Capítulo Cinquenta e Três.

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        Passava um pouco das quatro da tarde quando Lucas tocou minha campainha. Dou uma checada rápida em minha roupa, não sabia muito bem o que colocar depois da recomendação dele; então optei por uma combinação monocromática em preto: calça larga de tactel, corta vento e tênis. Lucas não falou nada sobre acessórios, tomei a liberdade de escolher uma corrente dourada e argolas combinando. 
 — Já estava aceitando que chegaria aqui e você teria desistido. — Diz ele quando abro a porta. Vejo que seguiu os próprios conselhos e está usando uma camisa cinza de manga comprida, calça jeans e coturno.
— Não sou tão bundona quanto pensa. 
Lucas sorri, me entrega um dos capacetes e começa caminhar de volta em direção a moto
— Sabe, sei que eu acabei de proclamar minha coragem, mas não vou subir nessa coisa de novo nem ferrando. — Confesso.
— Prometo ir devagar dessa vez, não confia em mim? — diz enquanto observa o próprio rosto no retrovisor.
— Tenho amor à minha vida, então não. 
— Bom, você já tomou uma péssima decisão que é sair comigo, o que é mais uma? — Argumenta.
   Antes que eu possa discutir, Lucas já colocou a mochila que trazia consigo em minhas costas, ela está bem pesada. Saindo pelos bolsos consigo identificar dois tacos de beisebol. O que diabos esse garoto está inventando?
— Tem chumbo aqui dentro? — Questiono, subindo na moto.
— É água e mais algumas coisas que vamos precisar. — Justifica e coloca o capacete. Desisto de tentar arrancar algo desse menino e apenas aceito, revirando os olhos e me segurando firme enquanto Lucas gira a chave e o motor começa a ranger. 

