"(...) e sucedendo ao ápice da Primeira Era, o declínio viera em uma rajada de desestabilidade imponderável. Os que de longe vinham, recuavam da maré. Awbhem ou não, os que nomeavam a União de Lar recolheram-se do pavor. O entendimento que se perde, a ordem ruída igual à corrente que se parte, as colunas laceradas (...)
Antes que enxergássemos a vindoura catástrofe, as cartas vieram. Relatos viajaram por transportadores das bordas da dourada nação ao coração aylentariano. Pergaminhos marcados pelo selo das lunnos carregavam urgência, quanto mais esses.
(...) entrei no palácio carregando o pergaminho lacrado. Há dias a Matriarca ficara reclusa na câmara de meditação, nem ao menos sei se ela se alimentava ou saciava a sede. Os vitrais da câmara foram fechados e a encontrei em escuridão de pensamentos. Jamais a perturbaria se a urgência não demandasse e da penumbra seus olhos me encontraram. Ela vislumbrou o rolo de texto sobre o pedestal deixado por mim tal fitasse a pista de algo maior. De escasso ânimo ou receosa como em raríssimas vezes a vi, posicionou o pergaminho ao chão e ali o deixou.
Pergaminhos continuavam a chegar, e eu fui a única permitida a interromper a reclusão da Grande Mãe. Os deixava perfeitamente alinhados sobre o pedestal para que ela lesse, mas nunca os lera. A rara luz que me permitia enxergar o interior da câmera mostrara que os textos eram depositados ao piso em pontos aleatórios, e nenhum deles perdera seu lacre.
Dias e mais dias. Eu lhe trazia os pergaminhos e via que a cada relatório de urgência, mais aflita era a aura daqueles que me entregavam. A contagem já se perdera, mas certamente passara das centenas de textos. Todos ignorados, jogados ao chão.
Respostas eram necessárias. O Conselho necessitava da rainha e minhas irmãs exigiram saber a razão do silêncio Dela. E, quando a névoa de murmúrios sombrios e medo pairou pela capital, tomei a decisão.
Sendo a única permitida a vê-la, abri as portas da câmara para confrontá-la, ousando contra sua autoridade. Eu trouxe a luz do corredor em minhas costas. Ergui as velas, clareei o recinto e a encontrei em uma imersiva estase, metros acima do piso. Seus fios se espalhavam como uma rama de muitos cipós ou algas sob o mar, os pulsos se encontrando, mas mãos continuavam separadas, igual seus tornozelos unidos. Parecia curvar-se em si mesma, flutuando inerte em um líquido invisível. Ignorara minha estrondosa chegada. Pelos seus mil nomes, a chamei em vão. Decidi acender um a um dos archotes e abrir os vitrais, desmontando o santuário obscuro.
Então os pergaminhos ficaram visíveis. Ocupavam o centro da câmara, não amontoados nem descartados, somente posicionados em um arranjo que não fizera sentido numa presunção inicial. De onde Ela voltava sua face havia o Norte, e afastando-se de seus pés descalços onde nada havia, os pergaminhos mais recentes repousavam, alguns próximos, outros afastados. Os primeiros margeavam o cenário, distantes, e um desses em especial recolhi e o abri. Antes de ler o conteúdo da mensagem, confirmei a suposição com a linha inicial de apresentação, referente a uma lunno diplomata além das fronteiras de Éloin. Tal texto, o mais antigo e primeiro trazido por mim, representava no piso justamente sua posição em relação aos demais. Olhando de cima, de onde só Ela poderia ver, todos relatórios montavam um mapa, sendo o eixo vazio abaixo dela, justamente a Gállen, de onde nenhum pergaminho tinha vindo.
Sý'Einna descera do ar e caíra com sutileza sobre si mesma. Perturbar a disposição do pergaminho a despertara e, ao esperar seu questionamento sobre minha intromissão, ela acolheu-me. Ao pedir explicação do que acontecia, ela indicou para que eu lesse o pergaminho que segurava, e assim o fiz. Minhas orbes percorreram o escrito e exalei temor.
Ela não precisava ler os pergaminhos. As palavras contidas em papel não lhes eram necessárias. O rastro áurico deixado no material trouxe a verdadeira experiência, de sua origem até sua chegada, das mãos da lunno que escrevera às mãos dos transportadores, trazendo o histórico indetectável, o registro de seu reino.
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Quinta Lua (Ýku'ráv)
Fantasy(LIVRO COMPLETO) *Fantasia Épica em Terceira Pessoa focada na trama entre divindades vivas e mortas: um testemunho lírico em forma de livro sagrado dentro deste universo próprio* (+18) Sinopse: "A Matriarca nos governava com sua eterna sabedoria. T...