(51) - Sopro de Zyshuth e o Calendário Partido

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"Naquela época, antes da chegada dos seurianos à Gállen'thir, todo território ao leste de Mídd era domínio livre. Itänn, a vasta terra do Leste de campos abertos até matas densas, pertencia a ninguém e a todos ao mesmo tempo. Viviam incontáveis tribos humanas pequenas e algumas outras espécies em menor quantia, cada qual falando o dialeto que desenvolveram sozinhos, interpretando o mundo da forma que suas mentes concebiam e a fala explicava, e também rivalizavam entre si como seres imaturos.

Zyshuth aconselhou que evitássemos interferir no curso deles, pois tinham muito a aprender consigo mesmos antes de formarem reinos ou um império para agruparem-se à União. Então o dever de orientação fora deixado às lunnos dos elfos, fêmeas diplomatas por nascença. Elas se espalharam pelos povoados, moldando-se aos costumes locais, os entendendo para só então os ensinarem meios de prosperar em harmonia. Eram tantos povos, tantos conflitos menores de tribos rivais, que demoraria, talvez, uma dúzia de séculos para que Itänn se organizassem em uma nação, de língua e cultura comum. E para as lunnos, imortais, esse dever não tinha pressa, pois aproveitavam para também imortalizar cada feito memorável, conquista, lendas e tradições deles em registros, que eram arquivados na colônia k'ammuriana no centro de Itänn. Em contrapartida, nós oferecemos proteção àqueles povos.

Nunca aconteceu. Um império itânnico, como sonhava-se, não passou de contos e cânticos produzido por bardos e contadores de história. Os seurianos chegaram cedo, quando as tribos formavam as primeiras alianças, esboçando uma civilização prematura.

Contam os registros dos tribais posteriormente obtidos pelas sentinelas da colônia, que nas praias brancas de uma baía, naus de formas nunca vistas desembarcaram guerreiros que irradiavam luz solar de suas vestes e armas. Vieram centenas de barcos desses, por toda a costa, com uma população inteira ocupando as margens do mar, criando assentamentos e sendo recebidos pelos tribais como deidades em algum nível. As lunnos de imediato foram até eles e tudo o que entenderam ao traduzirem a estranha língua deles fora estórias. Estórias míticas de um povo que fora criado diretamente pelas mãos do Deus-Sol e que dos Céus desceram para purificar aquela terra.

Então, a submissão das lunnos, a chacina dos colonos e a escravização dos tribais se deu início. Os seurianos cometeram atrocidades; forçaram os locais à conversão de suas crenças, torturando e executando os que se opunham. Os soldados não tiveram chance quando invadiram a colônia e se estabeleceram nela. Queimaram até o último pergaminho da biblioteca que abrigava as histórias de Itänn, dilapidaram e desmantelaram templos, monumentos e memoriais, para erguer as próprias imagens em cima. É inconcebível quão sádica é a deidade do sol que eles cultuam. Seur se tornou uma palavra carregada de tantos sentidos horrendos que mencioná-la trazia aos tribais um horror abismal.

O maior crime seuriano até o regresso das legiões k'ammurianas fora o assassinato de uma divindade suprema de nome incerto. Assim como aconteceu com Zyshuth e Sý'Einna, os povos lhes deram muitas nomenclaturas antes que uma fossem amplamente conhecidos. Das cartas que conseguiram chegar até K'ammur, narravam as lunnos que uma mulher manifestava imortalidade e poder latente, uma candidata a ser a deidade patrona de Itänn, o tipo de deidade concebida pelo mesmo Pulsar Áurico que exaltou o Eremita. Tamanha perda foi o prelúdio da morte do sonho da unificação itânnica.

Confesso que me desgasto em memórias de desgosto ao escrever este texto.

K'ammur e Aylentar enviaram comitivas diplomáticas que só resultavam em mais mortes. Aprendemos do pior jeito que suas armas eram demasiadamente superiores e que mesmo pequenas tropas seurianas eram uma ameaça para um batalhão nosso.

Quando as legiões regressaram à capital, recebemos notícias de que as primeiras cidades k'ammurianas, da margem leste das Cordilheiras Míddrren, estavam sendo saqueadas e os habitantes escravizados. Os seurianos tinham posto seus clérigos na liderança das principais tribos e exterminavam as demais que não lhe interessavam, dominando as terras desde o mar até próximo do começo do deserto. O exército deles se tornou imenso com a quantia de itânnicos que eram forçados a lutar, sem contar com aqueles que juraram vassalagem por diversos motivos.

Quinta Lua (Ýku'ráv)Onde histórias criam vida. Descubra agora