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Pá estava na cozinha e mexia uma panela que emanava cheiro de chocolate. 

-Fazendo chocolate quente para mim?

-Claro que sim, filha.

Ele olhou para trás e franziu a sobrancelha.

-Tinha alguém com você no quarto?

Eu ainda deveria estar toda amassada e com os lábios tão inchados quanto Riwty. 

-Só o Bolinho.

Pá concordou com a cabeça parecendo ainda um pouco desconfiado. Ele despejou o conteúdo da panela em uma caneca grande e depois colocou uma boa quantidade de rum na bebida. Ele foi em direção à sala, que só era separada da cozinha por uma mesa de quatro lugares. Depois de ter conhecido a casa dos Lint era notável quão pequenos eram os cômodos da casa do meu sogro, os da minha eram minúsculos. 

Ele me entregou a caneca e nos sentamos no sofá. Pá pegou uma das almofadas e a colocou sobre o colo, eu mesma a havia bordado no ano anterior, ela era verde com desenhos de folhas. Sua expressão preocupada me deixou ansiosa, sobre o que ele estaria querendo conversar?

-Por que não me contou?

-Sobre o quê?

-A gravidez.

Senti meu rosto corar. Olhei para baixo, não conseguia encarar seus olhos naquele momento. 

-Ainda estava muito no começo, não queria dar esperanças para vocês e depois perder o bebê, como acabou acontecendo. 

Senti uma pontada de tristeza ao me lembrar da perda da criança que eu já imaginava crescendo. Meu filho. Pisquei para afastar as lágrimas. Como se atraído pela minha dor, provavelmente era isso mesmo, Bolinho apareceu no cômodo e pulou para o meu colo.

-Como você está?

-Triste, eu estava gostando da ideia de ser mãe, mesmo que fosse cedo.

Pá me puxou para perto, desequilibrando o gato que olhou feio para ele e fincou as garras em minha roupa para não cair. 

-Você  vai ter seus filhos, ainda tem muitos anos pela frente. Deve ter sido o choque do que aconteceu com John, ouvi dizer que isso as vezes acontece. 

Sua grande mão acariciava minha cabeça como se eu fosse uma criancinha. Aquilo era reconfortante, seguro. Parecia que nada mais era assim há algum tempo. Tomei meu primeiro gole da minha bebida, a ardência do rum praticamente apagada pelo gosto do chocolate. 

-Quem era o pai, Ellie?

-Se eu te disser que não sei você ficaria muito horrorizado? 

Choque transpareceu em sua expressão, com certeza havia ficado. Senti vontade de rir. Por que o comportamento feminino precisava ser tão diferente do masculino?

-Bem, não, horrorizado não. Chocado, só isso.

-Estou brincando, era de Felipe, mas falei para ele que não sabia de quem era a criança com medo que ele fizesse um escândalo ainda maior do que já tinha feito.

A explicação visivelmente o acalmou Pá, a vontade de rir triplicou. 

-Ele está insistindo para ter você de volta?

-Sim.

Pá sabia o resumo da minha história com Felipe, mas passou a desgostar dele desde a humilhação que ele me fez passar na floresta. A cena atravessou minha mente e senti um eco da humilhação daquele dia. Mostrei minha mão esquerda e o anel de pedra azul para meu sogro. Ele arregalou os olhos e segurou minha mão para ver melhor o objeto.

-Isso é um anel de noivado?

-Sim.

-Então você o ama?

Olhei para baixo sentindo vergonha. Deveria ter devolvido o anel quando percebi que não estava mais apaixonada por Felipe, mas fazer isso parecia algo tão definitivo e seria tão doloroso para nós dois.

-Eu o amava, não sei mais o que sinto por ele. Quando descobrir resolvo o que fazer com o anel. 

Pá sorriu para mim, com um olhar que dizia que eu deveria devolver o objeto, mas que não se intrometeria na minha escolha. Pá era um homem tão bom, tinha sorte por tê-lo como segundo pai.

Continuamos no sofá, ele pegou um livro e eu tomei aos poucos meu chocolate. Quando estava terminando Ester veio do quarto de John para a sala, com uma bandeja de comida vazia nos braços. Estava na hora da segunda conversa do dia. Pá entendeu meu olhar e saiu para nos deixar a sós. 


AceitoOnde histórias criam vida. Descubra agora