Já havia um tempo que Sá e eu havíamos saído da dispensa. Todos notaram o rosto um pouco inchado de nós duas, mas ninguém fez perguntas. Resolvemos acabar com a brincadeira, e bem, cada um seguiu seu rumo pela casa. Bri e Lucas ainda estavam na sala. Não fazia ideia de onde estavam Miguel e Sá; mas também não queria encontrar nenhum dos dois. Sá e eu precisávamos respirar e Miguel faria perguntas demais.
Assaltei uma das garrafas de whiskey da mesa e me esgueirei para fora, caminhando até a varanda do segundo andar da casa. Era espaçosa e bem decorada. As paredes continham plantas em jarros suspensos, nas duas extremidades da sacada conseguia ver duas pequenas gárgulas de mármore. Eram igualmente bonitas e aterrorizantes, talvez Donna Tartt esteja certa e beleza é mesmo terror. Já no centro do local, haviam 4 bancos baixos e estofados, no meio uma mesinha de centro com um cinzeiro e um vaso delicado. Me sentei em uma das cadeiras e observei a noite. A casa de Lucas era alta o bastante para conseguir ver metade da cidade. Os telhados de tamanhos variados cobriam a paisagem, e milhares de luzes brilhavam, como um mar de estrelas. Tomei um pouco da bebida, direto da garrafa, não senti nada.
— Posso sentar aqui? — Perguntou uma voz masculina. Me virei e Lucas estava parado na porta de vidro me fitando.
— Sinta-se em casa — Falei, fazendo um gesto para os bancos. Lucas riu e se sentou na minha diagonal.
— Noite complicada, eu imagino. — Ele comentou suspirando.
— Touché. — Respondi e levei a garrafa aos lábios novamente, era como estar bebendo água.
O garoto colocou uma mecha de seu cabelo atrás da orelha e puxou uma carteira de cigarro do bolso da jaqueta. Pegou um, colocou na boca e me estendeu o maço.
— Aceita? — Perguntou. — Este é especial, de menta.
— Você sabe que não fumo, porque sempre pergunta? — Questionei enquanto deixava o vidro descansar no meu colo.
— É falta de educação não oferecer. — Ele disse, sorrindo de leve. Reparei, pela primeira vez, suas covinhas nas duas bochechas, que ressaltaram seu piercing prata.
— É questão de educação mesmo, ou você só tem esperança de que uma hora eu aceite?
— Talvez os dois. — Lucas disse rindo, observando com uma expressão curiosa meu bebericar no whisky. Encarei o objeto entre seus dedos, lembrando de meu pai novamente. Por fim, aceitei. Lucas sorriu com o gesto. — Eu acendo pra você — falou, pegando o isqueiro de seu bolso e se inclinando para perto de mim. Coloquei o cigarro na boca e me aproximei, deixando que o fogo fizesse sua mágica. Lucas aproveitou o momento e acendeu o seu próprio cigarro no meu. Nos afastamos e soltamos a primeira tragada ao mesmo tempo, quase como um suspiro. Era realmente menta.
— Você disse que não sabia fumar — acusou ele.
— Disse que não fumava, não que não sabia como fumar. — Revelei. Não era mentira, depois que meu pai morreu, as poucas vezes que vi minha mãe fora do quarto era nas vezes que ela saía para fumar no quintal. Aos 13, decidi experimentar para entender o motivo de eles gostarem tanto. No começo tossi tanto que achei que ia morrer, mas depois de algum tempo, realmente era relaxante.
— Cheia de surpresas — comentou com sarcasmo.
Dei mais uma tragada e prendi um pouco o ar antes de soltar. Conseguia sentir nitidamente o gosto gelado de menta. Estendi a garrafa para Lucas que pegou sem hesitação.
— Por que está aqui? Achei que uma hora dessa você já estaria se atracando com a Brisa por aí
O garoto tossiu enquanto bebia, com um susto.
— O que? Por que eu faria isso?
Revirei os olhos. — Por favor, Lucas, não se faça de sonso comigo. Tá bem na cara que você é doido por ela.
Ele ainda parecia perplexo por conta da informação que eu tinha.
— Eu não sou doido por ela. — Disse na defensiva
— Ah é sim, e talvez ela goste de você também.
— Você acha!? — Falou empolgado e depois se censurou. — Quer dizer, — ele se recompôs. — Digamos que, hipoteticamente, eu tenha uma pequena queda por ela...
