Capítulo Catorze.

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   Só depois que já estava quase em casa é que me lembrei de que deveria buscar Isadora na escola. 
Merda, merda, merda! 
Já passa das 15, minha mãe deve estar uma fera comigo á essa altura. 
   Passo o resto do caminho até a entrada de casa pensando no discurso totalmente tirado de um Instagram coach que terei que ouvir. Paro na porta e hesito com a mão na maçaneta, mais uma vez, falsa preocupação, a mesma coisa de novo e de novo, minha cabeça começa a girar. 
— Onde é que você se meteu?! — Esbraveja minha mãe, assim que abro a porta. Antes que possa responder ela continua a gritar. — Eu peço só uma coisa simples, mas nem isso você consegue fazer. 
Tudo no tom de voz dela é como se fosse um grande lembrete de que eu sou algo que ela não quer ter por perto. Algo que ela tolerou por um tempo porque era quieto e silencioso, mas no momento que demonstra estar vivo a irrita. Sinto a raiva subir. 
— Porra desculpa! Eu esqueci! — Falo frustrada. 
Minha mãe franziu a testa e riu com desdém, me fazendo sentir pior ainda.  
— Esqueceu? Esqueceu! Você sabe que horas são? — Ela se aproxima de mim, a raiva em seus olhos é palpável. 
— Ela não é minha responsabilidade! — Eu grito, tentando soar tão brava quanto ela. — E para de fingir que você liga pra alguma coisa além de si mesma, todo mundo nessa casa sabe disso. 
  Vejo Isadora descer assustada às escadas e me encarar. Minha mãe abre a boca, mas nenhuma palavra sai. Me viro e subo as escadas, esbarrando em Isa. Noto de relance sua expressão decepcionada e meu coração aperta ainda mais. Fiz merda. 

                          ☆☆☆
                                                    
   Estou com o rosto enterrado no travesseiro, a cabeça quente e latejando, repassando tudo que aconteceu mais cedo. Meu cérebro propositalmente exagerando tudo ainda mais, como uma forma de autopunição. Depois de alguns minutos já nem tenho tanta certeza do quão alto foram meus gritos, ou os da minha mãe.Tudo parece se misturar na minha mente em chamas. ‘’A consciência culpada é o inimigo mais vil para descansar junto a você.’’ Recito baixinho, tentando me acalmar. 
   Ouço a porta do meu quarto se abrir mas não me viro, não consigo falar com ninguém agora. A pessoa deita ao meu lado e faz uma conchinha em mim, é Isadora. Ela acaricia meu cabelo sem dizer uma única palavra, apenas fica ali. Não a afasto, na verdade estou muito grata pelo toque.
— Desculpa. — É tudo que consigo dizer. Ela assente e ficamos ali.

                         ☆☆☆

  Não percebi quando adormeci. Quando acordei Isa ainda estava do meu lado, agora mexendo no celular.
— Oi. — Ela diz quando percebe que a estou observando. 
— Oi. — Respondo. 
Nos encaramos por um tempo até que ela fale novamente. 
— Quer conversar? — Isadora tem um tom tão calmo que meu peito arranha lembrando do que disse mais cedo. 
— Eu acho que sim, mas preciso beber um café antes.
Ela sorri de leve e levanta da cama indo em direção a cozinha, vou atrás dela. 
  Alguns minutos depois o café está pronto, sinto o aroma familiar invadir meu nariz. É reconfortante, me lembra as manhãs que meu pai me acordava bem cedinho para ver algum desenho junto com ele e comer o que ele chamava de "bolinho do sol". Um trocadilho bobo com bolinho de chuva já que esse era servido de manhã. 
Isadora senta do meu lado e me entrega uma xícara. 
— Tá ótimo — falo depois de tomar um gole generoso. 
— Que bom que gostou. — Ela se ajeita na cadeira. 
Depois de tomar uma xícara toda, Isa enche mais uma para nós duas e começa o que realmente viemos fazer aqui.
— Quando você quiser. — Diz, ainda passiva e indiferente. 
Por que você só não grita comigo?

— Certo. — Solto o ar de leve e começo a falar. — Primeiro, desculpe não pegar você na escola e te deixar esperando, nada legal. — Eu dou uma pausa e analiso sua expressão, mas ela apenas assente para que eu continue. —-  Desculpe também se fiz parecer que não me importo, não é verdade, espero que saiba disso. Acho que você é uma das pessoas que eu mais me importo no mundo…desculpa mesmo.
— Desculpada — Ela sorri pegando minha mão, o que já me fez sentir mil quilos mais leve. — Mas a próxima vez que fizer isso vou andando, não importa como, até onde você está e faço você pagar a maior vergonha da sua vida.
Dou uma risada aliviada. 
— Combinado — respondo. Odeio brigar de verdade com minha prima, ela é o motivo de eu ter aguentado todos esses anos, e saber que ela estava brava comigo é como me esfaquear por dentro. 
   — Você surtou feio com sua mãe, em? — Ela toma um gole de café. 
Aí está, um dos motivos por eu amar Isadora, a falta de filtro. Sempre falando na lata sem aqueles rodeios constrangedores. 
— É eu sei. — Digo e instantaneamente lembro da cena e do olhar da minha mãe em mim, como se não me conhecesse. 
Ela deixa a xícara na mesa novamente e me encara. 
— Entendo sua raiva Agatha, mas ela parece querer só consertar as coisas. 
Sinto a frustração subir com a frase, e quando vejo já estou desatando a falar.
— Eu sei disso, mas o jeito que ela faz parecer que é algo fácil me irrita! Essa cena de mamãe bondosa me tira do sério! — Minha voz eleva um pouco mas eu me policio e respiro fundo. — Não sei se consegue entender meu lado, é tão frustrante porque parece que ela não tem dimensão do que causou. Não consigo esquecer tudo e vestir essa roupa de relação mãe e filha assim. 
Isa apenas escuta atentamente e me dá margem para continuar. — Era mais fácil quando ela não se esforçava e eu podia ter apenas raiva. Com ela fazendo coisas assim eu começo a questionar se foi um grande mal mesmo ou estou apenas exagerando, sabe? Sei lá, eu só queria que meu pai estivesse aqui. 
   Sinto as lágrimas brotando nos meus olhos, e tudo vindo de novo. Minha prima dá volta na mesa e me abraça. 
— Calma, calma. — Ela passa a mão no meu cabelo levemente. — O fato dela se arrepender não invalida seus sentimentos, ok? A raiva é bem mais fácil de lidar que a tristeza. 
Me afogo naquele abraço, a tempos precisava de um só não me dei conta.
— Não sei o que faria sem você comigo. — Confesso com um sorriso triste. 
— Foi pra isso que eu vim morar aqui né? — Ela sorri de volta e limpa uma lágrima da minha bochecha.  
— Você vai ser uma ótima psicóloga. 
— Eu sei. — Diz com uma risada.



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