Capítulo Trinta e Três.

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Miguel não disse uma palavra durante todo o caminho, o que me deixou um
pouco preocupada. Mas não questionei nada, o álcool ainda corria no meu sangue e não sei exatamente o quanto isso transparecia para o mundo. Meu amigo se apoiou em meu braço e encostou a cabeça no meu ombro. Ele estava de olhos fechados então era meu trabalho garantir que ele não caísse.
- Desce. - Sinalizei para que ele descesse o meio fio. Miguel obedeceu.
A essa altura já estávamos na frente da minha casa. Estava escura e não tinha sinal de movimentação lá dentro. Olhei para o menino e respirei fundo.
- Beleza, me escuta. - Falei segurando o rosto de Miguel, que abriu os olhos lentamente para se atentar. - Não podemos fazer barulho, se não a gente morre. Entendeu?
- Uhum. - Murmurou sonolento. Eu duvidava bastante que fosse verdade, mas não tinha muito o que fazer.
Entramos na ponta dos pés, fazendo o máximo de silêncio que se é humanamente possível fazer. Estávamos prestes a subir a escada para meu quarto quando uma luz ligou atrás de nós.
- Isso são horas de chegar?! - Perguntou minha mãe, furiosa. Congelei ali mesmo. Busquei apoio do meu amigo, mas ele parecia tão assustado quanto eu. - Eu te fiz uma pergunta, Agatha! - Esbravejou mais uma vez.
Nunca tinha visto minha mãe daquele jeito. Ela parecia com tanta raiva que não sabia se expressar.
- Eu... desculpa. - Tentei me explicar mas fui imediatamente silenciada.
- Miguel, sobe. - Ordenou. Meu amigo olhou para mim, tentando descobrir o que fazer. - Eu disse pra subir!
Concordei com a cabeça e ele se foi.
- Mãe eu... desculpa, é que... - Não consegui pensar em nada coerente, minha cabeça zumbia e tudo parecia se mexer
- Desculpa?! - Ela repetiu incrédula. - VOCÊ É MALUCA?! tem noção do estado que eu estava?! - Ela parecia prestes a explodir. Era a primeira vez também que ela realmente parecia preocupada. Não parecia certo provocá-la ali. Então me calei.
- Tem consciência que você e sua prima foram agredidas a algumas semanas! O que acha que eu estava pensando?! Eu... Eu pensei... - minha mãe fungou para conter o choro.
Continuei sem falar nada, cada palavra dela era como um tapa no rosto.

Minha mãe se aproximou um pouco de mim.
- Isso é cheiro de cigarro? - Ela se concentrou mais - Ágatha você bebeu? - Ela parecia enojada. - Você cheira como seu pai.
Não acreditava que estava ouvindo aquilo. Em um segundo a empatia que sentia se esvaiu e deu lugar a raiva. Não conseguia mais me controlar. O álcool ainda fazia minha cabeça girar, ela parecia quente.
- NÃO FALA DO MEU PAI DESSE JEITO! - Acabei gritando. - Se você soubesse metade da porra toda que eu tô passando entenderia! - Não tinha mais volta, tinha que continuar. - Mas você nunca esteve presente né? Como saberia?
Minha mãe parecia sentir uma mistura de tristeza e raiva. Éramos duas então.
- Beber e fumar não vai resolver seus problemas. - Disse fria.
Eu estava chocada com tanta hipocrisia. ''Diga o que sente, não o que deve falar.''
- E abandonar sua filha pra ficar no quarto se lamentando resolveu?! - Acabei soltando.
Minha mãe engoliu seco.
- Eu nem te reconheço mais... - Ela me olhava como se eu fosse uma invasora em sua casa. Odiava aquele olhar.
- Talvez você nunca tenha conhecido.
Minha mãe abriu a boca mas não disse nada.
Thomas desceu correndo as escadas e ficou entre nós duas. Acho que no calor da discussão nos aproximamos demais, ele deve ter pensado que íamos brigar.
Miguel veio logo atrás, tentando segurar Tom.
- Chega dessa porra! - Ele gritou. - São quase duas da manhã! Você está bêbada - Ele apontou para mim. - E você de cabeça quente.--- O dedo se virou para minha mãe. - Podem se matar amanhã.
- Eu não aguento isso. - Minha mãe levantou a mão em redenção e saiu pelo corredor. Não sei o que me deu, mas fui atrás. Thomas tentou me segurar mas eu me soltei de seu braço.
- Já que estamos jogando a merda no ventilador - Comecei.
- Agatha, para! - Tom gritou para mim.
- Eu tô namorando!
Minha mãe se virou pra mim.
- Bom pra você.
Soltei uma risada, não sei exatamente porque.
- Você não entendeu. Eu tô namorando uma menina, eu tô namorando a Saori. - Falei sorrindo para ela.
Ela ficou parada por alguns segundos, os olhos piscando para assimilar o que eu disse.
- O que?
- Vai em frente mãe, me crucifique. Faz o que você faz de melhor. - Cuspi as palavras amargas.
Ela estava em silêncio, apenas me observava. Tudo parecia andar em câmera lenta, o cômodo encolheu, e as batidas do meu coração era tão altas e rápida que doíam no peito.
- Isadora pro seu quarto, sua prima e eu temos que conversar. - Conseguiu dizer.
Olhei para Thomas, no momento que vi seu rosto de preocupação me arrependi do que disse. Ele deu um passo à frente.
- Se vai fazer alguma merda com a Agatha, vai ter que fazer comigo também. - Disse meu primo em um tom de autoridade.
- Isadora, eu não vou repetir.
- PODE PARAR DE ME CHAMAR ASSIM?! - A raiva era nítida em seu rosto. - ESSE NÃO É A PORRA DO MEU NOME!
- Do que diabos você está falando? - Minha mãe parecia mais confusa do que nunca.
Thomas respirou fundo. Sua respiração estava trêmula, enquanto ele não respondia, o silêncio pairava entre nós.
- Pois é, tia Amélia. A Agatha gosta de mulher e eu sou trans. Digno de revelação de novela, não acha? - Ironizou.
Minha mãe nos olhou sem expressão. Não disse nada, apenas passou por nós e subiu as escadas. Ouvimos a porta bater com força. Soltei a respiração que nem percebi que estava segurando, Me arrependendo amargamente de tudo que disse.

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