Capítulo Quarenta e Um.

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    — Você tá me zoando? — Saori pergunta ainda sem acreditar. 
— Eu juro que não! 
Sá solta um suspiro assimilando a informação. Faz quase cinco minutos que estamos em silêncio completamente desacreditadas. Como não notei antes? A sensação de nostalgia constante, o rosto familiar. Ah meu Deus ... o desenho das botas de montaria que encontrei no ateliê de Evandro! Era por isso que eram familiares, as botas devem ter sido ideia de Saori… 
— Tá e o que fazemos com essa informação? — Pergunta passando a mão pelo cabelo. 
— Bom, eu sempre tive algumas perguntas sobre esse ocorrido. — Era verdade, passei muito tempo matutando sobre o paradeiro da Manuela, (ou deveria chamar de Saori, agora?) Então joguei as perguntas. — Para onde você foi depois daquele ano? 
— Voltei pro Japão para terminar o fundamental. — Responde, na maior naturalidade como se morar do outro lado do mundo não fosse foda pra cacete! 
— Caralho! — Exclamo — Foi tipo um intercâmbio? 
— Não, na verdade eu tenho dupla cidadania. — Ela sorri contando. — Pai japonês e mãe brasileira, sou os dois! 
— Cada vez que te conheço, mais te acho  incrível — Solto. 
   Saori cora com o elogio, mas também noto uma expressão que não consigo identificar. Será que foi a menção ao Japão? Ou a mãe? Percebo que Sá nunca me contou nada sobre ela. Depois de um tempo em silêncio, ela volta a falar, interrompendo meus questionamentos e excluindo qualquer margem para perguntar sobre. 
— Você não veio aqui pra conversar sobre uma coisa ou algo assim? — Ela se endireita, colocando um braço atrás da cabeça. 
— Ah é! Tinha esquecido disso — Agatha e sua terrível memória. — Lembro que me contou há algum tempo que fazia terapia, certo? — Ela confirma e continua atenta ouvindo. — Minha mãe quer que Thomas e eu começemos a fazer, mas eu estou meio relutante, sei lá. Poderia me dizer como é? Nunca fui a uma sessão de terapia, é tudo um pouco... intimidador talvez. 
— Claro — Ela sorri com os olhos, o que já me faz amolecer. — Eu também tive uma relutância no começo. É bem bizarro falar com alguém que você nunca viu. Mas você se acostuma e não é assim logo no primeiro dia que seu terapeuta vai te bombardear de perguntas, é aos poucos. 
Penso sobre o assunto e sinto um nó na garganta só de imaginar contar tudo que já passei na vida e ainda cavar todas essas questões. 
— Ei — Diz Saori pegando minha mão ao notar minha preocupação. — Tá tudo bem, pega leve com você, tudo precisa de um processo para ser superado. 
Sua voz me acalma de um jeito diferente. Ainda mais diferente sabendo que nos conhecemos a mais tempo do que eu imaginava. — Agora anime-se e me ensine como tocar girls like girls! — Exclama, se esticando para pegar o violão. 
— Seu pedido é uma ordem princesa. —- Eu sorrio e a puxo para um beijo.

                            ☆☆☆

     Ao chegar em casa vou direto para o meu quarto, me jogando na cama de um jeito que quase me fundo com os lençóis. A semana de negligência ainda me atinge com seus efeitos, talvez pela euforia não notei como meu corpo está pesado.                               
     Levanto uma das fotos que tirei com Saori, ela deixou eu ficar com a que estamos as duas sorrindo. A penduro com um imã no espelho ao lado de outras fotos antigas. Uma de Miguel e eu jogando xadrez quando crianças, uma minha rindo de um pequeno Thomas bravo por um pombo ter feito cocô em sua camisa e uma minha pequena com meu pai. Ele está me levantando no ar, enquanto a Agatha criança ri como se não houvesse nada de ruim no mundo. 
Suspiro voltando pra cama, não quero pensar nisso agora. Fecho os olhos e torço para que o sono varra tudo de ruim da minha vida, que eu acorde plenamente feliz e sem problemas. Estou quase adormecida quando escuto um barulho.
— Ei, tem um minuto? — Nem notei quando Tom entrou no quarto. 
— Não, estou prestes a hibernar. — Respondo, sem abrir os olhos e virando de costas pra ele. 
— É importante — argumenta. —  Um possível grande problema, na verdade.
Reviro os olhos e bufo estressada. Que novidade.
— Com grandes problemas, vem uma grande necessidade de tirar um cochilo. — Murmuro. Consigo ouvir Thomas coçar a cabeça em frustração. Nico di Ângelo me entenderia. — Agora dê o fora, antes que eu mesma te jogue no tártaro. —  Completo ríspida. Ouço meu primo se distanciar aos resmungos. 
Só preciso de um cochilo, para clarear a mente....

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