(19) - Zelo

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"Nunca foi uma exigência, mas nós guardiãs comumente optamos por não superar o envelhecimento. Libertando-nos da necessidade do domínio pleno sobre o corpo, não estamos demonstrando fraqueza. As Discípulas reconheciam tal escolha como um ato de bravura. Ao renunciar à longevidade e quase imortalidade dos awbhem, os ímpetos se tornam mais urgentes, demandando a realização e nos movendo para agir e viver mais intensamente.

Assim se eleva o Zelo, a principal virtude templária."

- Guardiã Wanäe, do Templo de Ktajh



Ermos Assolados, Mídd

Ciclo 1348, Mês 4



HAVERIA MOMENTO de lamúria para os que se foram e o que se perdera. Mas não seria aquele. A jornada da Revelação trilhava para um desfecho incerto. A grande reviravolta no Conflito dependia do êxito do ínfimo grupo que agora se afastava cada vez mais da Gállen.

Nas paradas dos acampamentos para descanso, Thâmyr as observava interagindo entre si. O desentendimento das facções gallênicas não interferia no apoio da guardiã, o que era admirável. Ambas conversavam em kandhú, em dialetos próximos, ao qual o lanceiro se tornara fluente muito antes de resgatar Yîarien.

"Séculos de conflito e separação não bastaram para que elas falassem línguas diferentes. Talvez ainda sejam o mesmo povo."

Deveria estar lamentando por Yrush. E estava — quando sua mente não o prendia em um labirinto de perguntas. Desde a noite que fora curado do envenenamento, questionava-se sobre a atitude da lunno. Ela havia feito algo belíssimo ao se deitar com ele para salvá-lo. Ocorrera tal uma parceira íntima, uma relação entre dois amantes, e se enchia de dúvida se também fora por prazer próprio, se compartilhava da mesma atração que ele cativava. Na calada da noite, ele ainda a desejava e se envergonhava por isso, afinal, enxergava-se como um ser mundano do tipo mais comum possível, apenas designado para protegê-la, enquanto Yîarien carregava nobreza e pureza lírica.

— Kaskre, tu és nosso guia nestas terras — a guardiã direcionou-se para ele. O acampamento daquele final de noite fora montado acima de um rochedo de boa visão panorâmica, mesmo que quase nada pudesse ser visto com definição no deserto noturno. Sem Wym'rú, a temperatura caía drasticamente em Mídd. O vento cortava fraco, mas áspero. — Quais tipos de perigo devemos esperar?

O Errante deitava-se em um pedra sobre a capa com o elmo e os outros equipamentos de combate repousando ao lado. Com um braço atrás da nuca, observava o firmamento, discernindo as constelações que o orientavam, sabendo exatamente em que local do mapa viajavam. Ele, sendo um cavaleiro kaskre, conseguia encontrar comodidade em um nível agradável mesmo naquela circunstância, onde havia nada senão o mínimo.

— Existem os que rastejam, se entocam nas dunas e expelem peçonha — informou, fechando as pálpebras e entregando-se à sonolência.

— Não me refiro às feras.

— Assim como eu.

A guardiã visualizou um sorriso meio sarcástico no rosto dele.

Por enquanto era o que precisavam saber.

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WANÄE TINHA a estatura de Thâmyr, considerado normal para as sywhas. Entre os awbhem era comum a grande diversidade de coloração de pele, que comumente seguiam padrões de acordo com o local de nascimento, e o tom escuro da guardiã podia ser aproveitado para que a confundissem com uma nativa de Mídd. De média a longa distância, a feição de um awbhem não diferia a de um ysokem, o que ajudava mais ainda. Thâmyr explicara que o deserto abrigava todo o tipo de espécie senciente, então uma awbhem não seria uma novidade ou motivo para chamar atenção. Mas Yîarien ainda era o problema. Por qualquer lugar que fosse, ela seria uma criatura exótica e atraente.

Quinta Lua (Ýku'ráv)Onde histórias criam vida. Descubra agora