Capítulo Trinta e Sete - Thomas.

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    Meu olho estava vendado desde que saí de casa, nem mesmo durante o caminho para sei lá onde, Agatha me deixou tirar a venda. Passei todo o trajeto rezando para minha prima não me deixar tropeçar em nada. 
— Agatha eu juro pela alma da minha mãe que se eu for atropelado, eu puxo você junto! — Gritei, quando pelo barulho, percebi que passávamos por uma faixa de pedestre. 
— Eu estou literalmente grudada em você, não precisa se dar o trabalho de me puxar em caso de acidente. — Rebate e eu bufo em frustração. — Já disse que vai gostar, agora cala a boca e anda. 
   Resolvi ceder e apenas andar sem questionar. Depois de cerca de 10 minutos andando, paramos em algum lugar e subimos por uma escada. Consigo ouvir o teclado do celular da minha prima, deve estar avisando a alguém que chegamos. Esperta, ela sabe que eu reconheceria se chamasse pela pessoa. Ouço uma porta abrir e continuamos andando. O local novo é frio, e sinto um cheiro doce no ar. Subitamente a venda é tirada, me fazendo fechar os olhos em reflexo a claridade. 
— Surpresa! — Gritaram várias vozes. 
Pulo e grito com o susto. — Ai meu jesus negão!
 Olho para todos os cantos, está tudo decorado com balões e uma faixa enorme que diz "Feliz aniversário Thomas!". Sorrio, ainda sem pensar em nada para dizer. 
— Gente, nossa... — consigo formular. 
— Espera, não é tudo! — Miguel diz animado. 
— Sei que você vem falando nisso a muito tempo, em como gostaria de mudar sua aparência e tal. Então eu pensei em te dar um dia para fazer isso de presente... — Agatha fala timidamente. Meu olho brilha sem acreditar. 
— Você está falando sério? — Pergunto, para ter certeza que não é nenhuma brincadeira. 
— Seríssimo! Vai poder mudar cabelo, roupas, tudo! 
— Eu... puta que pariu! — Nunca me senti tão animado na vida. Uma pequena onda de preocupação corta um pouco minha empolgação. — Mas e a Amélia? Ela não vai tipo, surtar? 
— Não pense nisso, eu já cuidei de tudo. — Ela sorri com confiança me transferindo um pouco também. 
— Então o que a gente está esperando? — Questiono ansioso. 
   Todos batem palmas animadas e Lucas solta um assobio alto. Mal tenho tempo para pensar quando Brisa me puxa pela mão e me leva até uma penteadeira iluminada. Lá vejo escovas, um tipo de pomada e predadores de cabelo. Ela sinaliza para que eu me sente, põe um lençol em volta de mim e vira minha cadeira de costas para o espelho. 
— Eu não vou poder vê?! — Pergunto, tentando me virar para encarar meu reflexo de novo, um pouco em pânico.
— Se você vê estraga a surpresa, oras. — Justifica. 
Franzo o cenho mas aceito. A menina é tão bonita que é meio difícil dizer não para ela. 
   Em uma das caixinhas de som começa a tocar ‘’Bump Bump’’ do B2K. Sorrio escutando, Agatha deve ter feito a playlist. Gargalho quando ela mexe os ombros no ritmo do refrão, é um movimento que sempre fazemos quando ouvimos essa música. Brisa começa a mexer no meu cabelo, sinto uma pomada sendo passada. Resolvo respeitar o combinado de não bisbilhotar. Ficamos conversando durante todo o processo que dura algumas horas. Lucas e Evandro puxam muito papo comigo, e até trocamos números de celular. Falamos sobre jogos que gostamos e rappers que somos fãs. Evandro e eu compartilhamos da mesma indignação por Lucas não conhecer o Pac. 
— O cara é uma lenda! Que tipo de caverna você mora? — Exclamo.
— Ele é branco, não pega tão pesado. — Evandro diz no meu ouvido, mas em uma altura alta propositalmente para Lucas ouvir. Solto uma risada quando vejo o semblante de Lucas. 
— Vão se ferrar vocês dois! — Ele finge estar bravo, nos fazendo rir mais ainda. 

