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Passei a noite toda costurando, consegui terminar o azul e fazer a parte principal do amarelo. Infelizmente não daria tempo. Teria apenas hoje a noite para terminar o amarelo e fazer todo o azul.

O dinheiro de um vestido já faria diferença. O inverno estava chegando e precisávamos estocar carne, sal e açúcar.

Era uma época difícil para os fazendeiros, todos passavam a criar galinhas e porcos, o problema é que os porcos não cresciam tão rápido e por isso davam pouca carne e o preço dos ovos diminuía muito.

A dieta era concentrada nesses dois produtos, carne bovina era quase inexistente, já que as vacas ficavam exclusivamente para a produção leiteira.

Caçar era quase impensável, ninguém se atrevia a avançar tanto na floresta a ponto de pegar um animal. O máximo era conseguir um pombo desavisado.

Não tinha dormido nada, então meu pescoço doía. Meus dedos estavam endurecidos pelo tempo costurando.

Coloquei leite para Bolinho, que ainda estava deitado na cama. Peguei um copo para mim e um pedaço de pão. Estava comendo em pé ao lado da pia quando senti um enjoo forte. Corri para fora e vomitei, não podia negar mais, estava grávida. Agora o casamento era essencial.

As lagrimas caíram sem que eu soubesse o porquê. Não era isso que eu queria? Não havia parado de tomar a beberragem contraceptiva?

Fui para a padaria completamente confusa, andei lentamente, chutando as pedras do caminho. O dia estava escuro, parecia que ia chover. Que beleza, logo hoje que não havia trazido a capa.

Dona Gema e Beto já estavam trabalhando quando cheguei, só teriam hoje a a parte da manhã do dia seguinte para preparar todos os doces. Hoje não sobraria nada para eu levar para casa.

Eu me culpava por não ter falado para as meninas que não tinha terminado um vestido. Nem começado, para falar a verdade. Elas deveriam precisar dele.

Passamos o dia em silêncio, não almocei porque não queria enjoar na frente deles. O dia correu tranquilo, mas muitas mulheres pareciam infelizes. Será que sabiam da festa no prostíbulo?

Beto insistiu em me levar para casa, mesmo com tantas coisas para fazer. Estava me acostumando com a sua companhia. Ele era muito tranquilo e doce.

Passamos por Ricchie, ele estava desmaiado em uma esquina. Seu rosto caído no próprio vômito.

-Sabia que além de você ele é o único ruivo que vi por aqui?

-É porque somos só nós dois e a avó dele, mas ela é muito idosa e não sai de casa.

-E sua família?

-Todos morenos, com diferentes tons de castanho.

Ele franziu a testa e eu entendi o que ele pensava, muitas vezes eu também me perguntei isso. Por que eu era tão parecida com a família de Ricchie? Meus pais se amavam, minha mãe não trairia. Além disso ele era muito mais novo do que ela. Deve ter uns 17 anos a mais do que eu, só. Minha mãe me teve por volta dos 30.

Ele me deixou na entrada de casa e me entregou um embrulho que nem tinha visto que estava em suas mãos.

-São para você.

- O que é?

-Fiz aqueles biscoitos de cereja que você gostou.

-Mas você já está trabalhando tanto.

-Que isso, para te deixar com aquela cara de felicidade não foi trabalho nenhum.

-Obrigada.

Eu me senti corar e meu coração bateu um pouco mais depressa.

-Vovó não vai para o meu condado e eu vou ficar de vez.

Arregalei meus olhos e senti uma alegria repentina. Sem pensar muito segurei uma de suas mãos e sorri.

-Eu fico muito feliz com isso, quer dizer, vai ser ótimo que a vovó tenha alguém para cuidar dela.

-Sim, vai ser ótimo.

Não sei como aconteceu, mas estávamos muito próximos um do outro. Quando percebi isso, soltei sua mão e corri para dentro de casa, dando um boa noite apressado.

Dei boa noite para as meninas e fui correndo esconder meus biscoitos atrás da cama. Elise foi quem cozinhou hoje, ela fez frango assado com purê de batata.

-Miau
(Me dá alguma coisa, estou col fome)

-Toma um pedaço de frango.

-Miau
(Você sabe que não gosto muito d frango)

Ignorei completamente o gato reclamão.

-Miau
(Arruma uma ovelha para mim)

Revirei os olhos e continuei comendo.

-Miau
(Eu deveria comer uma das suas irmãs)

Pidei no rabo de Riwty com raiva. Senti uma forte pontada na coluna ao mesmo tempo que o gato gritava. Sei que não era certo maltratar animais, mas ele tinha ameaçado minha família.

-Desculpa, Ri... Bolinho.

-Miau
(Desculpa também, eu posso procurar outros humanos)

-Você não consegue fazer esse gato ficar quieto? Ele ainda deve estar com fome.

Ester levantou e colocou o prato na pia. Ela foi até a despensa e colocou um pouco de leite em um pratinho. Além de tudo pegou até um pouco de carne crua para o bicho. Fiquei estupefata.

-Vai dar carne para ele?

-Hoje ele caçou um rato enorme que estava na nossa casa, já fazendo um ninho. Matou até os filhotes, ele merece. Vem aqui, sua dona desnaturada não te trata bem.

O fingido foi até lá e se esfregou nas pernas da minha irmã. Senti muita pena dos bichinhos, poderíamos tê-los deixado na floresta.

Eu lavei a louça e passei a noite costurando, quando chegou às 5 da manhã eu mal havia começado o último vestido, deitei na mesa e chorei. Eu teria que entregar o vestido de graça e ele era o mais difícil.

Acabei adormecendo na mesa mesmo, mas quando acordei encontrei dois vestidos prontos, um da prostituta, feito com uma costura perfeita.

O outro era de um veludo preto todo bordado com apliques de rosas vermelhas, as costas eram feitas de um tecido transparente, bordado com rosas figurados. Um bilhete estava em cima desse vestido.

"Vá à festa das prostitutas. Da sua fada madrinha, Riwty"

AceitoOnde histórias criam vida. Descubra agora