Capítulo Cinquenta e Um.

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      Estava deitada no colo de Saori, tive tempo para admirar cada centímetro do seu rosto. A curvatura de sua mandíbula, a maneira como se movia quando ela falava. Contei até mesmo suas sardas,19; eram como constelações no céu escuro. Ela parecia mais quieta que o normal, mas imaginei que fosse toda a tensão para testemunhar, não questionei muito.
— É estranho pensar que daqui a menos de um mês vamos acabar a escola, tipo pra sempre! — Reflito. 
Saori deixa sua expressão escurecer novamente, sua mandíbula tensiona.
— Pra cacete. — Ela concorda, sem adicionar nada.
— Está tudo bem? — Pergunto.
Ela se remexe desconfortável, passando a mão pelo cabelo como faz quando algo a incomoda.
— É só que... não sei, crescer é bem assustador. —- Responde com o olhar distante, pego sua mão com empatia. — Parece que quando crescemos, nosso coração morre.--- Ela volta o olhar pra mim e sorri de leve. Gosto como Saori tem as mesmas referências que eu.
— Se fossemos homens, acho que seria como se o Brian e o Bender se apaixonassem. — Ela brinca. 
— Tá me chamando de nerd? — Finjo estar com raiva. 
— Não... 
— Tudo bem rainha delinquente, já entendi que sou a careta aqui! 
Ela dá risada e passa a mão pelo meu cabelo. Seu sorriso murcha e a expressão escura volta.
— Tudo bem, já deu. — Digo me sentando. — O que está acontecendo? 
Ela hesita, mal conseguindo me encarar. 
— Eu... eu consegui uma vaga em uma universidade de artes.
Meus olhos se iluminam e eu seguro as mãos dela.
— Sá isso é incrível! — A abraço para comemorar, mas Saori não parece feliz. 
— Qual o problema? — Pergunto. — Não é como se Belas Artes fosse tão longe daqui, não é? 
Ela trava a mandíbula e dessa vez me olha nos olhos.
— Eu não entrei na Belas Artes, Agatha... eu entrei para a Tokyo Geidai.--- Continuo a encarando, sem dizer nada. — Eu vou voltar a morar no Japão. 
Franzo o cenho, tentando vê se entendi direito.
— Você o que?— Solto sua mão, ainda sem acreditar. — Isso é uma brincadeira, não é? Quem deu a ideia, Lucas? — Ela tenta falar mas não deixo. 
— Agatha, desculpa... — Fala com os olhos marejados.
Agora me dou conta de que ela está falando sério. 
— A quanto tempo decidiu isso? — Pergunto, ignorando suas desculpas. 
— Desde... fevereiro. — Seu tom é envergonhado, mas não me importo. Agora sim estou com raiva. 
— Você sabia disso esse tempo todo e mesmo assim me iludiu e me pediu em namoro?! — Esbravejo, saindo da cama.
— Desculpe de verdade... 
— Vai se fuder. — Cuspo as palavras. 
— Me escuta por favor — Ela segura meu braço antes que eu possa sair. — Eu tô implorando, me escuta por meio segundo. — Seu olhar quebrado me faz parar. relutante, mas paro para ouvir sua explicação, por mim ia embora agora mesmo. 
— Eu fiquei sabendo que consegui uma vaga em fevereiro, sempre foi a Universidade dos meus sonhos... eu fiquei radiante com a ideia de estudar lá. E justamente por saber que era meu último ano no Brasil, eu prometi não me envolver com ninguém. — Continuo ouvindo sem a encarar. — Mas aí eu conheci você... E todo o meu plano foi por água abaixo. — Resolvo me virar pra ela. — E você é tão incrível, tudo foi apenas acontecendo. Dia após dias mais nos envolvemos, eu não achei que chegaríamos aqui. 
— A beleza, então era pra eu ser só mais um passatempo seu? — Estou com tanta raiva que sinto vontade de chorar. 
Os olhos de Saori mudam para incredulidade. 
— O que? Não! Não foi isso que eu quis dizer! — Se apressa em falar, mas eu já não estou nem aí. 
— Vai embora. — Digo seca. 
— Amor por favor... vamos conversar. — Implora. Empurro Saori para fora do meu quarto e fecho a porta trancando-a. — Não era pra você saber assim, por favor eu não tive intenção… — ela bate na porta para chamar minha atenção. — Agatha!
Ainda tremendo, pego meus fones e os aumento no volume máximo, abafando os chamados de Saori. É tudo um turbilhão agora, eu queria chorar, queria gritar com Saori, queria que ela parasse de falar e sumisse, queria abraçar ela e não soltar mais. Mas não fiz nada disso.

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