(37) - Anciã

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"Tanto se perdeu...

Lembro-me quando a União, mesmo em meio à decadência e corrupção da Segunda Era, era o apogeu da cultura e conhecimento entre todos os povos conhecidos. Um reino que levava a noção de "civilização" para um novo patamar. O Banimento não trouxe apenas a ruína dos sagrados e dos governantes, também trouxe o retrocesso. Nos dividimos, perdemos contato e troca de informação. Muitos que sabiam foram mortos. Outros se calaram. O que havia de melhor foi usado uns contra os outros e depois das batalhas ninguém se recordava de como reconstruir.

Gállen é um campo selvagem, cheio de escombros. Os awbhem de hoje são primitivos se comparados com os que um dia exerceram influência por toda Ýku'ráv."


- Ákera, almirante da Arma das Luas e antiga mandante de esquadras da União



O RUÍDO do carvão de escrita arranhando com diligência, adornando a folha, serpeando entre margens e bordas, era o som predominante. Por mais sutil que fosse o som proveniente das hábeis mãos, podia ser distintamente ouvido no interior do aposento da almirante. Movimentos curvos e circulares transcreviam a manuscrita kandhú formal usada pelos acadêmicos. Pincéis maiores e outros minúsculos se espalhavam em padrão organizado na bancada, sendo trocados e realimentados no tinteiro com frequência.

— Não se cansa? Mal chegara e não parou um instante com os estudos. — Ákera acabara de adentrar no cômodo, atravessando até a outra extremidade. Desafivelou o peitoral e a saia de placas as acoplando no manequim. A espada dentro da bainha também fora retirada e acomodada no local reservado a ela na estante. Quase nunca havia necessidade de andar de armadura pela nau, mas mesmo assim o fazia, mantendo a clássica postura hierárquica e sua posição como mandante perante os subalternos. Com exceção do encontro com Yîarien no porto de Lohal, todos desembarques e paradas da armada ela rigorosamente vestia o conjunto.

A almirante agora trajava a túnica que acompanhava por baixo da armadura, sendo essa confortável, um tecido feito para absorver o atrito do aço e do couro contra o corpo. Desprendeu o cabelo, deixando os fios ruivos soltos sobre a pele verde, que o comprimento atingia até a altura dos seios, um tamanho notavelmente curto para uma elfa, porém ajustado para um comprimento militar.

Yîarien sabia que era a almirante que chegaria, bem antes dela tocar na porta para abri-la. A aura madura, irradiante de um jeito contido, era uma assinatura única, fácil de notar pela sensibilidade áurica. Quando ela entrou, apenas a cumprimentou com um rápido olhar que fora notado.

— Primeiramente preciso terminar de narrar minha peregrinação desde minha tribo de origem. — A lunno largou a haste metálica com ponta de carvão. O aposento da almirante contava com diversos instrumentos de escrita sofisticados, sendo a maioria desconhecidos para ela. Como resultado, acabava passando a maior parte do dia na mesa principal, com tomos de livros empilhados nos lados. — Nesses rolos de pergaminhos vazios transcreverei minhas recentes descobertas na herbologia e naqueles outros o que aprendi convivendo entre os kaskres e seurianos. — Ela indicou os dois montes de folhas enroladas, pausando brevemente o trabalho que fazia. Sobre sua frente, estava justamente um imenso texto onde várias páginas descreviam seu encontro com a besta abissal e o confronto na ponte de Rimanesh, tendo ela mesma desenhado boa parte da besta Asi'Kale com suas próprias habilidades artísticas. — Senti tanta falta de escrever... — pausara a fala para buscar uma exemplificação adequada —, é como voltar a respirar profundamente. Ou poder salientar para um ouvinte perfeito o que tenho a dizer. Eu só tinha me esquecido como eu era boa nisso. — Deu-se ao luxo de fazer um autoelogio, pois comparava as próprias produções com a qualidade dos melhores textos da biblioteca de Aitháa.

Quinta Lua (Ýku'ráv)Onde histórias criam vida. Descubra agora