                            ☆☆☆

   Depois de um bom tempo, Bri finalmente me liberou para levantar. O restante do grupo estava espalhado pela casa ou assaltando a mesa de doces que Saori fez, e eu mal sentia minha bunda depois de tanto tempo naquela cadeira. 
— Puta que pariu! Finalmente, eu já estava criando raízes! 
Brisa dá risada com o comentário.
— Com vocês, minha obra prima! — Ela anuncia, fazendo todos virem para perto. Espero para ver os olhares antes de eu mesmo conferir o resultado. 
— Caralho, isso tá incrível! — Evandro leva a mão à boca. 
— Tom, você tá lindo! — Saori elogia. 
    Agatha está petrificada sorrindo para mim. Resolvo me virar para o espelho para conferir, congelo instantaneamente também. Passo a mão devagar pelas tranças Nagô que uso, viro de lado sem tirar os olhos do espelho. Sinto meu olho encher de lágrimas, nunca pensei que eu poderia me sentir tão bonito assim. Não consigo por em palavras o tanto que amo meu eu refletido ali. Não era só um cabelo diferente, era muito mais que isso era…tudo.
— Obrigado! Obrigado pra caralho! — Digo, num único reflexo de abraçar Brisa. Ela me aperta de volta em resposta. 
— Não foi nada. — Diz docemente. 
   Antes que eu possa me admirar mais, ou ajoelhar para agradecer Brisa de tão feliz que estava, Evandro me pega no colo e me joga nos ombros como se eu fosse um saco de arroz. 
— Que isso! — Grito confuso, me vendo ser engolido pelos cabelos brancos volumosos.  
— Minha vez! — Ele comemora, me levando para um provador em uma das extremidades. Lucas e Miguel veêm atrás, rindo da situação atual em que me encontro: pendurado feito um bebê em Evandro. Saori, Agatha e Bri fazem menção de nos seguir, mas Lucas e Miguel as impedem.
— Apenas meninos — censura Lucas,  estendendo a palma da mão para frente como um segurança de festa. 
— Ah, pronto! — Saori cruza os braços em protesto.
— As damas devem esperar aqui fora. —  Miguel dá a ordem. Agatha estala a língua e  Brisa revira os olhos. Elas se sentam em 3 cadeiras do lado de fora. Pelo visto terei que fazer um desfile. 
    Evandro me bombardeia com roupas, tênis e acessórios. Durante todo o processo Whisky a Go-Go toca nas caixinhas de som. Visto cada uma das combinações e saio para exibi-las caminhando. As meninas batem palmas e gritam meu nome. Lucas e Evan me erguem no ar comemorando e jogo os braços pra cima comemorando, nunca me senti tão animado na vida.
   Na última peça, Evandro me entrega mais devagar. Com mais carinho, seria a palavra.
— Thomas,  eu sei que o que estamos fazendo aqui é só a ponta da sua jornada e bem, de tudo. Mas o que eu vou te dar agora, acho que é a coisa mais especial que posso te presentear, falando como alguém que faz roupas, no caso. — Ele faz uma pausa para rir, e nesse momento já sinto vontade de chorar. — Sei que não é isso que te faz ou não um menino, porque, independente de corpo ou como você se parece, nós sempre vamos te ver como você realmente é e sempre foi. Enfim, já falei demais, espero que goste. — Evan me entrega um macio tecido, cuidadosamente dobrado.
— Não me diga que é… — Tento falar quando estico a peça para examinar direito. — Evandro, é um binder! Evandro…. ah meu deus, você me fez binders de presente? — Digo, completamente absorto no tecido em minhas mãos, é exatamente da cor da minha pele.
— Agatha me passou suas medidas, não sabe como foi difícil testar cores de tintas que combinasse com sua pele sem que você visse. — Ele diz tímido, mas mal consigo responder de tão desacreditado que estou. A única ação que consigo fazer é pular nos braços de Evandro, o abraçando com toda a minha força. Quando finalmente o solto, ele está com um sorriso no rosto, como se estivesse orgulhoso. Não de si ou da criação, mas de mim. — Vai experimentar seu presente, pretinho. 
Fungo em resposta, meu sorriso era tão grande que doía as bochechas. Dou um último abraço em Evandro e me dirijo para a cabine novamente.
    Visto a última combinação, calças largas bege, blusa branca grande, jaqueta de futebol americano e um tênis branco. Demoro um pouco mais para sair, observo cada detalhe meu. Fazendo questão de erguer a camisa para ver o efeito do binder. Reto. Pela primeira vez em toda a minha vida, me reconheço no meu próprio reflexo. Sinto que tudo ali me pertence. Sou eu de verdade. Deixo as lágrimas que estava segurando rolarem. Sempre amei o espaço sideral pela sua imensidão, mas também o amava pelo fato de não ter regras. Tais regras que me impediam de externalizar quem eu sou. Pensava que, se um dia eu fosse para outro planeta, toda a carga, fruto de anos de intolerância, não me afetariam mais. Mas agora, olhando para meu reflexo, entendi que não preciso me afastar de tudo para ser eu mesmo. E as pessoas certas, podem tornar até o mundo mais terrível, um lugar incrível. 
— Thomas! — Sorrio, ouvindo o meu nome, sendo chamado. 
— Meu nome é Thomas Vasconcelos, e eu sou um menino gato pra caralho! — Digo para o reflexo e corro de volta para meus amigos que vibram quando saio do provador. — Esse é o melhor dia da minha vida! — Grito, explodindo de felicidade.      
   Nos embaraçamos em um abraço desajeitado em grupo, pulando e girando entrelaçados. ‘’1406’’ do Mamonas Assassinas toca e nos juntamos para pular freneticamente e cantar juntos. Gritamos ainda mais quando Agatha puxa Saori para um puta beijão na frente de todo mundo! Sá retribui, a pegando no colo. Outros hinos do Mamonas continuam tocando em seguida. Passamos mal de rir com Miguel imitando "Manoel" e Lucas e Evan assumem o papel de "Maria" em Vira-Vira.       
    O resto da festa é uma mistura de dança e desfiles com roupas exageradas de plumas e lantejoulas que também compõem as caixas de roupas. Posso dizer com certeza que nunca me senti tão amado. Hoje, sou o menino mais feliz de Brasília. 

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