(40) - Ecos do Chamado

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"Em sua origem, Mídd sempre careceu de riquezas vivas. Os ermos alongavam-se infindamente áridos com raros leitos de rios, provendo escassos campos férteis. A vegetação e os animais afloraram onde tais locais eram encontrados, e esses disputavam pelo melhor espaço. Quando as condições se alteravam, eles se adaptavam à mudança ou migravam em busca de sorte.

Nada diferente da história dos povos.

Nômades eram em princípio muitos daqueles que não se agregaram aos k'ammurianos. Espalhavam-se pelos ermos de Mídd praticando atividades selvagens como os saques. Se assemelhavam aos bandos de feras carniceiras que se aproveitavam para pegar os fracos de surpresa. Esses, costumavam se apossar do plantio e da colheita alheia.

Antes que os nômades ganhassem mais força, o que era de se esperar para um grupo ao qual não havia rivalidade se não com eles mesmos, os primeiros Arautos ao lado do Senhor da Passagem lhes prometeram terras frutíferas e animais para que lá fizessem suas moradas com a condição que parassem com suas práticas beligerantes. Mesmo incrédulos, aceitaram a oferta, por fim. E diante dos olhos de seus chefes, nós germinamos e irrigamos vales férteis a partir da areia do solo mais seco. Eu e os demais Arautos acreditávamos que quando os nômades se tornassem pastores e fazendeiros, deixariam de se importar com a selvageria por simplesmente ser menos produtivo no final do ciclo.

Mas Zyshuth via que não bastaria para eles, por mais maravilhoso que fosse o nosso presente. Suprimir o ímpeto selvagem desses povos não resolveria por muito tempo e logo voltariam aos seu hábitos primitivos. Então como parte final do presente, o Senhor da Passagem forjou um acordo: os mais jovens entre esses povos, tanto fêmeas quanto machos, deveriam servir fielmente às fileiras do exército de K'ammur, para que retornassem às suas terras quando atingissem idade maior. Os jovens, mesmo que contrariados em princípio, aprendiam de nossa língua e tradições, e acabam por saciar a ânsia violenta de suas raízes no cambo de batalha, onde podiam ser reconhecidos e respeitados.

Assim os k'ammurianos tornaram seus carniceiros em seus defensores fiéis."


- Pergaminho do Intercessor do Deserto, o maior dos Arautos


— EU TINHA certeza que cedo ou mais tarde eu teria de dar um fim ao seuriano. Ele mudou drasticamente de um instante para o outro, deixando de ser um nokune irritado para um poake dócil. — Wanäe apoiou o corpo com o ombro na parede em uma posição descontraída.

Yîarien alcançou um tomo incompleto ao qual trabalhava dedicadamente nos últimos dias e o colocou sobre a tábua da mesa para folhear com calma. Ambas estavam no interior do cômodo privado da lunno.

— Bom, ele mudou muito, é verdade. Era o esperado — ela concordou, guardando a satisfação para si. — Agora esse é o verdadeiro Yuzhal. Acostume-se com ele.

— Estou convencida da mudança do ysokem, apesar de tudo o que passamos com ele. Não houvera mais insultos em k'ammuriano nem em qualquer outra língua. Ele não me ameaça ou tenta manipular. O mago foi domado. — A guardiã cruzou os braços. Sú'hen descansava à disposição de sua portadora na bainha. — Me contarás o que fora aquele espetáculo lá em cima ontem?

— Ah, é claro. — A lunno fechou o livro. A capa grossa ainda estava em processo de finalização. O tomo tinha um acabamento refinado, sendo manufaturado detalhadamente em um nível parecido com o livro sagrado dos seurianos. Na capa, havia uma esfera em alto relevo, onde seus raios giravam em torno dela e se alongavam como uma coroa, tendo um apêndice que parecia escorrer como líquido até a base. Uma bela representação da Lua Negra alcançando a terra.

Quinta Lua (Ýku'ráv)Onde histórias criam vida. Descubra agora