Capítulo Cinquenta e Sete.

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       A contagem regressiva para me separar de Saori por tempo indeterminado tinha começado mais rápido do que eu gostaria. Ninguém fala da pressão em planejar como vai passar seus últimos momentos com alguém que você ama, você quer a todo custo fazer todas as coisas legais existentes e ir a todos os lugares com aquela pessoa, mas é difícil decidir porque, nunca pensei que passaria por isso. Ninguém entra em um relacionamento pensando em terminar, ou pelo menos não deveriam.      
   Minha sessão de terapia, que tive mais cedo, ainda rodopia na minha cabeça; como um grande tapa na cara da minha terapeuta. Contei a ela da situação e depois de quase uma hora de reflexão, chegamos à conclusão que minha obsessão em ter a semana perfeita com Saori é uma grande tentativa de criar memórias marcantes o bastante para Saori se lembrar, tenho medo que ela me esqueça. Nunca diria a Saori sobre meu medo, quero sim que ela faça novas memórias, que viva cada experiência e aprenda tudo que quiser. Porque eu a amo, e quero que ela seja a pessoa mais feliz do mundo. Que sinta todos os dias o que eu senti ao seu lado este ano. Mas uma parte de mim(talvez maior do que eu admita), também deseja que ela não conheça ninguém, que não se interesse por outra garota, por outra pessoa. Mas de forma alguma eu confessaria isso para ela, será algo que apenas meu íntimo saberá e sofrerá pensando. A mesma reflexão de vez em quando me atinge: será que eu vou conhecer outra pessoa? Não é algo que eu quero mas e se...
— Terra para Agatha! — Chama Miguel, me tirando da grande onda de pensamentos que me consumiam. — Não acho que seu sushi vai sobreviver muito tempo se continuar em outro planeta desse jeito. 
Pisco algumas vezes e balanço a cabeça para me estabilizar de volta no presente.
— Hum, é, me desculpe. — Digo esfregando a tempora.. — Só estava sabe... pensando. 
— Você pensa na mesma velocidade que a terra gira. — Ele brinca e eu dou um riso amarelo em resposta. — Não vou nem perguntar o que é, já que é bem óbvio. 
Concordo com a cabeça e coloco uma das peças de sushi encharcadas de shoyu à minha frente na boca. 
— Você precisa se distrair um pouco, se afundar na sua cabeça não vai mudar nada e ainda vai te enlouquecer mais. — Aconselha

— Você tá querendo me distrair comprando sushi!? Porra Miguel, Sushi?! — Exclmamo frustrada. Meu amigo ri e limpa o molho do canto de sua boca.
— Eu juro que não foi de propósito! Só estava com vontade de comer. — Ele se defende. 
Largo meus hashis na bandeja e me jogo para atrás, batendo com tudo na parede.
— Caralho! — Xingo, massageando a parte de trás da minha cabeça. — Tinha esquecido dessa porcaria de parede! 
— Ei — Ele me segura pelo braço. — Estou preocupado agora, você pode acabar se machucando, matutando tanto isso. 
— E o que você quer que eu faça? O amor da minha vida vai embora pra sempre! — Argumento com vontade de chorar. E como tudo em minha vida, achei mesmo que estaria mais preparada para isso, mas nunca sabemos como vamos reagir a algo até de fato viver aquilo.
— Ok, o que eu falei foi bem idiota, desculpe. 
— Não, tudo bem. Só estou... triste. Não pensei que a última semana seria tão angustiante.
— Que tal pensarmos que não é sua última semana? Apenas passe os dias fazendo coisas que sempre quis e tente não pensar tanto nisso. 
— Você está certo, vou fazer isso. 
Miguel me dá um sorriso tranquilizador.
— Lembre que eu ainda vou estar aqui, você não vai estar sozinha. — Sorrio com as palavras, Miguel estar indo para a possível mesma faculdade que eu é o que vem me deixando mais calma. — Agora come logo esse salmão! — Ele enfia um pedaço na minha boca, quase me fazendo engasgar. Consigo rir depois que recupero o ar. 

