Brasília, 10 de outubro, 5 anos depois.
O outono tinha chegado com força, os ventos fortes dificultavam minha caminhada até o teatro usando roupas coladas e curtas.
— Calma! Eu tô quase aí! — Digo para um Miguel impaciente do outro lado do telefone.
— Você não deveria dizer isso pra mim, deveria estar dizendo e usando uma voz bem mais aveludada, para Támara. — Ele fala em sussurros. — Só chega logo antes que ela ponha esse lugar abaixo. — E então desliga.
Guardo o celular novamente na bolsa que repousa na lateral do meu corpo enquanto apresso os passos. Sorrio quando noto os vários olhares das pessoas que passam por mim. A sensação de saber que elas estão olhando porque estou magnífica faz meu coração esquentar. Continuo caminhando, olhando em volta, admirando a cidade com nostalgia. Tudo parece no lugar: o viaduto, o centro de comércio lotado, a mesma vista para a biblioteca e o Museu. Mas é impossível negar como tudo mudou tanto desde a última vez que estive aqui de fato, andando pelos mesmos caminhos como antigamente, e não como aos finais de semana rápidos em que visitei minha família e fiquei por apenas alguns dias antes de voltar para o Rio. Relembro tudo, até das broncas da minha mãe por trocar de área tantas vezes. Desisto de segurar o riso e o deixo sair, sem me importar com quem está em volta, apenas perdida nas minhas memórias. Abandonei o curso de letras depois de meses, fiz artes plásticas durante dois semestres. Não tinha uma só aula que não me lembrasse dela, passava todos os dias de estudo pensando no que ela achara daqueles artistas, em qual técnica usaria em determinada pintura. Ela gostava de tinta a óleo? Eram perguntas que rodopiavam minha cabeça, como uma lembrança pesada, mas feliz. Decidi que não queria artes. E de um jeito inesperado consegui uma bolsa em uma faculdade renomada de teatro. Por mais estranho que pareça, algo em viver várias vidas, interpretar pessoas completamente diferentes de mim em todos os sentidos me atraía, como uma lógica que fazia sentido no meu coração. Eu amava tudo, e ser apenas uma pessoa não condizia com esse amor. Solto um suspiro quando paro em frente a escadaria em formato de caracol do teatro.Por Tamára Vance:
A QUEDA DAS ESTRELAS!
aquilo que brilha,
Há de sempre brilhar...
Em cartaz a partir de 10/10/25.Em cartaz a partir de 10/10/25.
Sorrio ao olhar o pôster que brilha em neon, as palavras em cima de uma foto minha caracterizada de Hélios. O cabelo azul e os olhos fluorescentes chamam atenção, e em conjuntos com a expressão profunda dá um toque de etéreo à foto. Tamára foi uma gênia a sugerir que eu posasse assim.
Quando chego à sala de preparações Miguel e a minha diretora pulam em cima de mim como tubarões famintos.
— Até que em fim! — Tam exclama. — Venha logo fazer essa maquiagem, faltam apenas vinte minutos, as cadeiras estão lotadas! — Ela me puxa para o camarim antes mesmo que tenha chance de cumprimentar meu amigo. Felizmente Miguel apenas ri e segue atrás de mim, se sentando na cadeira ao meu lado.
— Chegou o grande dia! — Ele diz animado, assim que Tamára começa a me maquiar. Sempre achei curioso como esse é o único detalhe de suas produções que ela faz questão de fazer com suas próprias mãos. — Como se sente? É a sua estreia!
Eu coro ouvindo isso, tentando conter minha empolgação para não atrapalhar Tam.
— Sinto que vou explodir a qualquer momento, sinceramente. — Solto um riso nervoso que faz Miguel ri novamente, os dentes brancos ressaltando seu cavanhaque.
— Quer que eu te ajude com alguma coisa? — Ela pega minha mão. — Um cigarro? Um pouco de música?
— Sabe que não gosto de fumar antes das peças. — Eu digo de olhos fechados, sentindo a sombra ser passada no meu olho. — Mas um pouco de música seria bom.
Ele sorri e se levanta, indo até a vitrola que repousa nos fundos da sala. Ele coloca um dos discos que deixei aqui desde que comecei a ensaiar, ‘’Paul Anka, Sings His Big 15.’’ Um presente especial que recebi antes de deixar Brasília. Meu rosto relaxa assim que escuto a primeira música, cantarolando a melodia, resistindo ao impulso de me balançar no ritmo.
