Capítulo Dezesseis.

12 3 0
                                    

      Quando chegamos na escola eu não estava especialmente animada, mas estava feliz por ver Saori e os outros. Seria a primeira vez que nos veríamos como realmente amigas, antes éramos mais como colegas. Acho que não sou tão próxima ao ponto de ser considerada do grupo mas ao menos temos alguma afinidade. Não sei exatamente aonde isso vai dar, mas já é um começo. 
 Para minha surpresa (talvez decepção), muita gente tinha faltado naquele dia, incluindo Saori e Brisa. 
— Elas faltam juntas às vezes, devem estar por aí. — Comentou Lucas, enquanto tomava um gole da sua Pepsi. 
   Acho válido comentar o quão inesperado foi a maneira que ele me cumprimentou hoje. Eu imaginava um ‘’toca aqui’’ ou um aperto de mão, mas ele me surpreendeu com um abração(???) E um peteleco na testa, como da última vez. Agora eu estava duplamente confusa se gostava ou não desse garoto.
— Oi Agatha! — Disse Evandro, com um aperto de mão singelo mas carinhoso. Sorri em resposta. Hoje ele usava um look trabalhado no marrom. Depois de tanto reclamar da sua camiseta acho que isso deve ter lhe dado algum tipo de inspiração. Com certeza a blusa que usava por cima do modelo branco do uniforme tinha sido ele que fez, nunca vi nenhuma parecida.
Já com Miguel a coisa foi diferente. Ele deu um sorriso tímido e um abraço sem jeito. Dessa vez quem eu olhei foi Lucas. Ele confirmou o meu pensamento de que o clima ali estava ESCANCARADO. 
— A gente vai dar uma volta no terraço, beleza? — Falou Lucas, dando uma piscadela para Evandro que coçou o pescoço tentando disfarçar o riso. 
Dei um sorriso travesso para meu melhor amigo que mostrou a língua em resposta. Mordi a bochecha para não rir. 
   Lucas e eu saímos lado a lado rumo às escadas da escola. Tecnicamente os alunos não podiam subir no terraço, mas quem liga a essa altura do campeonato? 
Não falamos muito no caminho, e percebi que era a primeira vez que ficava sozinha com Lucas e não sabia bem como agir, afinal, sabia pouquíssimo dele. Fiz uma pequena lista mental de coisas que, possivelmente, já que tudo nesse garoto parece ser contraditório, sei:

