Capítulo Cinco.

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    Fui despertada do meu lindo sonho pelos gritos da minha mãe. 
— Já são sete horas! você está mais do que atrasada! — Esbravejou ela.
olhei para o lado mas não vi minha prima, ela tinha saído sem mim?! Que traíra!
— Para de ficar aí pensando na morte da bezerra e levanta! — Gritou mais uma vez.
Levantei e me arrumei o mais rápido que pude, catei minhas coisas e corri até sentir meus pulmões arderem. Quase fui atropelada umas cinco vezes e consegui ser desatenta o bastante para dar de cara com um poste. 
— Que manhã maravilhosa! — pensei.
     Mesmo depois de quase morrer e sentir uma dor de cabeça enorme, continuei a correr. Abri um sorriso quando vi que já estava próxima da escola, corri até lá como uma desesperada. Então bati no portão, por sorte quem abriu foi seu Antônio. Ou pelo menos era o que eu pensava.
— Agatha? Está atrasada, não sabe? Já passa das sete e meia. — Disse ele.
— Por favor, seu Antônio, me deixe passar só dessa vez! — implorei.
— Perdão filha, mas se eu abrir essa exceção para a senhorita terei que abrir para mais dez alunos. Volte para casa e tente não se atrasar amanhã, está bem? — falou ele com um sorriso. 
Assenti com certa tristeza.Por um segundo senti raiva de seu Antônio por não me deixar passar, mas logo me senti envergonhada, ele só estava fazendo seu trabalho, a culpada era eu por ter assistido filme até tarde. E de Isadora por ser uma traidora.
    Subi a rua desanimada e pensando em como contaria que perdi aula para minha mãe, ela com certeza ficaria furiosa. Pensei nos inúmeros castigos que ela poderia aplicar e na bronca que iria ouvir. Mas uma voz vinda de sabe-se lá onde me tirou do transe.
— Ei! — Ou! — Chamou outra vez, olhei em volta mas não vi ninguém.— Aqui em cima sua tonta — Olhei para cima apertando os olhos por causa da luz do sol, meu coração disparou na hora que reconheci a menina, era a mesma garota de cabelo rosa do mercado.
— Eu te conheço? — Perguntei me fazendo de sonsa como se eu não tivesse até mesmo sonhado com a menina. 
— Nos conhecemos no mercado, lembra? 
Antes que eu pudesse afirmar que me lembrava, a menina pulou do muro e eu pude ver melhor a roupa que ela usava. Um moletom preto enorme, uma meia arrastão e um coturno igualmente grande. 
— Saori. — A menina estendeu a mão para me cumprimentar. 
— Agatha… — Saori me cumprimentou e pude notar sua mão manchada e os vários anéis gelados que ela usava. As peças me deram um leve choque térmico quando entraram em contato com meus dedos, fazendo um arrepio subir por todo o meu braço. Saori não pareceu notar, ou pelo menos não demonstrou. — Você estuda aqui? — Perguntei.
— Sim, mas não vim à aula hoje. — Ela dá de ombros e coloca as mãos no bolso do moletom.
 Me pergunto como tive a audácia de não reparar nela antes. 
    Ficamos ali nos olhando até o silêncio ficar constrangedor.
— Então é...— disse Saori cortando o silêncio estranho. — Você quer ajuda?
Franzi as sobrancelhas confusa com o que ela tinha dito. — Digo, com a aula. Eu sou muito boa em sair e entrar na escola sem ser notada. — Orgulho palpável em sua voz. 
— Você quis dizer que é ótima em cabular aula, certo? — Questionei em um tom de brincadeira. 
— Existem muitas formas de utilizar minhas habilidades, ok? — Ri da resposta e Saori riu junto,deixando o clima um pouquinho mais leve. — Assim eu posso te agradecer pelo biscoito, e ficamos quites. 
— Justo. — Eu confirmo com a cabeça.
Saori sorriu por eu ter aceitado a oferta e me levou até o muro dos fundos da escola, na parede, estava um pedaço de madeira do tamanho de uma criança de cinco anos, talvez. 
— Os antigos alunos do terceiro ano… — disse ela, removendo a tábua e colocando ao lado. — Fizeram este buraco na parte de trás da quadra.