                             ☆☆☆ 

    Às dezenove paro em frente à porta de Saori para buscá-la. Ajeito meu cabelo e dou uma última olhada em minha roupa, a noite hoje está quente então uso shorts branco, tênis e uma blusa de amarração vermelha. Mexo em minhas argolas e no colar em meu pescoço; então toco a campainha. Saori sai logo no primeiro toque, como se estivesse esperando na frente. 
— Oi! — Ela me cumprimenta com um abraço e um beijo. Céus eu sentiria tanta falta daqueles lábios. 
— Você está linda. — Elogio, olhando-a de cima a baixo. Ela me elogia de volta, E enquanto faz, tenho tempo de olhar com calma sua roupa. Hoje ela está usando uma saia jeans justa, regata branca e uma jaqueta de couro recheada de bottons. Reconheço a mesma do dia que fomos ao parque de diversões no começo do ano. 
— Essa jaqueta me traz boas memórias. — Comento enquanto andamos em direção ao lugar que quero levá-la.
— Bota boas nisso — Ela diz rindo e entrelaçando sua mão na minha. O gelado de seus inúmeros anéis me arrepia. — Passei mal de tanto ir naqueles brinquedos, mas não me arrependo.
— Ah sim, eu me lembro. Lembro também da senhorita se cagando de medo no frisbee. — Zombo. 
— Vai rindo aí, mas quem parecia que iria explodir era você, quando segurei sua mão!
Viro meu rosto pra ela sem acreditar no que eu acabei de escutar.
— Você reparou nisso?! — Questiono, sentindo meu rosto queimar.
— Suas expressões não são tão discretas quanto você pensa, senhorita Vasconcelos. 
Sinto a vergonha aumentar mais ainda, quantos dos meus panics Saori também percebeu? 
— Você tinha que está vendo sua cara agora! — Ela exclama rindo.
— Sua idiota! — Digo sorrindo constrangida, a fazendo rir mais ainda
   Caminhamos cidade afora, uma enorme lua cheia e os letreiros brilhantes clareiam o caminho. Ao chegar em uma extensão de grama, conseguimos ver dezenas de pessoas sentadas em cadeiras ou deitadas em toalhas coloridas. Os olhos de Saori se iluminam notando o que vamos fazer.
— Um cinema ao ar livre! Agatha isso é perfeito! — Ela comemora, me abraçando.
— Dá uma olhada no filme que vão exibir. — Digo, apontando para um dos cartazes próximos. Minha namorada cerra os olhos para conseguir ler.
— A sociedade dos poetas mortos… é meu-
— Filme favorito. — A interrompi, completando sua frase. — Eu sei. 
Ela me olha como se aquilo fosse a coisa mais especial que alguém pudesse ter feito e meu coração se aquece.
    Forro um espaço com uma coberta que trouxe e deixo Saori sentada lá enquanto vou até uma das barraquinhas de comida para comprar bebidas e batatas fritas para comermos durante a sessão.  
— Carpe Noctem. — Falo, entregando um dos copos de milkshake para ela.
— Não seria Carpe diem?
— Já está de noite. — Consigo arrancar um sorriso de Saori com a resposta. Ela se acomoda junto a mim; o telão exibe o título e o filme começa, sendo recepcionado com palmas animadas.