1- Implicante; 
2- Fã da banda Descendents (Já o vi com uma camiseta);
3- Fumante;
4- Paixãozinha não admitida pela Brisa.; 
5- Carinhoso por mais estranho que seja.;
E fim. 
  Para quem tem uma leve tendência a espelhar a personalidade de quem está conversando, como eu, isso é um pesadelo! Faço isso para as pessoas se sentirem mais à vontade comigo, afinal, é como se estivessem meio que falando consigo mesmo, em partes. 
— As damas primeiro. — Lucas abriu a pesada porta de ferro. 
— Nossa, como ele é cavalheiro! — Ironizei. 
— Quase um príncipe de contos de fadas se quer saber.  — Ele dá um sorriso malandro que me faz rir.
   O garoto foi em direção ao parapeito e se debruçou lá. Fiz o mesmo, me colocando ao seu lado. Um tempinho depois, Lucas puxou do bolso de sua jaqueta uma carteira de cigarro. Tiger! Finalmente entendi o apelido. 
Ele acendeu um e estendeu para mim.
— Aceita? 
— Eu tô na boa. — Dispensei com um  aceno.
— imaginei. — Deu de ombros com um sorriso. 
   Depois da primeira tragada, o cheiro de cigarro invadiu meu nariz trazendo uma sensação nostálgica. Muitos acham terrível a fumaça e não aguentam nem ficar perto. Mas para mim, o aroma do cigarro é de certa forma reconfortante, um sentimento agridoce. ‘’A nostalgia é uma doença, uma enfermidade que nos rouba o presente e nos faz prisioneiros do passado.’’ 
Lembro de meu pai, ele me disse essa citação em uma das conversas que tínhamos enquanto ele torrava um maço inteiro em apenas uma noite. Um atrás do outro. Estalos de isqueiro durante toda a madrugada. Lembro de brincar com o fogo já que não fumava. Passar de leve o dedo na chama ou queimar alguma folha seca. Então foi isso que fiz, peguei o isqueiro e fiquei ali olhando a paisagem e brincando com ele. Normalmente meu pai advertia "Vai acabar com o gás, filha." era o que ele sempre falava. Mas Lucas não disse nada, apenas assistia com curiosidade. 
— Vou ser sincero com você, esse silêncio tá me matando! — Disse Lucas me deixando muito agradecida por não ser a única a ter notado. — Acabei de perceber que nunca conversamos assim de verdade. Acho que não temos nada em comum. 
— Pepsi é meu refrigerante favorito. — Foi a única coisa que consegui pensar na hora. Ele estranhou um pouco mas depois sorriu.
— O meu também. 
— Tá vendo, já temos alguma coisa. — Respondi.
O clima estava mais leve agora, ainda era um pouco constrangedor, mas não tanto quanto antes. 
—  Vamos ver se conseguimos achar mais. Cor favorita? — Ele levanta uma sobrancelha e dá um trago em seu cigarro. 
— Verde. Mas não verde tipo das árvores, verde musgo. Sabe?
— Hum, é uma boa cor. — Ele dá de ombros. — A minha é rosa.
— O que? Sério? — Perguntei desacreditada. 
— Claro que não! — Disse com uma risada, me fazendo rir também. 
— Já estava quase assinando sua carteira de senhor surpresa.
— Mas eu sou mesmo! — Ele riu de novo. — Falando a verdade, a minha é azul escuro. 
— Agora faz mais sentido. — Apontei para suas unhas pintadas de azul.

                          ☆☆☆

   Lucas e eu passamos os próximos minutos mostrando fotos de antigos cabelos que tivemos. Vi algumas em que ele aparecia de cabelo mais curto e na sua cor natural(castanho), outras dele com mechas verdes e até de cabeça raspada com alguns desenhos de chamas feitas com tinta. 
— Você fica bem de trança, deveria pôr de novo na moral. Colocar também umas mechas, vai ficar esparrado demais! — Sugeriu ele.
Aquele elogio me lembrou Isadora e Miguel, que me atazanaram na época para por tranças. Isa também colocou no mesmo dia que eu, só que mais curtas que as minhas. 
— Obrigada. — Falei com um sorriso. — Você também fica bem de cabelo raspado. 
— Eu fico bem de todo jeito gata. — Disse passando a mão no cabelo e tentando ridiculamente parecer sexy. 
Cai na gargalhada com o gesto. 
— Vai rindo aí, mas não me chamam de último príncipe brasileiro à toa. 
— O Shrek também era príncipe. — Alfinetei 
Lucas parecia desacreditado com o que disse. 
— Tô começando a achar que você me odeia, Agatha. — Ele disse, botando a mão no coração num tom fingindo tristeza. — Primeiro nem lembra meu nome, agora me compara com um Ogro? Que isso? Perseguição? 
Com sua fala eu me lembrei que de fato no começo não gostava dele, mas aquela altura eu até que já simpatizava com Lucas.
— Mil perdões vossa alteza, não quis insultar sua majestade. — Fiz uma reverência exagerada. 
Lucas imitou o ajuste de uma coroa em sua cabeça e endireitou a postura.
— Pela insolência de sua parte, plebeia, eu a sentencio a me pagar uma Pepsi na próxima. — Ele falava em um tom de voz grave e cordial.
— Claro senhor, podemos tomar ela à beira de um lago também se quiser, Narciso. — Completei com um sorriso inocente.
— Ah, você não disse isso! — Ele se afastou do parapeito e saiu correndo atrás de mim, enquanto eu ria descontroladamente quase sem conseguir respirar. 
  Felizmente Lucas era muito fácil de despistar. As grandes pernas davam velocidade, mas ele tinha a concentração de um peixinho de aquário (ou da lagartixa do meu). 

