Capítulo Sessenta.

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Uma noite incrivel com meus amigos não foi o suficiente para me deixar menos triste quando o maldito momento chega. Eu não queria comer ou levantar da cama; em partes porque não tinha dormido quase nada ontem na casa de Brisa(Obrigada Lucas e Miguel por serem tão irritantes). E pela razão óbvia: era o último dia com minha namorada. Tentei seguir o conselho de Miguel e não pensar muito nisso, seguir minhas tantas reflexões e abraçar aquele caos. Mas era impossível, Saori iria embora e não tinha nada que eu pudesse fazer.
- Filha? - Minha mãe diz, batendo de leve na porta. - Já são quase meio dia, você precisa comer alguma coisa.
Resmungo em resposta.
Mamãe vem tentando me tirar(inutilmente) desse quarto desde às 10 da manhã, mas me mantenho relutante. Parece idiota, mas sinto que se começar a viver esse dia ele irá acabar mais rápido. Então, talvez, se eu ficar apenas quieta fingindo não existir, o tempo passe devagar. Ou sei lá, na minha cabeça faz sentido.
- Agatha. Abre isso. Agora. - Thomas fala, usando seu tom mais firme. Faço menção de resmungar novamente, mas ele me interrompe antes que eu possa começar. - Tenho uma chave de fenda comigo, e não tenho medo de desparafusar essa fechadura!
Reviro os olhos e ainda enrolada na coberta, me arrasto até a porta para abri -la.
- Boa menina. - Ele sorri, com aquela cara de cínico e seus braços cruzados.
- Cadê a chave de fenda? - Pergunto.
- Eu não tenho uma. - Responde com um irritante e doce sorriso.
Sinto vontade de fechar a porta na cara de Thomas, mas já é tarde demais, ele está arregaçando minhas cortinas e deixando todo o sol infernal de Brasília entrar. Xingo e me jogo na cama de novo, cobrindo o rosto com o edredom, como se fosse um vampiro alérgico a energia solar.
- Você tem que levantar! Saori virá te buscar mais tarde, quer mesmo que ela te veja assim? - Fala, puxando minha coberta e tirando-a do meu alcance.
- Que diferença vai fazer? Ela vai embora de qualquer jeito. - Me ajeito na cama, tentando fazer meus olhos se acostumaram com a claridade. Quem colocou o brilho de tela do mundo tão alto hoje?
- E seu plano é desperdiçar seu dia neste quarto? É desse jeito que quer se lembrar? - Tento argumentar mas Thomas me corta. - Últimas memórias são importantes, são elas que vão ditar se nos arrependemos ou não.
- Você não entende...
- Não entendo?! - Diz incrédulo. - Agatha você está indo embora também! Todos vocês estão! Ou se esqueceu disso? Eu sou o único que vai ficar sozinho nessa cidade, acha que não me sinto tão terrível quanto você? - Ele cospe as frases, como se estivesse guardando isso a um bom tempo.
Minha expressão muda, fiquei tão focada na minha dor que não me toquei que Thomas é o que ficará mais sozinho nessa situação. Ele ainda tem três anos de ensino médio, sem nenhum de nós aqui para ele.
- Tom... me desculpa, não parei pra pensar nisso.
Ele faz um gesto com a mão, como quem diz "esquece".
- Não era meu plano me apegar tanto a vocês, mas vai ser difícil. Vocês foram as primeiras pessoas a me apoiarem, tenho um pouco de medo de como vão ser as coisas... medo de não saber como vou fazer novos amigos e se eles me aceitarão na nova escola. - Thomas tem uma expressão infantil em seu rosto, expressão essa que quase nunca vejo. Meu primo amadureceu mais rápido que muitas pessoas da idade dele, mas até ele mesmo parece esquecer que, no final de tudo, ele ainda é somente uma criança.
- Ei.. - Digo o puxando para mais perto e o envolvendo em um abraço. - Estaremos sempre juntos, lembra? - Eu apoio seu rosto com as mãos para que ele me olhe nos olhos. - Pessoas incríveis vão entrar na sua vida, não tenha dúvidas. E se algum babaca mexer com você, bom, você ainda tem uma prima que sabe bem como dar um murro em alguém.
Ele sorri, e me aperta mais. Nunca disse algo tão verdadeiro na vida, faria qualquer coisa para proteger Thomas, não me importava quantos juízes ou policiais eu tivesse que desafiar. Ou quantos filhos da puta eu tivesse que bater. Eu não deixaria que ele passasse por nada novamente.
Pensar nisso me lembra uma conversa antiga que tivemos, sou invadida por uma sensação de nostalgia e déjá vu.
- Eu te amo, e distância nenhuma vai mudar isso. - Falo.
- Eu também te amo. - Ele responde. - Agora vai comer alguma coisa, ou não vai estar viva para entrar na faculdade.
Dou risada e deixo que ele me guie até a cozinha, onde minha mãe já espera com a mesa pronta e um sorriso orgulhoso.

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