Ordenei que parassem!

Um ras'na e um humano que conduziam castigos públicos na frente das celas deram nenhuma atenção à recém-chegada. Uma sywha prisioneira com as costas talhadas por longos cortes com sangue fresco aproveitou o momento para escapar. Andara dois metros e a corrente no pescoço a conteve com um puxão. Suas costas machucadas foram jogadas ao chão sem piedade e ela vira a sombra do mercenário que levantava um cutelo contra sua face.

Curto zunido seguido do som de encontro de metais. Uma haste quebrara a placa peitoral e abateu o ysokem tal o disparo de uma balista. Em retaliação, o ras'na pisoteou na garganta da sywha e brandiu o chicote contra a agressora. A arma serpenteou no ar a fim de aturdir e acertara o alvo de certa forma.

A espada de defesa pessoal foi enlaçada, e sem a soltar a estranha foi arrastada pela força do mercenário. O ras'na trazia outra arma menor e desferiu a estocada de finalização, um movimento bruto e eficaz em duelos injustos.

Ela era ágil e o punhal errou. Com frieza, girou o corpo livrando a lâmina e fendendo o ventre. Entranhas e fluido escuro verteram para fora conforme o ras'na tombava.

O acampamento mercenário ficou em alerta. Confrontos internos eram apreciados e duelos geralmente resultavam em entretenimento. A princípio pensaram se tratar em uma disputa hierárquica entre sentinelas e logo viram que era algo maior. A tormenta dos prisioneiros cessou e um círculo se fechou em torno daquela que sozinha matara dois guardas, sendo um deles um ras'na.

Achas, cutelos, lanças, punhais, cimitarras e maças. Toda sorte de armamento do deserto ou confiscado das tropas de Surkhedon fora sacado contra ela e ela varreu com olhos contra eles.

Ao meio da rua, a fêmea ergueu uma mão e a abaixou. Uma rajada manifestou-se e as armas empunhadas foram arrancadas de seus donos e lançadas ao centro do círculo.

Ao redor de suas grevas os objetos caíam as dezenas e tilintar era produzido com a colisão de um metal no outro. Logo uma roda de armas a cercou. Ela segurou a espada com as duas mãos indicando que nenhuma outra conjuração seria feita.

— Venham e busquem suas armas — provocou Ákera.

E os mercenários se mantiveram onde estavam.

— Espero que seja tão boa com espada quanto é com as Forças. Eu a desafio. — Nimeri emergiu rompendo o círculo e desembainhando uma cimitarra prateada. Ela avaliou a oponente quando ela executara os ras'nas. Sua habilidade de combate corporal seria o bastante para distraí-la até que um arqueiro fizesse o tiro oportuno e justificável.

Quinta Lua (Ýku'ráv)Onde histórias criam vida. Descubra agora