— Olé! — Gritei dando mais uma desviada quando ele tentou me pegar em uma curva, quase o fazendo cair.
— Caralho! — Esbravejou o garoto, recuperando o equilíbrio. 
— Qual o problema,Tiger? Tá sem fôlego? — Provoquei. 
— Isso é totalmente sem cabimento— Ele disse ofegante, se encostando no parapeito. — Como diabo você corre mais que eu? Tem nem tamanho de gente.
— Eu tenho 1,59 para seu governo, falou?
— Menos de 1,60 não é nem altura é hora, se manca. — Ele zombou entre suspiros.
Foi a minha vez de ficar irritada. 
— Só não corro atrás de você, porque também cansei um pouco.
— Eu tenho água na mochila. — Disse Lucas, indo em direção a o outro canto do terraço onde tinha jogado sua mochila mais cedo.
Tiger tomou um gole generoso e me passou a garrafa. Senti minha vida voltar quando o líquido gelado invadiu minha garganta. 
— Entendo completamente porque as pessoas entram em guerra por isso. — Falei. 
Lucas deu uma risada e se sentou no parapeito. Imitei o movimento mesmo com um certo medo de cair prédio abaixo. 
— Aqui é alto pra cacete! — Comentei admirada e assustada.
— Pois é, imagina cair daqui de cima?
— Quero nem pensar nisso. — Disse pensando na possibilidade de cair dali. O prédio tinha fácil mais de 10 metros de altura. Lucas balançou e fez menção de que ia cair, segurando no meu braço.
— AI PORRA! — Surtei sentindo que minha alma tinha saído do corpo por meio segundo. Ele caiu na gargalhada. 
— Tinha que ver sua cara! — Disse imitando minha feição de susto.
— Não tem graça, eu me assustei de verdade! 
— Relaxa, ligeirinha, eu seria muito burro se caísse daqui. — Ele usa um tom presunçoso e cruza as mãos atrás da cabeça.
— Mimimi, vai se fuder! — Resmunguei, fazendo Lucas rir mais ainda e talvez eu tenha cedido e rido também.
  Ficamos ali um pouco olhando o horizonte. Tinha algo de muito agradável em só observar o mundo existindo sem sair do lugar. Pessoas indo e voltando de bicicletas e carros. Outras mais tranquilas passeando com cachorros. Apenas a vida. Acho que era por isso que adorava viagens de carro. 
— Minha casa é aquela ali. — Apontou ele para uma casa amarela um pouco afastada. Tinha algumas plantas nas paredes e uma grande árvore na frente que ia até a sacada. A arquitetura da casa era bem antiga e se destacava em meio às outras.
— Nossa, ela é chique pra caramba! — Eu me  inclinei para observar melhor a construção. 
— Meus pais são exagerados. — Lucas deu de ombros. — Pode ir lá quando quiser, eles não ligam. 
— Vou mesmo, e acabar com sua comida de gente rica. 
— Isso é coisa do meu pai, comigo o mais chique é uma pizza, serve? 
— Com Pepsi? 
— Pode apostar! — Ele sorri.
— Tá marcado então. — Notei que aquela era a primeira vez que realmente tinha gentileza em nossos tons de voz, era curioso.
Lucas tirou seu celular do bolso e conferiu a hora. 
— Acho melhor a gente ir nessa, jaja aparece alguém aqui e nos expulsa. 
Concordei com uma risada e fomos em direção a escada. Até que ele não é tão ruim. 

Estrelas ao meio dia. Onde histórias criam vida. Descubra agora