                            ☆☆☆

   Quando o filme acaba, vamos caminhando sem um rumo certo. A temperatura parece ter diminuído conforme as horas passaram. Sá comenta animada e indignada sobre o filme. Ela puxa um maço do bolso e tira dois cigarros, um para mim e outro para ela. 
— O pai do Neil é um cuzão por não deixar ele ser ator. — Diz, com fumaça saindo da boca. 
— Os pais são bem cuzões na maioria das vezes. — Sinto um dejavu ao dizer isso. 
— Acredite eu sem bem sobre isso. — Sua resposta desperta minha curiosidade.
 Era uma daquelas madrugadas silenciosas, onde o único barulho que se pode ser ouvido é o do vento, madrugas propícias para conversas, momentos que dizemos coisas que não falaremos provavelmente quando o sol está de pé. Cigarros com gosto de palavras não ditas.
— Posso fazer uma pergunta? — Arrisco.
— Claro, manda aí. — Ela responde com um sorriso.
Enrolo um pouco para falar, Saori vem evitando este tópico desde que a conheço, mas tentarei mesmo assim. 
— O que aconteceu com sua mãe? Você nunca fala dela... — observo seu sorriso tranquilo desaparecer e seus olhos escurecem. — Se não quiser responder tudo bem, era só algo que queria entender. — Me apresso em falar. Não gosto da visão que tenho de sua expressão agora, é quase como dor ou raiva. 
— Não é que... só não é algo que gosto muito de falar, sabe? 
Aceno com a cabeça em silêncio, dando aval para que ela continue.
— Minha mãe é bem complicada, entende? Na maior parte do tempo eu prefiro deixar os outros pensarem que ela não existe ou... morreu.
Saori busca meu olhar, procurando algum sinal de desaprovação em relação a ela fingir que um de seus pais está morto. Não demonstro emoção nenhuma sobre, apesar de que nunca faria o mesmo caso meu pai estivesse vivo, imagino que ela deve ter seus motivos. 
— A gente era uma família até que feliz no passado, pelo menos baseado no pouco que me lembro, não tenho quase nenhuma memória da minha infância. Katsuo se lembra melhor dela, já que com ele foi pior. 
Espero que Saori desenvolva mais sobre seu irmão, mas ela muda logo de tópico.
— Meus pais se separaram bem cedo, quando eu tinha sete anos e meu irmão catorze. Eles brigavam todos os dias, minha mãe tinha problemas com jogos de azar e festas, então gastava tudo que tínhamos nessas merdas. Katsuo fazia o possível para que eu não ouvisse as discussões, me escondendo em seu quarto todas as noites. Mas isso não me impediu de ver, de cima da escada, o dia que meu pai descobriu diversas traições da minha mãe. Naquela madrugada ela surtou e saiu de casa, levando meu irmão consigo. 
Sinto meu peito comprimir, então aperto a mão de Saori e faço um carinho em seus dedos. 
— Não tivemos quase nenhum contato depois disso, exceto em todas as vezes que meu pai tentou tomar a guarda do meu irmão. Nunca deu certo, ele teve que morar no Japão com ela por anos! Moramos lá também por um tempo para pelo menos termos ele por perto, tentando mantermos-o seguro de algum jeito. Por isso inclusive que terminei o fundamental no Japão.
Minha mente explode com a afirmação, agora muita coisa fazia sentido.
— Ela nunca tentou ter a sua guarda também? — Pergunto.
— Não, minha mãe nunca fez muita questão de mim como filha. Katsuo foi o primeiro filho, o único que ela planejou e parecia querer de verdade ter. Eu fui mais uma alternativa desesperada de manter o casamento em pé. 
A declaração de Saori me atinge em cheio.
— Eu sinto muito mesmo... Eu não sei o que dizer. 
— Não é culpa sua, mas até que fiquei feliz por você ter perguntado. Acho que nunca contei isso para ninguém.
— Obrigada por confiar em mim. — Digo com um sorriso. — Eu te amo, está bem? 
— Eu também te amo. — Ela devolve o sorriso e me puxa para um beijo delicado. 
   Muito pouco se fala da sensação boa de passar pela barreira do primeiro ‘’eu te amo’’, quando passa o baque e você pode dizer sempre que quiser, sem medo.
— Para mim, você é a coisa mais preciosa do mundo, e sua mãe é uma otária por sequer cogitar algo contrário a isso. — Digo e faço Saori sorrir, dessa vez um sorriso largo que faz seus olhos fecharem. Encho seu rosto todo com beijos até que ela comece a gargalhar com eles. E aí está, novamente, sua risada que tanto amo. Eu queimaria o mundo todo se isso garantisse que Saori nunca perderia seu riso, se isso garantisse que ela ficaria segura.


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