Capítulo Dez.

21 6 0
                                    

    Passei a noite inteira estudando para compensar meus inúmeros momentos de distração durante a aula de física. Acordei totalmente exausta, e sem vontade alguma de ir à escola. Talvez pudesse inventar uma gripe? Não seria muito difícil convencer minha mãe considerando o meu estado atual. Vesti a blusa da escola na versão branca, calça jeans na qual dobrei a barra, e um suéter rosa. Estava realmente muito frio naquela manhã. 
Eu só queria minha cama — pensei. 
   Desci para tomar café e encontrei Isadora passando geleia em sua torrada.  
— Bom dia! — Exclamou ela com um sorriso radiante assim que entrei na cozinha.
— Não tem nada de bom. — Respondi tentando soar o mais amarga que conseguia para deixar claro que não estava em um bom dia. 
— Nossa, tá de mau humor?
— Não Isadora, estou radiante! Meu rosto está transbordando alegria, não vê? — Eu forço um sorriso propositalmente falso.
—  Morde logo. — Murmurou ela. 
— Porque você não-
Um grito interrompeu minha fala. 
Isadora e eu nos entreolhamos confusas e um pouco assustadas. Mas antes que pudéssemos discutir o que foi aquilo e quem iria verificar, minha mãe entrou na cozinha correndo. 
— Tem uma lagartixa no aquário! — Falou desesperada. 
 Respiramos aliviadas. 
— Pelo amor de Deus mãe! Que escândalo!
— Bom, pelo menos agora nós temos um peixe! — Ironizou Isadora. 
Mamãe e eu a encaramos com um olhar de “onde foi que eu errei?”
— Por que simplesmente não a tirou de lá? — Perguntei, ignorando o comentário da minha prima. 
— Eu não vou chegar nem a meio metro daquele bicho! — respondeu minha mãe. 
— Beleza, então eu tiro — disse Isadora num tom casual, largando sua torrada em um prato. Fomos as três juntas para o sótão onde estava o velho aquário. E Isadora estava certa, aquela lagartixa era o mais perto que tivemos de ter um peixe. 
   Aquele local foi onde deixamos todos os pertences do meu pai, não suportariamos jogar fora, mas não conseguiríamos deixá-los à vista, seria muito doloroso...
Tentei não olhar muito para o lugar, sabia que tudo ali me traria memórias das quais não gosto de relembrar. Mas pelo pouco que me permiti ver, estava mais empoeirado e cheirava a mofo.  
— Está ali.  — Disse minha mãe com uma voz ainda assustada, apontando para o fundo da sala.
— Não sei porque matar a coitadinha, ela não está fazendo mal a ninguém. — Protestei.  
— Awn, que fofo Agatha! Pega ela pra criar então. — Alfinetou minha prima.
— Talvez eu pegue, pelo menos a lagartixa não é irritante e intrometida igual você. — Devolvi com um tom duas vezes mais irritante que o dela. Isa me mostrou o dedo no meio discretamente, o que me fez revirar os olhos. 
— Vocês parecem duas crianças! Tirem logo esse bicho daqui antes que eu bote fogo nessa casa! — Esbravejou minha mãe sem paciência. 
  Isadora colocou as luvas, tirou a lagartixa com cuidado, e a levou para o lado de fora. Mamãe e eu seguimos logo atrás. 
  — Bom, já que está tudo certo, eu vou indo. — Falei assim que chegamos na sala, jogando minha mochila nas costas.
— Vocês querem carona? — Perguntou minha mãe.
Eu parei subitamente, esperando pela resposta de Isa e fugindo da minha própria.
— Não precisa pedir duas vezes! — Claro que respondeu Isadora imediatamente. 
Minha sorriu para ela e se virou para mim.
— E você Agatha? Entendo se você não quiser, não vou te forçar. — Falou minha mãe, fazendo eu estranhar sua compreensão.  
   Ponderei por um tempo. Não queria dar falsas esperanças e nem fazê-la pensar que eu a perdoei e esqueci de tudo, mas em parte, eu estava morrendo de preguiça de andar até a escola. Então resolvi dar ouvidos a isadora, deixar o orgulho de lado e focar no lado das minhas pernas. 
— Ok, mas só porque estou cansada demais para andar. — Concordei por fim. Mas com um tom indiferente. 
Minha mãe abriu um sorriso e caminhou em direção ao carro.
  A viagem foi tranquila, tranquila até demais. Isadora não encheu o saco para ir na frente, nem ficou me irritando. E minha mãe não forçou a barra para se aproximar de mim. Será que eu dormi e acordei em uma realidade paralela? 
— Eu queria pedir uma coisa para as duas. — Disse minha mãe antes de isadora descer do carro. 
— Tava demorando. — Isadora suspirou.
— Lá vem — falei em seguida. 
— Podem pelo menos escutar? Não é nada absurdo. — Começou minha mãe. — Quero que voltem juntas pra casa.   
— E por que? — perguntei. 
— Quero que passem mais tempo juntas. 
— Mas nós moramos literalmente na mesma casa? — Isadora tinha uma expressão confusa. 
— Sei disso. Mas quero que passem um tempo como amigas, não como primas.
— Isso não faz o menor sentido. —  Isa soltou uma risada irônica, me fazendo concordar com ela.
— Faço o que vocês quiserem para o jantar. — Minha mãe argumentou, o que foi o suficiente para convencer eu e Isadora. 
— Beleza, vamos embora juntas. — Falei.
— Ótimo! —  Disse minha mãe, parecendo bastante satisfeita consigo mesma.
     Isadora saiu do carro e nós continuamos o caminho em silêncio, mas minha mãe continuava sorrindo como se tivesse visto um passarinho azul. 

Estrelas ao meio dia. Onde histórias criam vida. Descubra agora