Estava em choque, tanto que não percebi em que momento comecei a chorar, só notei quando Pablo me abraçou. Isso só me fez soluçar enquanto agarrava sua blusa. Abafei um grito e cravei as unhas nele, não me importava se eu o machucava agora. Eu queria machucá-lo, queria que ele sentisse um pouco da dor pela qual eu passei só por ele e Matias.
Era cruel e horrível, ninguém tinha me pedido para fazer isso e estar com Felipe foi minha própria escolha, mas sentia que a culpa era de Pablo e agora só queria, precisava, culpar alguém. Mordi minha boca até sangrar, talvez a dor física diminuísse a miséria em que eu estava. Não sei quanto tempo passei assim, não conseguia parar, tentei arrancar toda aquela dor com as lágrimas até que me senti tão cansada que fechei os olhos.
Acordei com o corpo pesado e dolorido e com muito frio, apesar de estar em um quarto e com cobertores. Quando virei para o lado vi bolinho deitado ao meu lado me olhando fixamente com uma expressão que não consegui identificar, acho que uma mistura de raiva, tristeza e pena. Ele veio até meu rosto, lambeu meu nariz e depois se esfregou em mim. Tentei rir, mas apenas um som estrangulado saiu, minha garganta doía demais.
Alguém fez um barulho atrás de mim e vi uma pessoa à luz da manhã, era minha irmã mais nova.
-Elise
Ou, pelo menos, foi isso que tentei dizer, parecia mais um pato grasnando.
-Não se force, sua garganta está ferida.
Elise pegou um copo d’água e me ajudou a sentar para conseguir beber. Seus olhos estavam preocupados e tristes.
-Você desmaiou ontem e Pablo te trouxe aqui. Então teve uma febre muito alta e chamamos o médico, ele disse que foi causada por um forte abalo emocional e que seu corpo apresentava sinais de um ataque cardíaco, mas que por algum motivo não aconteceu.
Riwty, Riwty tinha me ajudado.
-A febre baixou aos poucos, mas você pareceu ter pesadelos porque chorou algumas vezes. Estou tão feliz que acordou, tive muito medo.
Ela segurou minha mão e as suas tremiam, os olhos dela também estavam vermelhos.
-Espere um pouco, vou falar que você acordou.
Então minha irmã se levantou e beijou minha cabeça. Ela parecia envelhecida, como se carregasse o mundo. Realmente deve ter sido assustador, nossos pais morreram de uma gripe enquanto ardiam em febre, provavelmente trouxe essas memórias à tona.
Quando ela saiu, olhei para o gato marrom ao meu lado e o acariciei antes de coçar sua orelha.
-Obrigada.
Ele piscou para mim.
“Achei que não conseguiria te salvar a tempo, em algum momento você parou de projetar qualquer pensamento, mas não podia te encontrar porque não sabia se aquela criatura estava com você. Mas quando gritou eu apareci imediatamente, só que seu coração já tinha se esforçado mais do que suportava. Mesmo quando te curei, o melhor que eu podia à distância, você ainda teve febre.
A pior parte foi não poder te curar totalmente, precisei fazer sua febre diminuir aos poucos quando tudo o que eu queria era te deixar perfeita de novo e te levar embora. Eu ainda quero te levar embora.”
-O quê?
“Não se preocupe, é apenas uma vontade boba, apenas descanse, é o que você precisa agora.”
Abracei Bolinho, decidindo pensar nisso em outro momento. Fiquei em posição fetal enquanto apertava o gato contra meu peito.
Ouvi uma batida na porta e Elise voltou com Ester, que tinha os olhos inchados.
-Oi irmãzinha.
Aquilo me surpreendeu, ela não me chamava assim desde o começo de toda essa desgraça.
-Como você está?
-Quase bem. Sinto muito por perturbar vocês.
Ester correu para o meu lado, se ajoelhou e segurou minha mão.
-Você não perturbou nada, a culpa foi toda daquele desgraçado. Aquilo é um monstro, consegue ser pior que qualquer fae. Todos os sacerdotes dessa igreja são horríveis. Não se culpe por isso.
Ester falava bem alto e em um tom desesperado.
-Calma, ela precisa descansar.
Minha irmã mais velha parou de falar e só me olhou por alguns instantes.
-Vou buscar uma sopa.
Quando ia abrir a boca, para grasnar de novo, ela me cortou.
-Nem pense em tomar chocolate, você precisa de algo que te faça bem e o álcool está cortado também.
Fiz uma careta, impressionante como ela me conhecia bem. O que tornava tudo estranho, ela não conseguia ver que havia algo errado no meu relacionamento com Pablo, que eu fui escolhida por um fae, mas conseguia adivinhar meus desejos imediatos, isso só tornava tudo mais triste. Fechei os olhos, estava muito cansada.
Quando abri os olhos novamente o sol estava em seu pico, havia dormido por horas, mas Bolinho continuou na mesma posição, sem se afastar do meu aperto.
-Riwty.
“Shhh”John entrou no quarto, seu rosto e braço queimados quase me afogaram em culpa.
“Riwty, por favor pode diminuir as cicatrizes dele?”
“Não.”
Fiquei levemente surpresa.
“Não quero.”
Olhei com muita raiva para o gato, era o mínimo que nós podíamos fazer.
“Ele não merece.”
-Quer dizer que o sacerdote finalmente fez alguma coisa com relação a você? Soube que meu irmão te poupou de uma surra. Na minha opinião ele deveria ter deixado apanhar. Normalmente sou contra mulher apanhar, mas você, com certeza é uma exceção.
Aquilo me chocou e quase fez evaporar a culpa evaporar.
John se virou para ir embora, quando fez um barulho de dor e segurou o braço.
-Porra, essa merda de queimadura.
Quando então tentou andar, tropeçou no nada e caiu.
“Eu disse que esse lixo devia sofrer.”
Nessa hora minha irmã abriu a porta segurando um prato de sopa, com Pá atrás. Seus olhos se arregalaram ao ver o noivo no chão. Rapidamente ela entregou a tigela para nosso sogro e ajudou John a se levantar. O senhor olhou para o filho e franziu o cenho.
-O que você está fazendo aqui?
-Não pode me ajudar a levantar antes de me interrogar?
-já está levantado e George tem razão, porque atravessou o corredor até aqui para ver minha irmã? Você ainda está se recuperando e Ellie acabou de acordar, não faz sentido.
Ele lançou um olhar maldoso para mim.
-Já estou saindo, não precisam fazer estardalhaço. Acham que eu vim matar essa daí secretamente?
Então ele finalmente saiu, me deixando uma bagunça emocional ainda maior.
“Se eu pudesse teria matado esse daí.”
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Aceito
FantasyOs fae são criaturas da floresta, lá eles vivem e predam. Porém, quando escolhem um humano a vida do mortal muda para sempre, pois ganhará todos os favores que quer do fundo do coração. Porém, a lenda também diz que esses favores têm um preço, a alm...