Capítulo Quarenta e Dois.

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     Estava mais cansada do que imaginava, quando finalmente acordei já estava escuro lá fora e passava das 21 da noite. Sentia minha cabeça pesada, como  se uma bigorna estivesse em cima dela. Meu corpo estava suando frio e meu braço estava tomado pela cãibra.
Que merda. 
Vai ser um inferno conseguir dormir de novo essa noite. 
  Desço para tomar um café e tentar despertar minha alma. Felizmente, não há ninguém na cozinha. Me sirvo uma xícara, talvez um pouco exagerada demais e dou um gole generoso. Poderia me casar com essa coisa. 
— Finalmente acordou. Já estava pensando em ir conferir se ainda tinha pulso. — Diz Thomas, cortando minha paz. — Podemos conversar agora? 
— Café. — Respondo, apontando para a xícara. Tom entende o recado e se senta à mesa comigo. Depois de duas xícaras, aceito escutar. 
— Eu estava pensando... — Ele enrola — deveríamos contar para a Tia Amélia que sabemos a identidade de quem nos atacou. 
Paro a xícara antes de chegar aos lábios e o fito assustada. — O que? Por que isso agora?
Tom se endireita na cadeira antes de falar.
— Calma, pensa comigo: Sua mãe já sabe de nós dois, e desde o começo ela foi na polícia. Por que não contar para ela?
Apoio um cotovelo na mesa e considero. Com essas circunstâncias, até que não é uma ideia ruim. 
— É, eu me sentiria mais segura ao andar nas ruas sabendo que eles estão presos. — Confesso. Desde que Thomas e eu fomos agredidos não consigo tirar da cabeça que uma hora aqueles homens vão voltar, evitando até sair em horários que sei que Tom ficará só em casa. — Tudo bem, vamos contar. — Decido, fazendo o rosto do meu primo se iluminar. Ele se encosta na cadeira satisfeito. 

                           ☆☆☆ 

   Tom e eu estamos na sala, nervosos à espera da minha mãe. Ela chega às 23, então ainda nos resta alguns minutos de neurose. Ando de um lado pro outro roendo as unhas, agoniada pensando se mamãe ficará brava por termos omitido essas informações. Já tomei tantas xícaras de café que tive que passar outro.
— Puta que pariu, Agatha! Vai acabar comendo até os dedos ou abrindo um buraco no chão nesse ritmo. — Reclama Thomas.
— E o que eu deveria fazer?! — Devolvo com raiva. Minha ansiedade estava pior esses tempos, acho que tudo que aconteceu criou em mim um tipo de alarme de incêndio constante que ao menor sinal de fumaça, aciona.
— Arrancar os tampões dos dedos que não é! 
Me jogo no sofá com raiva. 
— Relaxa... tenho certeza que… — Meu primo começa a falar, mas um barulho de carro entrando na garagem o corta. Nos entreolhamos tensos. Tudo bem, é agora ou nunca. 
— Ainda estão acordados? — Pergunta minha mãe, entrando na sala e jogando sua bolsa no tapete da sala. — A empresa estava um caos hoje! — Ela tira os saltos e se joga no sofá, esticando as pernas envelopadas em uma meia calça preta. — Que caras são essas? — Questiona. Deve ter percebido pelo jeito que meu primo e eu apenas a observamos sem falar uma palavra. 
 Busco o olhar de Thomas para decidir quem vai começar. Ele não se manifesta então tomo a frente. 
Traidorzinho, a ideia tinha sido dele!
— Temos um assunto sério que queremos conversar. — Solto. Amélia me olha com curiosidade. 
— É tão sério assim? Estou um caco agora. — Diz preguiçosamente. 
— Na verdade, sim. — Respondo. — Nós... nós sabemos a identidade dos caras que nos bateram naquele dia. 
   Ela se senta rápido no sofá, de repente tenho toda a atenção da minha mãe. Amélia não diz nada, mas me encara para que continue. Faço menção de falar, mas Thomas finalmente me ajuda.
— Silas, Ricardo e um menor de idade, Jonathan. — Sua voz sai um pouco trêmula. — São todos parentes da Ana, uma ex… amiga, eu acho.
Minha mãe parece petrificada. — Há quanto tempo vocês sabem disso? — Pergunta, um pouco irritada. 
— Bom... desde... — Ele hesita. — Sempre? 
— O que?! — Minha mãe se levanta abruptamente. Agora sim ela está brava. — Vocês viram como a mais de um mês eu venho tentando descobrir isso e vocês  sabiam e simplesmente escolheram não falar nada?! 
Entro na frente para controlar a situação. 
— Mãe, tenta entender nosso lado. — Argumento. — Estávamos com medo! Se contássemos quem foi, logicamente teríamos que contar o porquê, e sua reação sobre Thomas e eu sermos queer era totalmente imprevisível… 
— Perdão por não falar. — Tom se desculpa. 
Minha mãe nos encara e respira fundo, parecendo entender e se recompor. 
— Ok, certo ...— cede, enquanto esfrega as têmporas. — Podem me contar exatamente o grau de parentesco deles com a Ana? 
— Ricardo é o pai, Silas é o tio e Jonathan é irmão dela. — Responde ele. Sem precisar que minha mãe pergunte ele continua — descobriram que eu estava saindo com a Ana e ficaram furiosos. E mais furiosos ainda por eu ser negro e transgenêro. 
O olhar de Amélia suaviza com a afirmação. Sinto meu estômago revirar. 
— Meu amor eu sinto muito... — Ela diz o olhando com empatia. — mas preciso que me diga mais uma coisa, tem o endereço de algum deles? 
Thomas respira fundo. — Tenho de todos eles. 
— Quero que os escreva para mim, junto do nome dos três. — Fala, se levantando com as sobrancelhas franzidas.
— O que vai fazer? — Pergunto notando sua postura agora mais firme. 
— Ligar para Andresa e reabrir o processo. 
— Acha que vamos ganhar? Processos assim são bem negligenciados...— questiono com preocupação, mas minha mãe me silencia com apenas o olhar. 
— Ah vamos sim, pela lei ou eu mesma vou fazer esses filhos da puta se arrependerem de estarem vivos.

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