(07) - Salvadora

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"Uma vez eu lhe pedi água, e ela me dera vinho.

Uma vez lhe pedi pão, e ela me dera um banquete.

Uma vez lhe pedi ajuda, e ela me dera um abraço.

A Grande Mãe demonstra seu amor de incontáveis modos."


- Ellêora, a Quinta Discípula

Dama das festividades e do prazer




ÓLEO TRANSPARENTE jorrou como uma cascata pálida da ânfora de barro para as jarras menores até que estivessem completas do líquido. Segurando pelas duas alças, pousou o vaso pesado no chão e o tampou. Acompanhada de outros, Lijnea carregou, rente ao seu peito, um dos recipientes cheios e se dirigiu até o núcleo da vila erguida sobre as ruínas.

Andaram por entre casas simples, porém cuidadosamente adaptadas ao terreno irregular resultante dos remanescentes de uma antiga rua de blocos. Nada lhes importava o passado daquele local, ou quem havia um dia habitado ali e por que não estavam mais lá. Esses eram questionamentos que iam além do que aquelas pessoas podiam — e precisavam — entender. Viviam do hoje, e isso compreendiam bem.

No que seria uma praça aberta para encontros e reuniões, os habitantes circundavam uma pira larga de madeira intercalada com vegetação seca que serviria de alimento para a chama primária. As pessoas deram espaço àqueles que chegavam para encerrar o rito.

Derramaram o óleo nos quatro lados da fogueira fúnebre enquanto Lijnea untava o cabelo e a barba do velho guerreiro moribundo deitado no centro da pira. Esse fora o último pedido do chefe da vila antes de perder toda a capacidade de se mover ou falar ante o envenenamento que o afligia. Sua carne seria consumida ainda viva pela flama, e ele estaria consciente para testemunhar. Uma grande honra que levaria suas cinzas até seus ancestrais.

Lijnea recebeu uma tocha que queimava e a segurou, dando a última vislumbrada no antigo chefe. Descia devagar o fogo na base das madeiras e notou uma agitação repentina na sua frente, do outro lado da pira, que a fez parar imediatamente: dois estrangeiros emergiram do meio dos habitantes que, por sua vez, nada fizeram para impedir. Um dos recém-chegados levantou a mão para Lijnea, exclamando:

Köe!!! — falou alto, a criatura bem-vestida, com olhar surpreso para ela. Sob um capuz da fina vestimenta roxa, um belíssimo pingente pendia acima dos olhos.

Não pretendia terminar o rito funerário depois que tal interrupção fosse resolvida. Mas também não conseguiria se quisesse. Todo o calor da tocha sumiu de modo inexplicável juntamente com sua chama. O que ela não notara, entretanto, era que a estranha havia erguido a mão, não para ela, mas em direção à tocha.

— Por que vieram atrapalhar o rito de passagem de nosso chefe?! — ela exigiu saber, revoltada, encarando os importunos visitantes. — Não veem que ele sofre mais a cada minuto?! A saliva peçonhenta de uma rhydra corre em suas veias, ele necessita se desprender da carne condenada.

— Áy mauh nese nivov awa! Köe enkirin awa...

— Interrompem o ritual e ainda têm coragem de responder em élfico! — Lijnea foi ainda mais ríspida. — Ah, claro! Você é uma awbhem — ela concluiu facilmente, ao analisar a face de Yîarien. A aparência não era comum, mas a coloração azul da pele a fez chegar àquela conclusão. — Vocês só trazem a discórdia e a ruína! Saiam daqui! Os dois! Não queremos mais confrontos com o seu tipo.

Quinta Lua (Ýku'ráv)Onde histórias criam vida. Descubra agora