Capítulo Trinta e Oito.

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Tom e eu estamos andando devagar pela calçada de tijolos a caminho de casa.
Levanto o rosto e admiro o céu, o crepúsculo já está caindo. As nuvens tomam uma cor alaranjada e rosa, há poucas pessoas na rua e a maioria das lojas já estão fechadas. Exceto, uma pequena padaria, no meio dos comércios adormecidos. Olho para meu primo e pergunto se ele quer passar lá, afim de enrolar mais um pouco a volta pra casa, ele assente com a cabeça. Parece que nós dois compartilhamos da mesma vontade de que esse dia não acabe tão rápido. Momentos de calmaria assim são um pouco raros em nossa vida, então tentamos fazê-los durar. 
Entramos na padaria e o calor e o cheiro de pão invade minhas narinas. 
— O que vão querer? — Pergunta a atendente, enquanto observamos o balcão, repleto dos mais diversos doces.
— Humm — Ele analisa. — Não estou com fome, então só um Cupcake. 
A moça assente e pega o bolinho para Thomas.
— E você mocinha? — Pergunta para mim. 
— Também não estou com tanta fome, um pão de mel de chocolate está bom. 
   A moça sorri e entrega meu pedido junto com uma notinha com o preço. Pagamos no caixa e vamos embora. Continuamos caminhando, estamos apenas a uma rua de casa. 
— Sei que já disse isso — Ele começa — Mas obrigada de novo, não sabe como isso significou pra mim. 
— É o mínimo que posso fazer — respondo. 
— Agatha é sério... — ele diz, mas eu o corto. 
— Eu é que tô falando sério, Thomas. Você tem sido um primo incrível e um dos meus melhores amigos, nem sei como lidaria com as coisas dentro de casa sem você lá comigo. De verdade, obrigada. 
Ele sorri pra mim, um sorriso de cumplicidade que só nós temos. 
— Vai arrasar o coração das menininhas com essas tranças. — Brinco, dando um soquinho em seu braço. 
— Sempre arrasei — fala, pretensiosamente, endireitando sua jaqueta. Dou risada disso. 
   Continuamos nosso caminho até em casa em silêncio, sabemos o que estamos pensando não é preciso falar. Paramos na frente da porta, hesitantes, é agora que o cronômetro está zerando, e não sabemos se o fio cortado foi o certo ou não. Olho uma última vez para meu primo e abro a porta. Minha mãe está encostada no balcão da cozinha bebendo uma taça de vinho branco. Ela parece pensativa. Estamos quase na escada quando ela nos nota, sinto seu olho cair sobre ambos. 
— Quem é esse com você? — Pergunta ela calma, como se só quisesse se certificar de que garoto estou trazendo para casa. 
   Respiro fundo e me viro junto com Tom para ela. Sinto o susto em seu olhar. Pego a mão de Thomas por extinto e espero o ataque de raiva, mas ele por algum motivo, não vem. 
— Você está... — Ela começa, se referindo a Tom. Não consigo ler sua expressão, mas reparo no subir e descer de seu peito, seus olhos tremem um pouco. Tom não a deixa completar a frase, corre para seu quarto escada a cima. Não o impeço. 
— Ele está lindo. — Falo da maneira mais imponente que consigo. Minha mãe me olha com a mesma expressão; Também não dou chance para que fale algo, me viro e vou para a varanda dos fundos.

                                                          ☆☆☆

     Faz quase duas horas que estou aqui fora. No meu celular toca ‘’Sunsetz’’ do Cigarettes After Sex. Os versos calmos me fazem fechar os olhos e apenas sentir a brisa fria bater em meu rosto, como um carinho. Escuto a letra com cuidado, ela me lembra Saori. Isso me faz sorrir. Visualizo o dia que nos conhecemos, nós duas correndo nos irrigadores e caindo na grama. Se Miguel me visse agora com certeza riria da minha cara de boba. A próxima música começa, ‘’YKWIM?’’ do Yot Club. Meu sorriso se desfaz, a letra me lembra minha mãe. "It’s seems like I care too much, when no one's at home… for me." 
   Me sinto exatamente como é dito nos versos. Deixo a música terminar, passo todos os minutos lembrando da minha infância não muito feliz. Caminho até uma das mesas da varanda, está coberta de quinquilharias, ninguém parece ter cabeça para arrumar. Dela pego uma das folhas um pouco amassadas e uma caneta sem tampa, porque: “somos escritores, meu amor. Nós não choramos; sangramos no papel.” 

Via meu interior
como um tambor,
barulhento, mas por dentro, apenas vento.

Uma tempestade nas águas profundas,
mas calma na superfície.

Era difícil traduzir, me sentia vazia de tudo,
mas cheia de nada.

Lia e relia cada verso,
mas tudo parecia 
tão disperso, um mar aberto. 

Talvez o vazio fosse eu, 
que depois de me inundar, perdera a habilidade de nadar. 

Uma mata fechada, intocada, não visitada

Não importa como as estrelas brilhem, 
a lua sempre sentirá falta do sol, ao anoitecer.

    Acho que, aquela altura, até o direito de sangrar tinha me sido tirado. Não era nem de longe o meu melhor poema. Mas tão difícil quanto sentir, é expressar o que se sente. A música acaba, dobro o papel, respiro fundo e decido entrar para casa. Está ficando frio. 
   Abro a porta de vidro da varanda, o calor daqui me invade de uma vez. Sinto minhas orelhas frias por causa do vento. A sala está escura então assumo que minha mãe já deve estar dormindo. Pego o restante de vinho na cozinha e subo as escadas devagar. Quando chego ao topo dou uma olhada no quarto de Tom, está com a porta fechada. Será que ele saiu em algum momento?
   Continuo rumo ao meu quarto, mas paro na porta e franzo o cenho, tentando entender se estou vendo certo. Do lado da minha cama se encontra um aquário, o aquário do meu pai. Está cheio e decorado, consigo ouvir o barulho da bomba de água. Espera, aquilo são... peixes?! Corro até lá, me abaixando para olhar direito. O aquário está repleto de peixes, de todas as cores, nadando de um lado para outro. Não seguro as lágrimas, está igualzinho ao jeito que era na minha infância. E é a primeira vez, em nove anos, que vejo vida naquele objeto.

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