Agatha sempre foi uma menina introvertida, vivendo em seu pequeno mundo coberto de livros, quadros e músicas que foram lançadas antes mesmo de ela sonhar em nascer. Mas quando uma garota punk de cabelo cruza seu caminho e a faz experimentar a rebel...
— Oi! — Comprimentou Saori com um abraço ao abrir a porta. A abracei mais forte. — Pode entrar. Já era um costume tirar o tênis na entrada então nem esperei pela instrução. — É a Agatha com você? — Perguntou o pai de Saori, da cozinha. — Soudesu! — Respondeu Saori de volta. Apesar de não falar japonês é fácil chutar que isso é um "sim". Depois de um tempo vindo aqui, consegui aprender algumas palavras e frases apenas escutando Saori e seu pai conversando. — Ah que bom que está aqui! Acabei de fazer Mitarashi! — Disse Yoshiaki chegando na sala com uma bandeja cheia da tal comida. — Aceita? — Eu...Nunca ouvi falar. — Me sentia sem graça dizendo aquilo. Saori e o senhor Nobayashi me olharam como se aquilo fosse um crime. — Agora você não vai sair dessa sala até provar! — Decretou Saori com o apoio de seu pai. Dei risada e peguei o que eu acreditava que era um doce. Era servido em um palitinho que continham várias bolinhas laranjas cobertas com uma calda parecida com mel. — Bom, aceito um então. Yoshiaki estendeu a bandeja para que eu pegasse o meu. Dei a primeira mordida e tentei não esboçar nenhuma reação para fazer suspense. De fato era doce. Senti o gosto de milho e açúcar invadir, e o que julguei ser mel, na verdade era xarope. Era diferente de muita coisa que já comi, mas era uma delícia, tive que me segurar muito para conter as reações. — Humm— fingi pensar — É... — eles estavam na expectativa. — Na verdade eu não gostei. Seus rostos murcharam. — Eu amei! — Revelei rindo. Vi o alívio cobrir a expressão dos dois e ambos soltaram risadas. — O senhor é um ótimo cozinheiro. — Obrigada Agatha, que bom que gostou. — Ele sorriu gentilmente. Saori foi na cozinha e voltou com um prato, pegou um Mitarashi para ela e colocou no prato. — Vamos lá pro quarto — sugeriu Saori. Fiz que sim e repeti sua ação anterior, também apoiando o meu lá. — Se precisarem de algo me chamem, já aprendi minha lição sobre abrir a porta sem ser chamado — brincou ele. Senti meu rosto esquentar de vergonha lembrando do ocorrido.
— Meus deuses — rogou ela aos céus e me arrastou escada acima e só parou quando entramos em seu quarto. — Desculpe por isso — Disse depois de fechar a porta. Não consegui segurar a risada. — Você está rindo, Agatha Vasconcellos? — Saori fingiu se indignar. — Eu estou? — Desafiei. Saori colocou o prato em cima de um criado mudo e pulou pra cima de mim me jogando em sua cama. Em um flash notei um cuidado dela ao cobrir uma das quinas com a mão. — Agora está?! — Perguntou, enquanto me fazia cosquinha. — Tá bom, tá bom! — Tentei dizer em meio a gargalhadas descontroladas. — Não tô rindo! — Saori também ria junto comigo. Finalmente ela parou com as cócegas, caímos pro lado exaustas. Minha barriga doía de tanto rir. Observei o quarto novamente, em uma das extremidades estava um violão preto coberto de adesivos. — Você toca violão? — Questionei, com curiosidade. — Estou meio enferrujada, mas digamos que sim. — Ela respondeu, se sentando na cama. Me levantei e fui até o suporte onde estava o instrumento e o trouxe até a cama ajeitando-o em minhas pernas. — Você toca? — Um pouco... aprendi com meu pai. Toquei alguns acordes para testar, estava um pouco desafinado. Girei as tarrachas e fui conferindo o som, até achar que estava favorável. Sá se aconchega nas minhas costas e ouve pacientemente. Penso em algumas músicas, até que achei uma. Fá Ré menor Dó com baixo em sol — Stalin' kisses from your misses, does