A carroça sacolejava e eu tentava bravamente manter o pedaço fino de pão que eu havia no início da manhã. A gravidez só podia estar piorando o enjoo, porque eu tinha certeza de que estava grávida, feliz ou infelizmente. Apoiei a mão na barriga e tentei sentir alguma conexão com meu futuro bebê, mas nada aconteceu. Eu realmente esperava que Pablo cumprisse sua parte no acordo e cuidasse da criança, eu não pretendia ficar enfiada em casa o tempo todo com dezesseis anos.
Fechei os olhos e encostei a cabeça na lona da carroça, talvez assim o mal estar passasse. Bolinho estava enroscado no meu colo e eu coçava displicentemente sua orelhas. A previsão era de que chegaríamos por volta das dez da noite na capital.
Em algum momento peguei no sono, porque acordei com minha irmã me sacudindo. Quando abri os olhos vi que Bolinho chiava para ela.
-Paramos para almoçar.
-Que estranho, ontem não fizemos isso.
-Parece que ninguém conseguiu comer nada naquela estalagem.
Dei uma risada curta. Quando saí da carroça percebi que estávamos em uma vila. Algumas crianças corriam pela praça, coisa que não era muito comum na minha.
Deixamos as coisas ali, só Bolinho veio no meu colo e Ester levou sua bolsa de mão. Pá conversava animadamente com um dos carteiros, trocando informações sobre a capital.
-Faz dois anos que eu não vou lá. O que mudou?
-Ah, a casa do Conde ficou maior. Ele comprou uma quadra inteira de propriedades para aumentar a sua. Como ele passa mais tempo na cidade que no campo creio que foi um bom investimento.
-Desse jeito o rei vai ficar com inveja da mansão do nosso conde.
-Miau.
(Vocês humanos gastando espaço com as construções feias de vocês, feitas de madeira morta ou tijolos. Um desperdício, na minha opinião.)Na minha opinião Riwty falava a dele vezes demais, o bicho nunca cala a boca. Outra coisa que eu perdi após a chegada do fae, silêncio.
As casas da vila eram padronizadas, todas pintadas de azul com branco e um desenho estranho na soleira.
-Estão pintadas contra nós, é um feitiço de proteção contra faes.
Aproveitei um momento em que todos estavam distraídos e perguntei:
-E funciona?
-Miau.
(Mais ou menos. Não nos impede de entrar, mas nos deixa desconfortáveis.)-Não sabia que humanos podiam fazer magia.
-Miau
(Alguns podem. É uma coisinha rala, que depende de feitiços, ou seja, processos materiais para que algo aconteça, rituais. Como pintar a casa dessa maneira.)-Miau.
(Preciso usar o matinho.)Deixei Bolinho pular e o segui, fiquei preocupada com um possível acidente. Porém, não achei nenhum gato, o que eu vi foi Riwty em sua forma normal. Não, Riwty estava em sua forma humana.
Foi uma visão espantosa, era ele, mas ao mesmo tempo não era. Sua pele não tinha um tom tão intensa e seu cabelo era de uma única cor, suas orelhas não apareciam mais e seus dentes não eram pontudos. A única coisa que denotava que ele não era completamente humano eram aqueles olhos.
Fiquei ali, embasbacada, olhando aquele homem lindo que era e não era meu Riwty. Meu Riwty? Bem, já que estávamos ligados e ele preso à mim pelo resto da minha vida, ele era meu Riwty.
Não consegui evitar e toquei sua boca.
-Saudades das minhas presas?
Antes que eu pudesse responder, seus caninos cresceram e ele mordeu profundamente a palma da minha mão. Abafei um grito, aquilo havia doído muito.
Quando ele largou minha mão não vi uma marca de mordida, mas um símbolo estranho que ocupava quase toda a palma.
-O que é isso?
-Um presente.
-Para que serve?
-Muitas coisas, inclusive fazer uma magia rala que te interessou tanto.
-Mas eu tenho você.
-Realmente, agora você me tem. Antes eu poderia até te abandonar em algumas circunstâncias, mas agora eu estou definitivamente preso à você.
Aquilo me deixou chocada.
-Por quê?
-Principalmente para me livrar de Syara. Preso a você ela não tem mais motivos para me atormentar.
Aquilo fazia sentido. A comida dessa estalagem era muito melhor, não havia nenhuma prostituta circulando e várias famílias com crianças almoçavam ali. Pelo menos durante o dia.
Voltamos a seguir viagem, a chuva finalmente havia começado a cair. Todos na carroça dormiam, inclusive Riwty. Não conseguia evitar de olhar minha mão esquerda e o símbolo ali desenhado. A explicação combinava muito com a índole de Riwty, mas minha mente cismava em focar nas exatas palavras dele. O principal motivo, não o único.
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Aceito
FantasiOs fae são criaturas da floresta, lá eles vivem e predam. Porém, quando escolhem um humano a vida do mortal muda para sempre, pois ganhará todos os favores que quer do fundo do coração. Porém, a lenda também diz que esses favores têm um preço, a alm...