(34) - Remlök

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            "Aprendemos a chamar a provedora do véu que abraça a terra de Nhãmrú. Sob as águas dos rios, lagos e profundezas do mar, os aquáticos a conhecem como Nindýu. Outros a intitular como a entendem e conseguem notar. A veem nos céus, a sentem nas luas e na respiração dos animais. Muitos nomes lhe foram dados, mas, em um consenso comum, ela é, para todos, a Aura."

- Matriarca Sý'Einna, o Caminho Áurico, a deidade suprema acima das divindades, Senhora do Panteão Awbhem


A PEQUENA frota das templárias deixara para trás os mares guarnecidos do reino de Aylentar. As porções marítimas afastadas das costas eram território sem dono, que assumiam o mesmo tratamento de periculosidade que as terras das Fronteiras. As batalhas navais entre as facções awbhem ocorriam com raridade, mas ainda eram memoráveis. As três grandes rivais se concentravam na divisão oeste de Gállen'thir — o clássico território da Gállen, propriamente dito –, o que instigava confrontos terrestres. As colônias e fortificações espalhadas pelos demais continentes alcançáveis eram os causadores dos eventuais embates marinhos.

Endra é o oceano gallênico que envolve desde o sul das províncias awbhem, onde termina Sokhev Sov, o Mar Menor, contornando pelo Oeste os domínios de Surkhedon — onde suas águas costeiras são conhecidas como Gálleny Sov —, subindo até Aylentar e passando ao leste pelas vastas praias de Yl'hinyrm, cruzando toda região norte de Mídd e chegando na distante Itänn, onde a Gállen'thir acaba. Essas águas salobras eram conhecidas pela intempérie constante, mas aquela noite em especial as luas dobravam o mar ao gosto delas, moldando ondas intimidadoras, forçando os navegadores a redobrarem o cuidado.

A clériga adentrou pela cabine. No canto do aposento, banhada pela claridade das velas de dois candelabros, Visýr manuseava instrumentos cirúrgicos de costas para ela. Não a interrompeu, parando há metros. Pinças usadas se espelhavam pela mesa. Panos ensanguentados e uma vasilha com água turvada de sangria era usada para limpar os instrumentos. A mão dela tremeu, seu braço fraquejou, um gemido de dor reprimido foi notado, e ela emanava aflição e autocontrole simultaneamente. Ela soltou a haste metálica com uma ponta laminada, untado de sangue, o qual usava para fazer os cortes necessários. Mas era inútil. A haste caiu na mesa em um tilintar, e ela se debruçou.

— Já regenerei dedos e até um pulso dilacerado. — Visýr olhou para a mão que apertava forte contra o móvel. A mesma mão que um dia fora amputada em combate e conseguira restaurar devido o controle corporal awbhem que detinha certa maestria. — E agora eu falho em me curar.

A clériga compadecia da dor da comandante.

— Os olhos são os espelhos cristalinos do espírito. São as janelas expiatórias que ele usa para se localizar no mundo físico — a templária sacerdotal falou com seu caráter sábio. — Não estranho que seja a parte do corpo mais complexa para se recuperar. Até mesmo mais difícil que recuperar um coração. Mas não se entristeça. — Tentou amenizar, mesmo sabendo que Visýr era uma awbhem milenar que com certeza experimentara muitas provações que a clériga jamais tivera. E este contraste era, por si só, interessante, senão didático. — O maior entendimento de Ýku'ráv é feito pela Aura; não pela visão.

Visýr olhou para um espelho ao lado, reparando na cicatriz que iniciava na testa, passava pela sobrancelha e descia pelo olho direito ferido, continuando a marca até a metade do rosto. Um golpe poderosíssimo que fora barrado pelo elmo, e poderia ter esmagado seu crânio ou a fatiado como uma fruta. Vendo como havia falhado tantas vezes na regeneração, assumia o fato de nunca mais enxergar por aquele orbe. Havia desistido.

— Devo carregar mais este fardo pelo resto de minha vida. — A comandante amarrou uma faixa branca com um nó atrás da cabeça, que fazia quase o mesmo caminho que a cicatriz em seu rosto. Se virou à clériga. — Foi uma excelente troca para garantir a segurança da herdeira.

Quinta Lua (Ýku'ráv)Onde histórias criam vida. Descubra agora