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O dia passou como uma névoa, comigo sentindo meu peito leve após dores intensas e vendo Beto se debater pela padaria enquanto se acostumava com a presença de bolinho deitado em um canto.

Não sabia o que pensar de toda essa situação, era um senso de incongruência. Por um lado sentia que anos haviam se passado antes de ver essa cena e por outro era a realidade de apenas na semana anterior isso ocorria diariamente.

Os olhos do gato me seguindo pela padaria me deixaram no ar até ouvir a voz do pai de Felipe, aquilo me gelou. Tudo nele me parecia sinistro, não conseguia entender como se dizia mensageiro de Deus tinha uma aura tão maligna.

-Com o que poderíamos te ajudar hoje, sacerdote?

Fiquei escondida, Bolinho estava completamente eriçado e mostrava as presas. Fui até ele e o segurei. Achava impressionante como ele sentia vontade de enfrentar aquele homem, eu só queria fugir para o mais longe possível e me esconder em um buraco.
"Eu não vou deixar ele fazer nada com você"
O gato lambeu meu rosto ao mesmo tempo em que ouvia a voz de Riwty em minha mente e isso me acalmou de um jeito estranho.

Enfiei a cabeça em seu pelo e respirei fundo, sua forma felina tinha o mesmo cheiro da humanoide, então inspirei novamente e foquei naquele cheiro de floresta e sentei no chão com ele em meu colo.

-Gostaria de falar com sua funcionária

Quando ouvi isso meu corpo inteiro tencionou.

-Sobre o quê?

-É pessoal.

-Sinto muito, mas no momento ela está ocupada com a cozinha, não posso liberá-la.

Um silêncio intenso encheu a padaria, assim como uma fumaça espessa e então um suspiro cansado.

-Entendo que não saiba como funciona nossa vila, já que mora aqui há pouco tempo, mas não deveria questionar a autoridade daqui.

-Você é o prefeito?

-Não temos prefeito aqui, eu sou o único que resolve os conflitos.

Outro período de silêncio aconteceu.

-Agora que você entende chame aquela garota.

-Sinto muito, mas como falei ela está ocupada na cozinha, se for realmente importante pode encontrá-la depois que a padaria fechar.

-Tem certeza que quer comprar essa briga, garoto?

-Não estou fazendo nada, pelo contrário o senhor que não consegue respeitar limites. Por favor, saia da minha padaria.

Inspirei fundo enquanto arregalava os olhos. Ia levantar para falar com o sacerdote e impedir que aquilo piorasse.

"Não vá. Ele já virou alvo daquele desgraçado, você sair agora é só jogar fora tudo que ele fez"

Apertei os dentes e acenei. Ouvi uma mão batendo no balcão e a porta fechando com força pouco depois. Beto veio correndo até onde eu estava com Bolinho.

-Você está bem?

-Eu que deveria te perguntar isso. 

Não tinha coragem de falar para ele que nada do que tinha feito daria resultado, minha conversa com Tertúlio havia sido adiada por apenas algumas horas e quando nos encontrássemos ele estaria com ainda mais raiva. 

-Sua vida vai se tornar um inferno a partir de agora.

-Não tem problema.

-Você é burro, não adiantou nada. Ela ainda vai precisar falar com ele na hora que a padaria fechar.

AceitoOnde histórias criam vida. Descubra agora