(52) - Prenúncio

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"Recordo-me de avistar acima das muralhas a esplendorosa revoada dos cavaleiros montados sobre kratars em formação de seta, alçando voo dos quartéis de K'ammur em direção ao Leste Distante. Na época, o povo depositava suas esperanças ingênuas neles; assim como eu.

Seurianos aprendiam a marchar céleres nas dunas, cobrindo grandes trechos aos dias e montando acampamentos fortificados nas noites. O calor não parecia lhes castigar em suas couraça resistentes e descobrimos em batalha que eles tinham preparo militar até mesmo contra nossos guerreiros alados. As vantagens, que já eram poucas, diminuíam.

A guerra seuriana atingiu uma dimensão tão alarmante em nosso império, que cada cidadão maduro, independente de raça ou gênero, capaz de empunhar armas, era treinado para suprir as fileiras. As forjas trabalhavam incessantemente para reprocessar todo metal disponível em armas, e mesmo a exaustão visível dos civis não os desacelerava. Os incapazes que se voluntariavam não eram excluídos, sendo empregados na fundição e logística.

Gerações nasceram e morreram conhecendo a guerra como a maior verdade sobre si mesmos. Costumes foram deixados de lado por escassez de tempo ou recursos; tradições outrora enraizadas em cada aspecto se perdiam, e outras, com a urgência de uma vida curta e conturbada, se criavam espontaneamente.

Como Arautos, nos espalhávamos pelas terras servindo de guias para as tropas, revelando bases inimigas e pontos estratégicos para sangrar os invasores. Zyshuth, em suas longas meditações, auxiliava nossas terras com seus poderes e sussurrava inspiração aos espíritos de nossos soldados. Isso só alongou a guerra em décadas, ampliando o ódio mútuo dos povos dicotômicos.

Sem sucesso em manter os seurianos contidos em Itänn, tivemos a mais dura derrota na Muralha da Terra, a principal passagem para Mídd. A nossa magnífica barreira de duzentos metros de altura que cobria o vão deixado pela cordilheira Míddrren se esfacelou.

Já era tarde quando os Arautos decidiram intervir com todo o potencial que tinham. Não somos exatamente como magos enakâns dos elfos, apesar de sermos assim considerados pelos gallênicos. Somos entidades que transcendem a natureza para guiar através dela. Mas, quando o predador descarna sua presa ainda viva, até mesmo o natural se revela violento.

Fui aquele que ousou usar a natureza em sua forma bruta contra os invasores. Sim, eu tive coragem de desestabilizar a Balança e despertei as forças das tempestades e das bestas.

A visão da terra se reencaixava quando Zyshuth afirmara que entendia essa demanda, e que, se fosse necessário, deveríamos ir além. Os seurianos eram a doença da terra, o algoz que contorcia a Balança e nos obrigava a retorcê-la mais ainda do lado oposto; uma balança que seria finalmente estraçalhada por nós mesmos.

Não vou me ater aos feitos militares. O propósito deste pergaminho é relatar o apogeu e declínio interno de meu povo. Este último, a meu ver, se deu início nesse exato momento.

Embosquei e dizimei uma tropa de sacro-guerreiros seurianos encantando bestas Anfitriãs. Poupei a vida de seu comandante, um apóstolo, para que esse levasse de volta aos seus líderes a minha mensagem através de um cajado encantado. Esse, carregava o prelúdio do fim dos seurianos caso não recuassem de volta pra Itänn imediatamente, lhes deixando claro o que aconteceria. Os mensageiros e o próprio Seur'Rane riram de meu aviso e tomaram nossas ameaças como truques.

Que as memórias deste mundo saibam, mesmo que não em justificativa, que eu os alertei e fomos ignorados.

As terras férteis de Itänn que serviam colheitas aos seurianos geraram frutos venenosos, pragas, doenças, apodrecimento. Nós subvertemos a essência da vida e a drenamos, esterilizando o solo. Então o deserto se alastrou como uma maré, consumindo a eles e aos Arautos em si.

Quinta Lua (Ýku'ráv)Onde histórias criam vida. Descubra agora