it make you freak out? — Canto como se perguntasse pra Saori. Ela sorri desacreditada da música que escolhi. — Girls like girls? — Ela pergunta, ainda sorrindo. Confirmo sem falar. Canto mais alguns versos, felizmente é uma música simples então não erro nenhuma vez. Quando o refrão chega, Saori canta junto comigo. Girls like girls like boys too... nothing new. Sorrio pra ela e encosto a testa na sua. Saori me dá um beijo delicado na ponta do nariz me fazendo sorrir boba. Coloco o violão de lado e deitamos na cama. Noto uma bandeira LGBTQIA + pendurada em sua parede, parece ser nova, não tinha a visto antes. — Vamos tirar uma foto? — Ela sugere, me vendo para bandeira. — Percebi que não temos nenhuma juntas. Considero a ideia e aceito. Saori pula da cama e vai até a estante de livros e traz de lá consigo uma câmera polaroid azul. — Achei que tirariamos no celular — Digo. — Quero pendura-la — ela senta de volta na cama. Nos posicionamos na frente da bandeira e Sá ergue a câmera. Testamos algumas poses e vamos apenas tirando as fotos sem saber como ficou, a Polaroid demora um pouco para mostrar a foto. Depois de cerca de 3 fotos nos sentamos para conferi-las. A primeira estamos apenas sorrindo, rimos com a segunda, Saori e eu fazendo caretas para a câmera. A terceira é uma continuação da segundos, nos duas meio borradas devido aos risos causados pela última foto. — Qual vai pendurar? — Pergunto. — A segunda! — Ela responde com entusiasmo. — Não! Eu tô horrível! — Protesto. — Isso é impossível — diz, enquanto pendura junto as outras fotos.
Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.
Encaramos em silêncio um pouquinho até que resolvo falar. — Eu sou lésbica. — Jogo no ar e noto que é a primeira vez que digo em voz alta. Sá se vira para mim e me fita. — Eu sou pansexual. — Responde, com um sorriso doce. — É a primeira vez que digo isso pra alguém — confesso. — Descobri faz um tempo. — Fico lisonjeada de ser a primeira. A puxei para deitar novamente comigo. — Como descobriu que era pan? — Pergunto curiosa. — Hum, é uma pergunta meio difícil. Acho que sempre soube. — Me identifico com o que ela diz, há sempre uma parte sua que sabe mas a maioria de nós prefere ignorar, a parte mais difícil de ser uma pessoas queer é entender a si próprio. São tantos estigmas e padrões que são enfiados goela abaixo, que é complicado identificar o que é seu e o que a sociedade fez crescer em você. Eu concordava com Clarice Lispector, o maior obstáculo para eu ir adiante sou eu mesma. Saori acaricia meu braço, me causando pequenos arrepios e me arrastando de volta para nossa conversa. — Mas não teve nenhum momento em que uma chavinha, sei lá, girou na sua cabeça? Ela pensa um pouco antes de responder. — Além de assistir o clipe de "girls like girls" dez vezes seguidas escondida? — Pergunta, me fazendo rir. — Acho que isso já é uma lei, então não conta. — Bom acho que tenho um sim — Sá sorri, parecendo visualizar o momento em sua cabeça. — Uma vez, no fundamental um, eu acho. Fiz um escarcéu para dançar quadrilha com uma garota na festa junina, passei basicamente todos os ensaios vidrada nela. Apenas a observo perplexa demais para a interromper. Saori se vira pra mim e nota meu rosto petrificado. — Que foi? — Pergunta. Tento formular alguma coisa mas nada sai. — Que foi, porra! — Questiona novamente. — A garota, ela... elogiou suas botas? — Pergunto cautelosa. — Como sabe disso? — Ela franze as sobrancelhas Abro a boca pra falar, mas fecho logo depois. — Acho que... acho que eu sou a menina que dançou com você. — Consigo falar de uma vez. Saori parece a pessoa mais confusa do mundo agora. E eu ainda estou digerindo o fato de que, Saori é a Manuela.