Capítulo Oito.

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     Minha mãe acordou com uma ideia horrível de me levar e buscar na Escola. Ela anda lendo essas revistas de "dicas para mães solteiras" e "aproximação familiar", então está quase obcecada com isso.
— É só por hoje, temos que passar mais tempo juntas. — Disse ela, com a voz cansada. Estamos nessa discussão a quase quarenta minutos. 
— Estou bem com o tempo que já passamos juntas. — Falo áspera.
— Agatha… Eu quero ser mais presente na sua vida, como mãe.. — Ela tenta soar verdadeira, mas não consigo acreditar em nada que Amélia fala. 
— Bem, parece que você está uns catorze anos atrasada. — Alfinetei.
Ela abre a boca para dizer algo, mas não faz. Depois de alguns segundos em silêncio ela respira e volta ao seu tom normal. 
— Você tem… — disse minha mãe olhando o relógio em seu pulso. — Vinte minutos para pensar. 
      Revirei os olhos enquanto a observava sair da sala, não queria fazer isso. Passei boa parte da minha infância desejando ser mais próxima da minha mãe. Eu via comerciais de TV onde as mães cozinhavam com seus filhos, faziam coisas juntos, eram como confidentes um do outro. Era meu sonho ter esse tipo de relação com minha mãe. Bem eu tive, por um tempo pelo menos. Depois que meu pai morreu minha mãe se fechou para o mundo e para mim. Ela passou basicamente dois anos trancada em seu quarto, me deixando sem Amparo ou afeto algum.Tive que cuidar de mim mesma, amadurecer mais rápido que as outras crianças, e criar responsabilidades que não era certo serem jogadas para uma menina de dez anos de idade. Ela não foi a única que perdeu alguém importante, eu perdi o meu pai, e ela nunca me deu um abraço de conforto, só pensou na própria dor. A situação apenas se tornou suportável quando Tio Isaque autorizou que Isa viesse morar aqui para me fazer companhia. Ele sabia que sem o irmão aqui dificilmente eu teria algum amparo, mas ainda que eu ame a companhia da minha prima ainda sinto falta de ter uma mãe. Era difícil ser a única criança cujo a mãe nunca aparecia nas apresentações ou reuniões bimestrais, a única criança que não tinha para quem entregar as cartinhas feitas a mão na escola para o dia dos pais.
— Achei a ideia ótima!  — Disse Isadora, depois que eu questionei sua opinião enquanto ela terminava de arrumar sua mochila. 
— Vem cá, de que lado você está? 
— O lado das minhas pernas, não vou caminhar tudo isso se posso ir sentada em um carro confortável com ar condicionado. — Ela me olha como se a resposta fosse óbvia.
— Você não disse que odiava essa aproximação repentina da minha mãe ontem? — Eu apoio minhas mãos nas laterais do meu quadril. 
— Odeio, mas amo o carro dela. E uma carona não seria nada mau. 
— Tenho meu orgulho. — Desdenho.
— Seu orgulho te deixa burra, Mas você quem sabe. — Finalizou Isadora dando de ombros e colocando a mochila nas costas.
  Deixei Isa sozinha na sala e caminhei em direção a geladeira, organizei os pedaços de bolo que tinha separado para Seu Antônio e os guardei em uma vasilha, tentando não pensar muito no que ela disse.

                          ☆☆☆

  — Eu não vou! E não vou mudar de ideia, esqueça. — Falei abrindo a porta pronta para sair, e para minha surpresa estava caindo um mundo lá fora. O céu estava totalmente nublado, relâmpagos caíam a todo momento, seguidos de alguns trovões. 
Mas é claro que o universo teria senso de humor em uma hora dessas.
— Ok, talvez eu tenha mudado de ideia. — Murmurei envergonhada.
  Antes de entrarmos no carro Isadora e eu tivemos uma pequena briga sobre quem ia no banco da frente, minha mãe se estressou e mandou que ambas fôssemos no banco de trás. De verdade? Não me importo com isso, é apenas mais um jeito de implicar com minha prima. E funcionou, ela passou o caminho todo com a cara emburrada. Meu humor deu uma melhorada. 
    Mamãe deixou Isadora primeiro, já que sua escola é mais perto. Assim que ela saiu do carro ficamos em silêncio. Um clima estranho, pesado, e constrangedor. Fazia tempo que não ficávamos sozinhas assim.
— Como vai Miguel? — Perguntou minha mãe cortando o pequeno resquício de bom humor que eu tinha. Francamente, ela quer saber do meu amigo mas nem se dá o trabalho de perguntar sobre mim. 
— Bem. 
— Por quanto tempo ainda vai me tratar assim? Eu estou tentando mudar, estou fazendo o meu melhor! — Ela fala sem tirar os olhos da estrada.
— Perguntar sobre meu dia e me levar à escola não é o seu melhor, é o mínimo! —  Esbravejo, e minha voz sai mais alta do que eu pretendia.Pisco algumas vezes, assustada com a raiva em minha própria voz. Minha mãe se cala, e o restante do caminho foi de quietude. O barulho que as gotas de chuva produziam ao bater contra as janelas e o parabrisa eram reconfortantes. Sempre amei o som da chuva, é tranquilizador de alguma forma. E naquele momento aliviava minha ansiedade.
— Promete que não vai sair sem mim? — Pergunta finalmente minha mãe quando chegamos à porta da minha escola, depois de minutos de silêncio mortal. 
— Prometo. — Respondo sem discutir, me sinto um pouco culpada pelo que eu disse para ela. Sei que minha mãe quer de alguma forma mudar nossa relação, mas o passado não pode ser mudado, e nem o que ele agregou. Não tem como mudar tantos anos de abandono em poucos dias fazendo tarefas básicas e dando uma atenção que deveria ser obrigatória.


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