— E para que fizeram isso? — Perguntei, e Saori me olhou como se aquela fosse a pergunta mais idiota do mundo. 
— Para cabular aula é claro, em que mundo você vive? 
— Ah me desculpe, rainha delinquente, eu nunca fiz nada desse tipo. — Falo na defensiva.
— Nunca matou aula? — perguntou ela incrédula.
— Nunca. 
— Ok, mudança de planos. — Disse ela, voltando a tábua de volta no lugar e se levantando. — Vamos para outro lugar. 
— O que? 
— Você tem que matar aula pelo menos uma vez na vida! É tipo um rito de passagem, imagina que tédio você não ter nenhuma aventura para contar aos seus filhos? 
— Acho melhor não, eu vou me encrencar. — Falei apreensiva, odiando soar como uma medrosa. 
— Vamos Agatha. — Disse Saori puxando minha mão. — Você precisa de um pouco de rebeldia na vida! Eu te dou minha palavra que nada vai acontecer. 
    Ponderei por um minuto, pensei em como ficaria de castigo se alguém descobrisse. Estava quase certa de que iria dizer não, mas assim que olhei para o rosto de Saori meu coração derreteu e era impossível dizer não para aqueles olhos. 
— Eu já não ia entrar na escola mesmo, que diferença faz não é? 
Saori pulou comemorando, o que me amoleceu ainda mais. 
— Você vai adorar! — Disse ela.
    Caminhamos até o parque da cidade, Saori parou na frente de uma mata afastada. 
Ela fez um sinal com a mão dizendo para eu entrar.
— Não tenha medo, juro que não sou uma Serial Killer. — Disse ela, fingindo fazer um juramento de escoteiro.
— Isso é claramente o que um serial killer diria. — Eu zombei, fazendo ela revirar os olhos, impaciente.
  Caminhei atrás de Saori ainda com certo receio e olhando para todos os lados. Mas todo o pavor que sentia passou ao olhar para o lugar em que estávamos. 
— Chegamos! — Falou estendendo o braço para a frente. 
— Caralho.. — sussurrei um pouco maravilhada. 
O lugar era coberto de grama verde, com árvores e flores. Mais a frente pude ver um pequeno córrego com águas que corriam calmamente. Tudo ali me trazia uma sensação de nostalgia. Lembrei-me dos piqueniques e caminhadas que fazia naquele mesmo parque com meu pai. As memórias pareciam tão distantes, mas ao mesmo tempo tão vividas…
— Como achou esse lugar? — Perguntei para me livrar daquele pensamento. 
— É lindo né? Um primo meu vinha aqui fumar maconha. 
Dei risada disso. 
  Saori tirou os coturnos e se sentou colocando os pés descalços na água. 
— Vem — ela diz, fazendo um gesto com a mão. — É muito relaxante. 
Tiro os tênis que usava e me sento ao seu lado, a água estava inicialmente fria mas logo me acostumei com a temperatura e vários peixinhos começaram a passar entre nossos pés, fazendo cócegas. Ficamos em silêncio, apenas admirando os peixes e ouvindo o barulho da água correndo.
— Então...— perguntei para quebrar o gelo — Você mora em Brasília há muito tempo? 
— Meio que sim, a dois anos eu me mudei para São Paulo, passei pouco mais de um ano lá; e voltei para cá no final do ano passado. 
Isso explica eu não tê-la visto na escola.
— E você gostava de São Paulo? 
— Adorava mais que tudo! A cidade é enorme! E tinhas tantas coisas diferentes para ver… Sinto saudades da correria de lá. Enfim, e você? Sempre morou aqui?
— Eu nasci e cresci aqui, nunca me mudei e viajei poucas vezes para fora. 
— Você deveria sair mais, ficaria impressionada com a quantidade de gente diferente que se encontra. E as amizades novas! Ah…essa é a melhor parte! — disse Saori empolgada e com o olhar distante como se estivesse relembrando momentos.
— Não sou muito boa em fazer amigos... — falei um pouco constrangida — As  pessoas são.. complicadas demais… Prefiro ficar na minha com alguns livros e música.
— A arte é sempre uma ótima companhia. — Disse Saori sorrindo — Eu adoro pintar, por exemplo. Adoro meus amigos e de estar com eles, mas às vezes as tintas e pincéis fazem mais sentido para mim também.

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