Capítulo Quarenta e Sete.

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     Saori me leva para o começo do parque onde alugamos algumas bicicletas para nos locomovermos mais rápido pela cidade. Sá anda um pouquinho a frente e empina sua bicicleta quase me fazendo infartar com medo que ela caia.
— Tenta! — Grita para mim, quando sua roda da frente toca a pista novamente. 
— Nem fudendo! Estou ficando velha não doida. — Repito um ditado que meu pai vivia falando. Hoje eu o entendo.
Ela gargalha e dá a volta para andar ao meu lado. 
    O dia está tão bonito, poderia ser facilmente a capa de alguma revista de turismo. O parque milagrosamente não está cheio, algumas poucas pessoas caminham e tomam banho nas duchas. Olho para o chão enquanto andamos, está coberto de jamelões, adquirindo uma tonalidade roxa.       
     Adorava sair da escola com Miguel, correr para as árvores e comer essas frutinhas até enjoar, voltávamos para casa com a língua pintada de violeta e a boca travando. Quando paramos para beber água, um menino e uma menina se aproximam. 
— Saori! — Eles gritam correndo para abraçá-la. 
— Gente, Oi! — Ela comprimenta cada um com um abraço. 
— Faltou o curso duas semanas seguidas! — Diz a menina. Observo seu cabelo castanho com algumas mechas descoloridas. Ela também usa um colar amarelo de miçangas que, particularmente, acho uma graça.
— Eu sei é uma merda, mas andei ocupada. — Responde desanimada.
— Sentimos sua falta garota! — Fala o menino negro de cabelo curto.
Sá suspira e ao perceber que estou apenas olhando ela volta a si.
— Desculpe Agatha, esses são Wandder e Vitória. Velhos amigos meus do curso de libras que faço.
Saori sabe libras? Ignoro o choque e os cumprimento.
— E essa é a Agatha — Diz apontando para mim. — Minha... é... Agatha?
Dou risada com o jeito que ela se atrapalha. Eles me cumprimentam com apertos de mão e risadas.
— Ah, entendi. É Vitória é melhor irmos andando, estamos de vela aqui! — Wandder dá uma piscada para Saori. 
— Vela é apelido, somos quase a tocha olímpica! 
Dou uma risada sem jeito e troco olhares com Saori que também ri. O menino e a garota a abraçam e acenam para mim.
— Leva sua Ágatha para ir na cafeteria com a gente qualquer dia. — Provoca Vitória, antes de sair andando. 

Saori relaxa os ombros e solta uma risada nasal.
— Desculpe por isso, eles são terríveis!
— Tudo bem, Miguel foi pior quando te conheceu. 
Ela sorri de lado para mim e guarda minha garrafinha em sua mochila para seguirmos nosso caminho.
— Pode me dizer para onde estamos indo? — Questiono.
Sá está andando em sua bicicleta sem as mãos, conferindo algo no celular, totalmente alheia ao mundo. Como essa menina ainda não morreu? 
— Estragaria a surpresa. 

                          ☆☆☆
       

   Vamos de bicicleta até a Catedral e as deixamos no ponto de devolução mais próximo do metrô. O restante do caminho vamos andando, passando pela rodoviária e descendo até o subsolo. Vejo uma das famosas pastelarias dali, é quase uma lei sentar para comer pastel e tomar caldo de cana. Lembro que gostava tanto de fazer isso que em um aniversário pedi para ir lá como presente. É uma das poucas memórias da minha infância que minha mãe está presente. Compramos o bilhete e passamos pela catraca em direção às plataformas. O metrô está bem vazio, o que é uma raridade. Alguns artistas se apresentam: um saxofonista, que toca um jazz calmo, um hippie exibe suas bijuterias feitas com pedras, e uma moça tenta vender seus quadros. Um deles em especial, onde um único girassol solitário enfeita um vasto campo nos chama a atenção, mas não temos muito tempo para parar e olhar, nosso metrô chega logo. Saori segura minha mão para ficarmos perto quando um grupo de pessoas entra conosco no vagão. A viagem é tranquila, conversamos pouco. 
— Por favor, desbloquear as saídas. Próxima estação: Galeria. — Anuncia a voz robótica vinda dos alto falantes. Não sei para onde Saori está me levando então é impossível chutar qual estação é a nossa. Mais algumas estações passam sem que ela se mova.
— Pensa em fazer aquilo? — Pergunto, propositalmente sem dar detalhes para fazê-la falar. Estava concentrada na janela antes de ouvir minha pergunta.
— Aquilo o que?
— Vender seus quadros. 
Ela pensa antes de falar. 
— Meu sonho é expor em uma galeria, na verdade. — Seus olhos brilham com a possibilidade. 
— Por que não tenta uma exposição independente? — Sugiro.
Saori considera um pouco, mas suspira.
— O mundo artístico é difícil pra quem não tem um nome conhecido na indústria. E quero estudar mais antes do mundo conhecer minhas obras.
— Entendo. — Falo. — Pretende fazer faculdade então? 
Sua expressão escurece por alguns segundos, não entendo o motivo.
— Se tudo der certo, quero cursar artes. — O olhar anterior desaparece. — E você? 
Reflito sobre a pergunta. 
— Ainda estou decidindo. — Digo. O que é um total eufemismo. Sempre pensei que até o último ano do ensino médio eu já saberia o que quero fazer da vida, mas faltam poucos meses para o fim do ano e não tenho nenhuma perspectiva. Passei tanto tempo apenas focada em sobreviver o agora, que esqueci de pensar no futuro.
— Você é ótima em várias coisas, sei que o que escolher vai dar certo. 
Dou um sorriso singelo para ela. 
— Por favor, desbloquear as saídas. Próxima estação: Shopping. — Diz a voz robótica vindo dos alto falantes.
— É a nossa, Querubim. — Diz se levantando e me oferecendo sua mão. 
   Saímos do vagão e ainda não soltamos nossas mãos. Não reclamo, é uma sensação legal andar assim com alguém. Um casal de dois homens segurando balões passa por nós e sorriem, retribuo o sorriso. Com tanta intolerância no mundo, às vezes esqueço que nem sempre tudo é tão ruim, e momentos simples assim são tão especiais. Entramos no shopping ainda com os dedos entrelaçados, Saori me guia pelos corredores lotados de todos os tipos de lojas. O aroma perfumado e as luzes invadem meus sentidos.
— Vai me contar agora onde estamos indo? 
Ela considera.
— Sabe quem também pintou girassóis? — Pergunta levantando as sobrancelhas em um sorriso de canto.
— Não sei, você? — Dou um chute no escuro.
— Também. — Ela repete rindo. — Mas estou falando de Van Gogh. 
— Ok... mas o que isso tem a ver com estarmos aqui? 
— Bom... 
Viramos um corredor e dou de cara com a entrada de uma exposição. 
— BEYOND VAN GOGH?! — Exclamo sem acreditar. 
— Lembro que me disse que era um dos seus artistas favoritos, então... 
Meu único reflexo é me jogar em seus braços, dando pulinhos de alegria. Ela riu me abraçando também.
— Puta que pariu!  Obrigada, obrigada!! —  Saori não faz ideia do quanto eu pensei em visitar essa exposição, mas a princípio pensei que ela só estaria em São Paulo, então havia desistido. 
— Vamos entrar então? — Diz me oferecendo seu braço. Sorrio de orelha a orelha e aceito. 

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