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Passei a manhã lendo para nós duas, Bolinho ficou sentado no meu colo ronronando. Eu ainda estava chateada com todas aquelas coisas cruéis que ele havia dito.

Perto da hora do almoço levantei Mariane e andamos pelo quarto. Ela ainda caminhava devagar, mas para três dias a recuperação tinha sido incrível.

Pablo chegou com nosso almoço e levou a louça da manhã. Ele me olhava de uma maneira diferente desde o aparecimento de Mariane, quase com uma devoção.

O almoço de hoje era carne de carneiro com molho de tomate e legumes cozidos. Eu bebia cerveja escura com limão e Mariane água. Ela conseguiu cortar e comer tudo completamente sozinha, o que me deixou imensamente feliz.

Apesar da tristeza, ela parecia gostar do ambiente. Minha maior preocupação nesse momento era com sua saúde mental, o risco dela se matar após o trauma era muito grande.

Coloquei os pratos sobre a mesinha e sentei ao seu lado na cama. Peguei suas mãos e apertei.

-Como você está?

-Estou maravilhosa, nunca imaginei que ficaria tão bem.

-Sim, sua recuperação foi ótima. Mas como você está emocionalmente?

Seu sorriso sumiu, ela colocou a mão na testa para esfregar, mas eu a retirei do rosto. Peguei a pomada e apliquei na marca, infelizmente não podia fazer nada por aquilo.

-Eu estou triste. Desde ontem eu estou tentando não pensar no que aconteceu. Agora foco no que vai ser daqui para frente. Eu ganhei um emprego, tenho um teto, pessoas que eu já posso chamar de amigas. Além do mais eu preciso agradecer por estar viva e com recuperação completa, tenho que focar nisso.

Uma lágrima escorreu do seu rosto e ela secou com o braço.

-Talvez fosse bom você falar sobre o que aconteceu, ou qualquer coisa sobre o seu passado.

Ela pensou sobre o assunto, acho que ficamos meia hora ali, eu com sua mão esquerda entre as minhas. Ela com um olhar perdido e secando as lágrimas esporádicas com o braço direito. Por fim, ela assentiu com a cabeça.

-O nome dela era Anna.

Não precisava perguntar sobre quem ela estava falando.

-Ela era linda. Ela era muito branquinha, com cabelos loiros claros e fininhos, sempre divididos em duas tranças. Anna era gordinha, tinha as maiores bobechas que já vi, e eram muito rosas, ela nunca usava chapéu.

-Anna era filha de um fazendeiro, ele plantava legumes, ela foi prometida para o filho do fazendeiro vizinho. Nós nos conhecemos há dois anos, minha família tinha se mudado para essa vila. Nós duas ficamos amigas em poucos dias, gostávamos das mesmas coisas, destávamos as mesmas pessoas, nossas opiniões sobre a política do reino eram iguais.

-Um dia nós nos beijamos e simplesmente não paramos de nos beijar. Obviamente nos apaixonamos. Nós não sabíamos o que fzaer, ela dependia do dinheiro do pai, então começou a tirar algumas moedas que não fariam falta, eu poupei tudo o que consegui do meu salário, nós íamos fugir.

-Eu não sei se você sabe, mas a política para transviados não é nacional, cada condado decide como proceder. Alguns condados retiram os bens, alguns enforcam, alguns fazem como o nosso e existem três condados que permitem a relação entre pessoas do mesmo sexo. O casamento não é permitido, mas as pessoas não são perseguidas.

Aquilo me deixou muito surpresa, não sabia sobre isso.

-Nós estávamos juntando dinheiro para ir para um desses condados, mas o pai dela nos flagrou um dia. Nós duas imploramos, a mãe dela também. Eu disse que sairia da vila. Nada adiantou, ele nos denunciou para o sacerdote e nós fomos punidas. Ela não sobreviveu.

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