                           ☆☆☆ 

   Depois de um bom tempo andando, (e quando digo bom tempo não é exagero. Suspeito que estamos quase nos limites da cidade agora.) Lucas e eu chegamos a um tipo de construção grandiosa e abandonada, uma escola ou algo assim. 
— Pelos deuses, que lugar é esse? — Questiono, olhando em volta.
— Eu acho que era um centro esportivo, mas agora pode chamar de parque de diversões do Lucas.
   Levanto uma sobrancelha pra ele, como quem diz "jura?". Ele retribui dando de ombros, e sorrindo pega a mochila das minhas costas.
   Entramos no Local devagar, Lucas apanha um dos pedaços de madeira caídos e vai na frente fazendo uma ronda por todo o espaço, se certificando que não tem nenhum maluco escondido ali. Internamente, concordo que o único doido ali seja ele mesmo.
— Estamos sozinhos, pode respirar. — Diz, colocando sua bolsa no chão. 
   Dou mais uma olhada ao redor, onde estamos parece um ginásio bem deteriorado. As paredes são cobertas com grafites e manchas de tinta, no chão há vários tipos de rampas improvisadas que chuto ser para andar de skate.
— Ok... mas para que estamos aqui? — Pergunto.
— Eu imagino que você esteja borbulhando de raiva, acertei? 
Não respondo a pergunta, mesmo sabendo que é verdade. Lucas puxa da mochila dois óculos de proteção e me entrega um.
— Então, imagine que tudo isso aqui é o seu rage room. — Ele faz um movimento com as mãos cobrindo todo o espaço. — Vai em frente, quebre tudo ou grite se precisar. É seu quarto, libere sua raiva.
Coloco os óculos, surpresa ainda por ele ter sido tão preciso. 
— Aaah, por isso os tacos?! 
Ele sorri e me joga um. Seguro sem saber muito bem o que fazer. Lucas parece perceber e vai até uma das extremidades, trazendo consigo algumas garrafas de vidro.
— E para dar um gás — fala, tirando uma garrafa de bebida da mochila.  
— Você disse que o que tinha na mochila era água — seguro o riso enquanto digo.
— Água que o passarinho não bebe... 
   Deixo uma risada escapar, fazendo ele rir também. Damos um shot inicial, a sensação do líquido queimando minha garganta é tão ruim que chega a ser boa.
— Apenas quebre. Com toda força possível. — Ele segura o bastão com as duas mãos e quebra uma das garrafas com um grito estridente que ecoa por todo o prédio. Me assusto um pouco, mas fico animada. 
— Porra! — Grito antes de estraçalhar o vidro.  Não paro por aí, Lucas me passa mais garrafas e eu quebro todas imaginando que são o rosto de pessoas que foram filhas da puta comigo ou situações que me fizeram mal de algum jeito.
— Mais uma, patroa? — Ele pergunta me passando a garrafa de Vodka, aceito de prontidão. 
    Não nos limitamos aos vidros, pegamos tudo que é possível quebrar com pauladas: aparelhos eletrônicos velhos, madeira, lâmpadas, até concreto. A cada barulho de estilhaço ou poeira levantada sinto meu corpo cem quilos mais leve. Não sei se é exatamente o que minha psicóloga me indicaria, mas funciona. Depois que nossos braços começam a doer, damos uma pausa, nos jogando ofegantes nas arquibancadas.
— Como se sente? — Lucas me pergunta, enquanto tira seus óculos.
— Em chamas! — Exclamo sorrindo, ele retribuiu a expressão. 
Bebo um gole da garrafa, a essa altura não sinto mais tanta queimação, mas sinto minha cabeça girar. Lucas parece tranquilo.
— Por que sou a única bêbada aqui? — Questiono, e ele solta uma risada.
— Estou dirigindo.
— E desde quando você é uma pessoa responsável? — Digo em um tom brincalhão, ainda que sincero.
— Não sou, mas decidi ser enquanto você estiver comigo.
Fico um pouco admirada com a resposta.
— E por que...? 
Ele pensa um pouco antes de responder.
— Porque protejo os meus amigos. — Lucas estica uma das pernas e se vira para mim. — E protejo também aquilo que é importante para eles.
Meu humor escurece quando entendo o que ele quer dizer. Estive evitando esse assunto durante todo o rolê, achei que não viria à tona.
— Sei que não quer falar disso — começa parecendo ler meus pensamentos. — Mas não acho que deva condenar tanto a Sá. 
— A intenção aqui não era me consolar? 
— Nunca disse que era bom nisso. — Dá de ombros. — Mas sei que vocês duas se amam, e é nítido.
Coro com a menção de amor. Nunca disse essa palavra romanticamente para ninguém, e às vezes acho que não a entendo nem no sentido platônico.
— A menina que você gosta está se mudando para o outro lado do mundo em menos de uma semana, e você vai perder esse tempo por causa de orgulho? 
Reflito no que ele disse e me lembro de Thomas me dizendo que meu orgulho me deixaria burra, mas dessa vez é mais complicado.
— Ela mentiu para mim... me pediu em namoro sabendo que iria embora, sem nem pensar no que eu sentia. — Tento argumentar, a voz falhando um pouco.
Ele suspira. — Eu sei, e sei também que foi sim egoísta pra caralho. Mas as pessoas são assim, Saori mentiu porque gosta de verdade de você e queria ter isso contigo mesmo que por pouco tempo. 
— Ela poderia ter me dito antes, algum aviso prévio como: ei, vou embora pra sempre então não se apegue! — Sugiro.
— É, mas não disse. Todo mundo faz merda, especialmente pessoas apaixonadas. A paixão nos deixa impulsivos. 
  Pondero o que ele acabou de dizer, odeio admitir que ele está certo, odeio ainda mais que eu faria o mesmo se estivesse na situação de Sá. Por mais que o fato de me sentir enganada doa, a saudade que sinto de Saori doi ainda mais. 
— Obrigada por isso. — Encosto a cabeça de leve no braço de Lucas, ele sorri com o gesto e dá tapinhas na minha cabeça.
— Não foi nada. 
   Ficamos um pouquinho ali, consigo sentir uma onda de sono me atingir, acho que nem me lembro a ultima vez que meu sono não foi turbulento. O menino se mexe, me fazendo despertar do meu estado meio adormecida.
— Sabe — começo — acho que não faço ideia do que quero ser.
— Que tal deixar sua marca aqui? — Diz, parecendo não ter ouvido o que eu falei. Ele pega na mochila uma latinha de spray roxa e me oferece. — Em poucos dias não vamos mais ser adolescentes, é sua última chance de ser idiota sem julgamentos. 
— Isso não seria vandalismo? — Pergunto.
— É arte. — Ele sentencia. — E olhe em volta, a essa altura nem faz mais diferença. 
Sorrio convencida, pegando a lata de suas mãos. 
— Vou te ensinar a fazer um grafite ao estilo do rei aqui! — Se gaba.
   Lucas coloca uma playlist de Rock estourada de tão alta para tocar, Rocket Queen ecoa pelo prédio abandonado enquanto ele me ensina a fazer letras trabalhadas como a sua. Escrevo "Agatha quebrou este lugar" Em caixa alta e tinta roxa. Lucas corrige e escreve " Agatha e Lucas quebraram este lugar". Faço mais um grafite, dessa vez saí melhor. ‘’A arte está na rua’’ junto com um punho cerrado, o símbolo da luta contra o racismo
— Ficou foda pra cacete. — Comento.
— Parece que você acabou de esfaquear o Thanos, mas sim, ficou. — Ele zomba olhando para minhas mãos manchadas de tinta. 
Tiramos uma foto da parede e algumas de nós dois juntos.

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