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-Ester.

Minha irmã olhou para mim, seus olhos vazios.

-Oi.

-Pode se sentar e conversar um pouco comigo?

Ela assentiu com a cabeça e foi deixar a bandeja na pia. Minha irmã se arrastou de volta para o meu lado e se sentou onde Pá estava antes.

-Sobre o que quer conversar?

-Sobre Você.

-O que precisa falar sobre mim?

-Pensei que você ficaria melhor quando John melhorasse, mas não ficou.

Ela não me respondeu.

-O que eu posso fazer? Você pode falar comigo.

Ela continuou encarando o chão. Coloquei a mão em seu braço como um incentivo. Ester ficou quase cinco minutos sem reação até soltar um suspiro.

-Não sei o que fazer.

-Com relação ao quê?

Ela me olhou com os olhos rasos d'água. Cheguei mais perto e a abracei.

-Estou com tanto medo. Eu quase o perdi.

A culpa se afundou no meu estômago.

-Nós já perdemos nossos pais, podia ter perdido John. Posso perder vocês a qualquer momento, a vida é curta e incerta demais. E eu perdi tanto tempo brigando com você, nos magoando. Tudo isso por umas noções idiotas. Você é uma pessoa incrível e eu só te critiquei. Pode me perdoar?

-Não tem nada para perdoar.

-Miau.
(Claro que tem.)

Não tinha visto Bolinho chegando e senti vontade de trancá-lo dentro do quarto.

Eu senti as lágrimas da minha irmã caírem no meu pescoço.

-Tem mais alguma coisa te incomodando?

-John. Eu estou tão feliz que ele está vivo, se recuperou tão bem e até está andando pelo quarto. Mas ele está com tanta raiva de tudo. Fica me dizendo que deveria terminar o noivado, que agora ele está horrível e eu sou bonita, poderia arrumar coisa melhor.

Não tive coragem de perguntar se as cicatrizes importavam, mas pelo tom da comentário parecia que não.

-Não sei como ele pode me falar uma coisa dessas, eu o amo.

Bem, essa era minha confirmação.

-Você precisa tentar entender, ele está sofrendo.

-Ele jogou o espelho do quarto na parede e eu estava do lado. Eu me cortei com os cacos.

Senti fúria subindo, como ele pôde?

-Não faça essa cara, você mesma falou que ela está sofrendo. Ele não teve a  intenção de me machucar.

-Miau.
(Não interessa, ele precisava ter o mínimo de noção de que ia te machucar se você estava do lado da parede que ele atacou.)

-Quanto você se machucou?

Ela puxou as mangas largas do vestido para cima e vi uma atadura larga no braço. Enxerguei vermelho mais uma vez. Deveria ter reparado que ela usava algo de mangas compridas em um clima não muito frio, coisa atípica para ela.

-Ele pediu desculpas?

-Sim, bem, mais ou menos.

-Miau.
(Ou seja, não.)

Aproveitei que Ester olhava fixamente para a parede e fiz uma cara feia para Bolinho. Eu precisava manter a calma e ele não estava ajudando.

-Miau.
(O quê? Eu estou certo.)

O pior é que ele estava.

-Mas o que John disse?

-Falou que não queria me machucar, mas que eu tinha sido idiota por não ter saído dali.

Desgraçado. Pensei que nunca mais fosse ver em outra cor que não fosse vermelho, de preferência o tom do sangue do idiota do meu cunhado.

-Só que não deu tempo de sair. Em um minuto ele estava olhando para o espelho e no outro jogou o espelho na parede. Eu fiquei com medo Ellie. Estou com medo do acidente ter deixado o John violento.

Pensei na cena dele encarando Mariane desacordada, dele chutando Bolinho e do jeito que ele fala comigo. John não era exatamente calmo.

Abracei minha irmã com mais força, não sabia o que dizer.

-Miau.
(Eu disse que ele faria sua irmã infeliz.)


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