Capítulo Um.

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     Eu sempre fui muito contraditória com meus próprios sentimentos; eu gostava de tudo, mas ao mesmo tempo tudo me irritava. Eu sabia falar, era uma boa escritora, mas nem sempre as palavras saiam. Eu era madura para muitas coisas, mas também era birrenta como uma criança que a mãe negou doce no mercado. Maldita adolescência, você quer saber e ser tudo, mas no final não é nada.
     Não sou do tipo matinal de pessoa, sou mais do tipo que quer estrangular as pessoas que por alguma mutação genética, são. E o dia já começa mal, estou atrasada e completamente destruída! Com certeza terei o mau humor como companheiro hoje. 
Desço a escada correndo, Isadora me encurrala bem no meio, me impedindo de avançar.
— Bom dia, bela adormecida. Você está atrasada! — Disse minha prima, com os braços cruzados no peito. Hoje ela usava calças jeans largas e escuras, jaqueta marrom tão grande quanto e um tênis branco.
— Desculpe Isa, eu dormi tarde demais por causa dos deveres da escola e- 
— Tá bom Agatha, Tá bom! — Me interrompeu ela. — Agora anda logo, senão vamos nos atrasar ainda mais! 
 Peguei o casaco que estava pendurado no cabideiro, e antes que eu pudesse pensar em pegar algo pra comer, Isadora me puxou pelo braço e praticamente me arrastou para fora de casa. 
   No meio do caminho Isa e eu nos separamos. Ela ainda está no fundamental, então estuda em outra escola. Apesar de ser três anos mais nova e estar no nono ano, Isadora é muito mais responsável e inteligente do que eu, o que é um pouco frustrante se parar para pensar...
— Bom dia, Agatha — disse seu Antônio, cortando meu pensamento.
— Bom dia seu Antônio, como vai?
— Cansado, minha filha. Sabe como é, gente velha está sempre cansada.
— O senhor não é velho! — Retruco. 
 Seu Antônio dá risada com o comentário. 
— Bem, melhor pararmos de discutir se sou velho ou não, a senhorita vai se atrasar! — Ele diz batendo palmas e empurrando o ar com as mãos para eu me apressar.
— Certo, certo. Até mais seu Antônio! –- Me despeço com uma expressão divertida que ele responde com um sorriso e um aceno. 
   O seu Antônio é o porteiro da escola, ele é um velhinho muito gentil mas bem solitário. Pelo que parece, sua esposa morreu há oito anos, e desde então ele vive sozinho. Eu não sei bem como ajudá-lo, então faço o mínimo, conversando com ele e levando alguns doces e pães sempre que faço. Acho que foram as aulas que matei conversando com ele por estar ‘’doente’’ e ‘’precisando de um ar’’ que salvaram meus últimos dois anos de ensino médio.
   Ando em direção ao mural a fim de descobrir em que turma estou, passo os dedos pelo papel grampeado e leio "Agatha Vasconcelos 3° E". Continuo lendo, procurando o nome do meu melhor amigo. Abro um sorriso quando vejo seu nome na lista.
   Sentada em um banco perto da sala, observo os alunos, vejo como estão os antigos e admiro os novos. É curioso como nada parece ter mudado desde que entrei nessa escola, último ano do ensino médio e tudo parece tão… igual?
Alithís não era o tipo de escola que coisas interessantes aconteciam, era monótona, com seus gramados largos, telhados abobadados e construções antigas.
— Agatha! — Grita Miguel, enquanto corre para me abraçar. Ele está usando uma bermuda e camiseta da escola. 
— Que saudade que eu estava de você! Não falou comigo direito o verão inteiro, achei que tinha morrido!
— Quem sabe eu dou sorte e morro no próximo. — Falo, dando de ombros.
— Nem brinca com isso… — Miguel responde com um tom sério, que logo se desfez e foi substituído por um sorriso.
Ele me abraçou de novo, dessa vez bem mais forte.
— Desculpa, agora me solta você tá me sufocando! — Disse com dificuldade. 
— Perdão, estou empolgado. — Ele dá um sorriso tímido.  
— É eu percebi! — Digo com as sobrancelhas franzidas enquanto tento desamassar minha blusa.
— E aí como foi as férias? Conheceu alguém interessante? — Ele faz um movimento com a sobrancelha que eu achava que só existia em desenhos animados que me tira uma risadinha. 
— Continuo plenamente solteira e BV, se é isso que quer saber. — Falo ríspida. 
    Sei o que deve está pensando, "como alguém que já está terminando a escola nunca beijou ninguém?" E a resposta é: nem eu sei. Eu já dei selinhos em alguns meninos, mas nunca um beijo mesmo. E de verdade? Não estou com pressa para beijar alguém apenas para sair e poder dizer por aí "Ei! Eu já beijei alguém!". 
— E as suas férias como foram? – pergunto para mudar o tópico. 
— Ah Agatha... foram incríveis — diz ele com um tom sonhador. 
— Muito bem, então conte.
E foi assim que Miguel passou os próximos 15 minutos falando da praia, dos amigos que fez e das meninas que conheceu. E talvez eu tenha sentido uma ponta de inveja ou ciúmes… Olha não me leve a mal, eu amo o Miguel, eu só queria…ser mais como ele. É um pouco triste quando você sabe que seu melhor amigo, ao contrário de você, não tem só você de amiga.
    Sabe aquela expressão "adotado por um extrovertido"? Foi exatamente assim que Miguel e eu viramos amigos. Lá estava eu sentada, desenhando no primeiro ano do fundamental 1; quando um menino com capa de Superman e tênis de luzinhas se aproximou. 
— O que está fazendo? — Perguntou ele. 
Na época eu era muito mais tímida, então não respondi.
— Talvez você não fale minha língua — disse colocando a mão no queixo. 
— Eu sou Miguel. — Falou bem devagar, — M-i-g-u-e-l — completou gesticulando e depois dizendo seu nome de novo em slowmotion.
Na hora não me aguentei e comecei a rir, e ele riu também se sentando para desenhar comigo. Depois desse dia, viramos melhores amigos. Passávamos todos os recreios juntos. Miguel me defendia dos garotos maldosos que tentavam me intimidar e eu o ajudava com qualquer lição de casa. Uma relação de ajuda mútua, mas que de algum jeito deu certo. 
   Observando a escola me pergunto se esse ano será tão parado quanto os outros.
                 

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