— E os outros? —Pergunto para Miguel.
— Bri e Evan já estão sentados, Lucas avisou que está a caminho, Tom e sua mãe também já estão nas cadeiras.
Eu respiro fundo e aceno com a cabeça, sem esperar que diga mais nada.
☆☆☆Miguel me abraça antes de eu entrar no palco, como sempre faz. Ele nunca vê as peças das poltronas como todo mundo, diz que "quer ter a experiência de namorada de Rockstar". Sempre dou risada com isso.
Ele me ajuda a colocar o colar com pingente de sol que ganhei de Lucas a anos atrás e se afasta. Tinha decidido há anos que aquele era meu amuleto da sorte. O garoto que faz par comigo diz sua última fala, o sinal que eu preciso para irromper correndo pelo palco, pegando em pulso para "voar" pelo teatro, segurada pelas cordas de seguranças cuidadosamente pintadas para se camuflarem na paisagem. A plateia irrompe em gritos e assobios, naquele momento eu me torno Hélios, uma estrela cadente que caiu na terra por engano.
— O céus que trazem tamanha beleza... seriam eles sádicos que fazem apenas pela diversão em ver eu me afundar quando sua pessoa se esvair? — Matheus(ou melhor, Évadis) diz com dor e drama na voz, durante o último ato, a cena que volto ao céu para junto das outras estrelas.
— Farei companhia e vigiarei como águia seus filhos, e os filhos dos seus filhos. Não fique triste Évadis, eu ainda estarei aqui quando voltar a este mundo em outra vida, sempre estarei. Porque pra sempre será você... — Eu digo, e a luz se apaga rápido o suficiente para que eu suma do palco sem que a plateia perceba, um passe de mágica. Meu melhor amigo me abraça quando volto para trás das cortinas. Observo os pares de olhos e rostos na plateia, um por um. Passo por Brisa e Lucas que seguram as mãos um do outro com força. Evandro e Tom cochicham entre si, e por fim minha mãe, que derruba lágrimas e mais lágrimas de orgulho. Um grupo curioso assiste a peça, cerca de quatro garotos e uma única menina, todos negros, exceto por um, que me lembrava um ancião por algum motivo. Estão tão vidrados que me impressiona. Outros rostos familiares também estão ali, como Vitória e Wandder. Eles interagiam com o grupo excêntrico, amigos, suponho. Saber que cada pessoa ali veio conhecer a história da minha personagem, é o que me faz ter certeza que escolhi certo.
Mas, meu coração para quando meu olhar repousa em alguém em específico, uma mulher, seria impossível não a reconhecer, mesmo depois de tantos anos e em meio a tantos rostos... Saori está ali. Por alguns segundos o mundo desaparece, somos as únicas pessoas no universo. Ela sorri, tão bela quanto me lembro. O cabelo ainda curto, mas preto agora. Todos estão hipnotizados pela peça que está próxima do fim, mas ela não tira os olhos de mim, mesmo ali escondida, seu olhar me achou, e parece não fazer questão nenhuma de desviar. Eu sinto as pernas bambearem quando ela se vira e sai, uma última fitada em mim, sugerindo que eu a siga.
— De nada. — Miguel sussurra quando passo por ele, ele sabia disso? Não me questiono muito, apenas corro para o saguão em êxtase, e desnorteada.
Quando finalmente chego no fim das escadas que dão para o térreo, Saori está parada ali, mãos no bolso de seu terno preto, a expressão doce.Tenho que respirar para não cair.
— Bonito vestido. — Ela diz com um sorriso e se aproxima.
— Belas botas. — Respondo. — Não são de montaria dessa vez.
Ela ri e agora tenho 17 anos de novo, ou 10, o tempo é relativo quando estou com ela. "Em tempo algum teve um tranquilo curso o verdadeiro amor.“
A fala de Lysander rodou em minha cabeça enquanto eu a olhava.
Eu já tinha visto estrelas ao meio dia nos olhos de Saori, mas ali naquele momento, eu vi todo o universo.
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Estrelas ao meio dia.
RandomAgatha sempre foi uma menina introvertida, vivendo em seu pequeno mundo coberto de livros, quadros e músicas que foram lançadas antes mesmo de ela sonhar em nascer. Mas quando uma garota punk de cabelo cruza seu caminho e a faz experimentar a rebel...