Capítulo Trinta e Seis.

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      Passamos as próximas horas basicamente andando de um lado para outro pela cidade. Passando por farois e passarelas; às vezes nos arriscando no meio dos carros por pura impaciência. Estava um sol de rachar, e Brasília como sempre, seca como um deserto. Com seu céu azul e falta de vento típicos daquele mês. O tipo de clima que fazia os turistas desmaiarem ou acabarem com o nariz sangrando. Fomos com Evandro até seu porão, onde fica seu ateliê. 
— Quando se compromete a estudar moda você precisa se permitir a experimentar coisas novas, então foi isso que eu fiz por anos. — Ele  disse, nos levando para os fundos do local. Lá se encontrava um grande guarda roupa, com três portas de correr enormes. — Voilá! — Exclamou, abrindo as abrindo. 
Arregalei os olhos, admirada. Eram pilhas e mais pilhas de roupas de todos os tipos. Evan abria gavetas que abrigavam ainda mais roupas.
— Isso é coisa pra cacete! — Xingo, ainda de queixo caído. 
— Você não viu nada, ainda tem mais espalhadas por aí. Dá pra ser soterrado por roupas se não tomar cuidado com a porta que abri. — Diz Brisa sarcasticamente. Evandro sorri satisfeito, levando como elogio. 
— Como conseguiu tudo isso? — Pergunto.
— Brechós, feiras, doações, algumas fiz Lucas me arrumar da empresa dos pais dele, algumas eu mesmo fiz. Você sabe, durante a vida. — Ele faz um gesto banal e eu não questionei mais. 
    Passamos a próxima hora separando roupas no estilo que Thomas gostava. Separamos também alguns tênis e acessórios. Evan caracterizou o estilo de Tom como "street wear". Explicado por ele como roupas largas, bandanas, correntes e durags típicas de comunidades negras e cultura do rap. Ou seja, coisas que ele tinha de sobra. Guardamos tudo em sacolas de pano que ele mesmo costurou. Eram lindíssimas, cada uma com estampas e cores diferentes. Estar ali era como entrar no núcleo criativo da mente de Evandro, que era caótico de um jeito genial.   Se podia ver catálogos de revistas de moda por toda parte, braços de manequins ou torços inteiros; alguns jogados, outro cuidadosamente vestindo modelitos inacabados. Uma das paredes tinha as cores da bandeira gay e uma frase pichada:  Hell looks way more fun.
 Me lembrou um pouco o sótão onde estão as coisas do meu pai. Fiquei tão distraída que não percebi quando eles saíram. 
— Vem, Agatha! — Chamou Bri.
— Tô indo! — Respondi. Antes de sair notei alguns desenhos em uma das mesas, não resisti à curiosidade, puxei uma das folhas com cuidado e analisei com atenção, era uma bota. Me chamou a atenção, não consegui me lembrar direito onde também tinha visto uma parecida. Ignorei e apenas saí do ateliê sem questionar muito, mas ainda com uma pulga atrás da orelha. 

                             ☆☆☆ 

     Andamos mais um pouco, mas dessa vez até a casa de Bri, ela precisava pegar algumas coisas para o cabelo de Tom. Conversamos mais cedo sobre o que faríamos, não era muito prudente algo permanente como cortar. Afinal, Tom poderia não gostar do corte. Então Brisa deu a ideia de tranças Nagô. Lembrei de como Thomas e eu estávamos felizes com nossas tranças quando fizemos, então ficou decidido. Evan e eu ficamos do lado de fora enquanto ela entrava. Ele puxou do bolso da blusa social de manga curta um maço de cigarros, pegando um e apoiando nos lábios antes de estender para que eu pegasse para mim também, que aceitei sem pestanejar. Brisa morava em um pequeno prédio no centro da cidade, então a área era bem movimentada. Evandro deu seu primeiro trago quando sua voz ecoou depois de um tempo de quietude. 
— Tá tudo bem com o Miguel?— Ele perguntou, tirando minha atenção da rua. 
— É... — Soltei a fumaça enquanto enrolava um pouco para responder, não sabia bem o que deveria dizer. — Sim, eu acho. Por que? 
— Não precisa mentir pra mim, Agatha. Eu sei que alguma coisa aconteceu, ou sei lá, eu fiz alguma coisa. — Ele parecia frustrado e preocupado, tamborilando o cigarro com os dedos. 
Cocei a parte de trás da cabeça pensando se poderia ou não contar. 
— Olha, eu não sei se posso tá te falando isso — comecei. — Mas sim, você fez alguma coisa. Não do tipo ruim, pelo menos eu não acho. Apenas chama ele pra conversar, seja paciente e garanto que vocês vão se resolver. 
Evandro me deu um sorriso desanimado e voltou seu rosto para a rua. Tive flashs da conversa com Miguel a algumas semanas. Me lembrei da insegurança que
também tenho em relação a Saori. Me pergunto se ela se sente preocupada assim como Evandro.
 — Evan — chamei, e ele virou o rosto para me encarar. O cabelo afro preso em um coque e uma nuvem de fumaça saindo pela boca — Não parti o coração do meu amigo, por favor. 
— Eu nunca seria capaz de fazer isso. — Não conseguia vê seus olhos por causa dos óculos escuros que ele usava, mas seu tom era convicto e firme; e naquele momento, tive certeza que deixara meu irmão com a pessoa certa. 
   Bri voltou com uma mochila com diversos produtos, pentes e prendedores de cabelo. Ela estava animada, o que nos tirou do clima estranho que tinha ficado. Agradeci em silêncio por isso. Decidi afastar minhas questões e focar em Tom, era o dia dele.

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