— Você tem.
— Cala a boca. — Ele franziu o rosto me deixando com vontade de rir, mas a carranca logo se desmanchou e deu lugar a um olhar mais distante. — Ela nunca gostaria de mim. — Havia um pouco de tristeza em sua voz, que ele tentou esconder dando mais um gole e me passando a garrafa.
— Eu duvido muito. — Finalizei mais um gole. — Vocês são amigos a um bom tempo, te odiar, ela não odeia.
Lucas ponderou um pouco antes de falar.
— Tá, mas é aí que está o problema, não somos como você e a Saori, vocês já foram nessa intenção. Eu tenho anos de amizade construídos a perder.
Demos outro trago ao mesmo tempo.
— Bom, você só vai saber isso se tentar. Tenta vê a relação de vocês como o gato de Schrödinger.
Ele me fuzilou com o olhar. — Sério Agatha? Física, agora?
Dei uma risada baixa. — Mas tenho que admitir que faz sentido. — Confessou.
Com um toque leve de dedos, despejei o excesso de cinzas do cigarro no cinzeiro.
Ficamos um pouco em silêncio até a conversa retomar de novo.
— É bem legal seus pais deixarem a gente ficar aqui. — Falei.
— Ah, eles não deixaram.
— O que? — Perguntei confusa.
— Já faz uma semana que meus pais não voltam pra casa. Saíram para uma viagem de trabalho que acabou se estendendo. — Seu tom era casual, mas era óbvio que aquilo o incomodava
— No que eles trabalham? — Perguntei, enquanto expulsava uma nuvem de fumaça da minha boca,
— São empresários. — Ele deu de ombros. — Nossa família tem um negócio de tecidos de luxo há quase dois séculos. Evandro adora, costumo surrupiar alguns para ele de vez em quando. — Ele deixa uma risada nasal sair. — Mas a questão é que são ocupados demais, acho que se os vejo quatro vezes ao mês é muito.
— Porra que merda...
— Tudo bem, sempre foi assim, eu não ligo mais. — Algo ali dizia o contrário.
— Não é porque algo acontece com frequência que deixa de ser ruim. — Falei.
— Você parece entender do assunto. — Brincou.
— Mais do que imagina.
Lucas sorriu com empatia e voltamos ao silêncio.
Respirei fundo e olhei para o céu. Estava nublado demais para ver qualquer coisa além da sombra embaçada da lua. Thomas deveria estar irritado em casa agora.
Porra, Thomas! Eu deveria estar em casa a muito tempo. Maldito álcool que nos faz esquecer da hora. Parabéns Agatha você é uma anta.
— Que horas são? — Perguntei, já me levantando e fazendo Lucas tomar um pequeno susto.
— Uma da manhã, por quê?
Arregalei o olho, surtando por dentro. — Aí caralho! Eu preciso ir embora!
— Mas já? Dorme aqui. — Ele sugeriu.
— Eu adoraria, mas realmente não dá. — Falei rápido, apenas querendo encerrar a conversa, mas senti uma pontada no coração com a sua expressão triste.
Entrei pra dentro da casa aos tropeços e procurei Saori por todos os cantos. Ela estava na cozinha, conversando com Brisa e tomando uma taça de alguma coisa que não me dei ao trabalho de identificar.
— Tô indo embora — anunciei. Ela parecia confusa e antes que falasse algo a beijei e corri pra sala. — Adorei a noite, tchau gente!
Todos pareciam igualmente perdidos, querendo perguntar o motivo. Mas não dei tempo para que ninguém o fizesse. Estava quase na esquina quando alguém gritou meu nome. Olhei para trás e vi Miguel correndo em minha direção.
— Posso dormir com você? — Perguntou ofegante, ao me alcançar.
— Eu... — Comecei a dizer mas me silenciei quando notei que Miguel estava pálido como um fantasma. Parecia assustado. — Não sei como isso vai funcionar, mas pode.
Ele entendeu ao que estava me referindo.
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Estrelas ao meio dia.
RandomAgatha sempre foi uma menina introvertida, vivendo em seu pequeno mundo coberto de livros, quadros e músicas que foram lançadas antes mesmo de ela sonhar em nascer. Mas quando uma garota punk de cabelo cruza seu caminho e a faz experimentar a rebel...