13

90 21 6
                                    

Algo pesado caiu em cima de mim e eu acordei assustada, Bolinho miou quando aquilo despencou.

-Desculpa, desculpa.

Era Mariane. Ela estava estatelada em cima de mim. Bolinho saiu do colchão e eu me ajeitei. Ajudei-a a se levantar e a coloquei sentada na cama.

-O que aconteceu?

-Eu precisava usar o penico.

Aquilo me atingiu como um golpe, ela passou o dia todo sem usar o penico, tinha esquecido completamente disso.

-Mil desculpas, você passou o dia todo se segurando.

-Na verdade não, o doutor me ajudou a usar o banheiro à tarde.

Pude notar o desconforto na sua voz.  Deveria ter sido horrível ser tocada por um homem depois de tudo que lhe aconteceu.

-Eu vou buscar o penico para você. Consegue ficar sentada assim?

-Consigo. Eu estou te dando tanto trabalho.

-Não é nada.

Busquei o penico e a ajudei a levantar a saia, percebi também que ela ainda não havia trocado as roupas ensanguentadas. Como eu tinha deixado tanta coisa passar? Ia pedir para a minha irmã pegar algo da Elise, elas pareciam ter o mesmo tamanho e medidas.

-Amanhã vou trazer roupas para você.

-Obrigada por tudo, mas por que está fazendo tanto por mim?

Pensei na pergunta e respondi.

-Porque ninguém deveria passar por isso e eu posso ajudar. Só que eu não conseguiria fazer o que estou fazendo se meu sogro e minha patroa não me ajudassem.

-Vou agradecer a eles depois.

-Terminou?

-Sim.

Retirei o penico com cuidado e fui até a janela, não havia ninguém passando, nem mesmo as moças da rua, então derramei o líquido para fora.

Voltei para meu colchão, Mariane já havia deitado. Cuidar de alguém era difícil, eram muitos detalhes e eu queria, não, eu precisava engravidar. Bolinho pulou no meu colo.

-O que eu vou fazer hein?

Riwty não me respondeu.

Tive uma noite agitada, descansei pouco. Mariane ainda não estava andando então precisaria ficar mais um dia com ela, amanhã voltaria para o trabalho.

Pablo trouxe café da manhã para nós duas além de algumas roupas, minha irmã foi mais rápida que eu e mandou algumas para Mariane também.

Coloquei o baú em um canto e troquei minha blusa amarela por uma marrom, agora usava dois tons de marrom, completamente sem graça.

Peguei um vestido cinza que era de Elise e ajudei Mariane a vestir. Como eu suspeitava, ficou muito bom.

Elise e Ester usavam roupas muito diferentes da minhas. Eu quase não usava vestidos, preferia saias. Elas usavam decotes, os de Ester eram mais ousados por ser mais velha e por trabalhar na taverna. Elas também usavam os braços descobertos, uma coisa muito comum no nosso condado, mas eu sempre estava de mangas compridas e golas rentes ao pescoço. Em compensação, tentava ter o maior número possível de roupas coloridas, enquanto elas usavam as cores mais básicas.

Ester sempre dizia que eu estava desperdiçando dinheiro comprando tecidos mais caros só pela cor, eu rebatia dizendo que ela gastava em rendas e fitas para os dela.  Elise sempre falava que cada uma deveria usar o que quisesse e dar mais dinheiro para ela, porque ela também queria comprar fitas. Aquilo nos fazia rir e terminava a discussão, sempre dávamos uns tostões para ela depois disso.

Mariane já conseguia comer sozinha então sentei na cadeira para aproveitar meu chocolate quente com rum e algumas tortinhas que eles compraram para mim.

-Miau
(Você vai ser abatida daqui a pouco se continuar comendo nessa velocidade)

Joguei um morango para bolinho, infelizmente hoje não tinha torta de cereja, apenas morango e limão, mas estavam maravilhosas.

-Come isso aí e cala a boca.

-Você e o gato têm uma sintonia muito forte, não é?

Fiquei muito vermelha.

-Nos damos bem.

-Há quanto tempo tem ele?

-Alguns dias.

-Nossa, criaram um laço bem rápido então.

-Pois é, ele começou a me seguir e eu não tive escolha.

Mariane riu e Bolinho me olhou carrancudo.

-Pode me contar sobre sua vida?

-Claro. Bem, meu nome é Ellie Swerts, tenho dezesseis anos, estou noiva do Pablo, tenho duas irmãs: Ester e Elise. Sou a do meio. Trabalho na padaria da vila, acho um ótimo emprego porque sempre ganho algo para comer. Meus pais morreram há alguns anos de gripe, acho que é isso.

-E o que você gosta de fazer?

-Eu gosto muito de ler, o que é complicado porque como lá em casa nós dividimos uma conta na biblioteca só consigo ler um por mês, ou leio os repetidos que meu noivo me deu.

-Nossa, presentes caros.

Fiz uma careta.

-Sim, meu noivo me mima muito.

-Miau
(Você quer dizer que ele te compra, não é?)

-Mesmo que ele não comprasse nada para mim eu continuaria com ele.

-Nunca disse o contrário, desculpa se te ofendi.

-Não, não. Eu só estava perdida em lembranças ruins.

Eu não podia responder Bolinho em público, mesmo que o que ele falasse me atingisse.

-O que mais?

-Bem, eu adoro doces e costuro as.
roupas da minha família.

-Só você?

-Elas são um desastre com as agulhas. Antigamente as pessoas me encomendavam roupas, hoje em dia quase não costuro para fora.

-Por quê?

-Muitos motivos.

Hoje em dia eu só costurava para as prostitutas da vila, não que isso me incomodasse, elas eram boas pagadoras. O dinheiro extra ajuou a não precisarmos mais do apoio financeiro de Pá, além de estar juntando para o futuro dote de Elise.

Ester, como era de se esperar, detestava as moças, mas sempre pegava fitas e rendas que sobravam. Eu preferia os retalhos coloridos. Alguns eu nunca teria coragem de usar, como os vermelhos brilhantes, mas eu bordava vários desenhos neles e os transformava em almofadas.

A única coisa que Ester proibiu foi de deixar as meninas irem para a minha casa. Então, quando elas iam à padaria, sempre no fim da noite, para que as mulheres "de bem" não as atormentassem, eu tirava as medidas ou entregava as encomendas. Dona Gema, Pá e Pablo também faziam roupas comigo, mas deles eu não cobrava.

Eu tentava me consolar dizendo que os vestidos das prostitutas eram mais divertidos de se fazer do que aqueles das mulheres comuns. Os decotes ousados, os tecidos brilhantes, as rendas em locais estratégicos, fora as lindas roupas de baixo, aproveitavam muito mais meu talento. Infelizmente eu mentia para mim mesma, meu sonho era abrir uma loja de costura depois de juntar dinheiro, agora isso era impossível.

AceitoOnde histórias criam vida. Descubra agora