Capítulo Quarenta e Seis - Saori.

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    Consigo ver Lucas gesticular de longe e dizer: "ouviu? VIVA!" Em silêncio, dou uma risadinha e reviro os olhos. Me volto para Agatha, ela está deslumbrante em sua jardineira jeans por cima de uma blusa verde de manga comprida. Toda vez que a vejo sinto que meu coração vai parar de bater, ela é tão bonita que parece brilhar. Não digo nada ainda, deixo que ela olhe em volta, parecendo reconhecer o local que estamos. É a parte do parque que a levei quando nos conhecemos, nunca me esqueço daquele dia. Tinha brigado com meu pai por uma decisão que ele tomou sem me comunicar e estava com raiva demais para entrar na escola. Quando vi Agatha subindo a rua, a reconheci de imediato. Não consegui não falar com ela. 
   O lugar que estamos é importante para mim por muitos motivos, mas em especial porque foi o último lugar que estive com meu primo antes dele falecer e meu irmão se mudar definitivamente para o Japão. Passei o dia com eles conversando, fumando e reclamando. Era nosso pequeno mundo secreto que apenas nós três tínhamos a chave. O único lugar que podíamos ser nós mesmos sem pressão familiar alguma ou julgamentos.
— Nossa... você fez tudo isso? — Pergunta, se referindo a toalha branca estendida no chão onde coloquei torta de morango, sonhos, brigadeiros, frutas e alguns sanduíches feitos com pão caseiro. 
— Me foi garantido que eram suas comidas favoritas — Respondo. Ela sorri e seus olhos se fecham, refletindo o brilho do sol. — Para você. — Digo, entregando um pequeno buquê de girassóis que gastei metade da noite fazendo. 
— Sá isso...Obrigada, não precisava. — Ela pega o buquê e o cheira sorrindo mais uma vez, me fazendo sorrir também. 
   Sento em uma das almofadas que coloquei na toalha e chamo Ágatha para me acompanhar. Ela se senta ao meu lado cruzando as pernas a sua frente. 
— Isso são carambolas? — Ela pergunta desacreditada. Passo a mão no cabelo meio sem graça. — Sabia que você tinha amado! Seu rosto não mentiu. — Acusa. 
— Nunca vou admitir.
— Nem precisa. 
Corto um pedaço da torta e entrego para Agatha em um prato, depois corto outro para mim. Ela suspira e sorri. 
— Isso é o céu? — Pergunta, olhando em volta. 
— Você está aqui, então deve ser. 
    Ela limpa o canto da boca com um sorriso. Tento não ser a pessoa mais brega do mundo, mas é impossível com Agatha por perto. É como se ela fizesse meu corpo ser incapaz de não querer fazer e dizer todas as cafonices românticas já criadas. A deixo comer enquanto conversamos sobre a vida; tento afastar meu pensamento da coisa que estou tentando evitar a dias e focar apenas neste momento, mas é algo que parece estar sempre à espreita como uma cobra prestes a dar seu bote. Agatha conta de sua primeira sessão de terapia e como tudo correu bem. Conta também que sua mãe entrou na justiça por causa das agressões. Ouço tudo atentamente fazendo alguns comentários. Adoro ouvir ela falar é como uma música suave aos meus ouvidos que silencia minhas tempestades. Espero ela terminar de comer para voltar a falar.
— Quer mais alguma coisa? — Pergunto.
— Ah não, estou satisfeita. — Responde suspirando. 
— Bom, então vamos? — Me levanto estendendo a mão para ela.
— Não vamos ficar aqui? 
— Ah não, o dia só está começando. — Digo com uma piscadela.
    Ela se anima e aceita minha mão. Quando ela se levanta ficamos tão perto que posso sentir sua respiração, e junto dela, uma corrente elétrica que percorre todo o meu corpo. Ah meus deuses, essa menina vai me matar um dia.

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