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Corremos para a taberna, os bêbados não prestavam atenção em nada, mas aqueles que estavam apenas tomando sua sopa olhavam para nós curiosos.

-Filha, ainda bem que você chegou. Coloquei a moça no quarto 5.

-Obrigada, Pá.

-Você É um anjo, minha querida.

Sorri triste para ele e puxei o doutor escada acima.  A moça estava semiconsciente na cama de palha, Breno olhava para ela de um modo aflito.

A pele negra brilhava com suor, os cachos estavam opacos e ela murmurava coisas incongruentes.

Aquela marca de ferro na testa me enojava, a pele deformada no formato de um losango, marcando-a para sempre como uma transviada.

Doutor Pastin olhou com piedade para a moça e pediu para Breno buscar Pá.

-Senhor, você possui algum sedativo? Na pressa de vir não peguei o meu e o tempo é urgente nesse momento.

Pá concordou e buscou a bebida. A mulher foi sedada e apenas eu o doutor continuamos no quarto.

Sempre que ocorria uma punição em um transviado sua testa era marcada com ferro quente, suas genitais amputadas e eram abandonados sangrando e apenas com a roupa do corpo na estrada, só poderiam buscar ajuda na próxima vila e deveriam chegar lá andando. Se sobrevivessem, era um sinal de que o grande unificador havia perdoado seus pecados.

O que eu não entendia era o que havia para ser amputado em uma mulher, até que o médico e eu despimos a moça e eu vi a pequena parte que faltava.

Aquilo me trouxe memórias de quando tinha onze anos. Dois transviados foram pegos e não tinham a proteção da lei, quando o transviado era casado e com filhos não era nais considerado passível de punição, por isso minha pressa para engravidar. Toda a vila foi obrigada a comparecer, Elise, de apenas nove, foi dispensada porque minha mãe inventou uma doença para ela.

Lembro até hoje da cena, cada homem ajoelhado no chão, com seus braços e pernas amarrados a um tronco e suas bocas amordaçadas. Foi o pai de Felipe que conduziu a cerimônia, por ser o sacerdote. Os gritos de dor ficaram gravados na minha mente.

Um deles desmaiou e ambos foram jogados feridos na estrada. O que conseguiu ficar acordado tentou levantar e carregar o outro, mas não conseguia devido a dor e perda de sangue. Ele engatinhou pela estrada puxando o amante.

De madrugada, meus pais foram atrás deles com comida, bandagens e um pouco de dinheiro. Infelizmente, um tinha morrido pela hemorragia e outro se enforcou com o cinto. Meus pais enterraram os dois, disseram para nós que aquilo era o mínimo que poderiam fazer já que não conseguiram salvá-los.

Nesse momento, Ester não quis mais participar da igreja unificadora, ela era a única da família que frequentava e nossos pais incentivaram a decisão dela.

Todas aquelas memórias invadiam minha mente enquanto cuidávamos da moça. A ferida havia infeccionado e ela estava com febre. Passei a noite toda ali, mas ela só parecia piorar.

-Preciso sair um pouco, fica com ela por uma meia hora?

-Fico_respondi para o doutor.

-Infelizmente acho que ela estará morta antes de amanhecer.

Sentei ao lado dela na cama e chorei enquanto pressionava panos de água fria em seu corpo. Pá tinha passado ali uma hora antes e me fez sair para comer. Seus olhos estavam inchados de chorar e ele me agradeceu muitas vezes.

Nesse momento uma tarântula, enorme, marrom e de profundos olhos verdes veio descendo do teto por sua teia, Riwty.

Ele se transformou e sua altura ficou ainda mais impressionante comigo sentada, ele deveria ter uns dois metros.

Eu estava cansada, então quando ele me puxou para um abraço eu apenas fiquei ali, as lágrimas escorrendo e ele me balançou de um lado para o outro. Só uma pontada de dor me fez voltar ao mundo real, ele tinha mordido meu dedo.

-Isso vai virar um ritual?

-Talvez_ ele sorria maliciosamente, mas mesmo assim não pareceu ter o brilho normal.

-Você me segue o dia todo?

-Sim, em diferentes formas de animais. Eu falei, não posso me afastar.

-Que falta de privacidade.

Ele me lançou um sorriso cheio de pena.

-Estou aqui para te oferecer um favor.

Nesse momento? Estava tão cansada que não saberia se seria vantajoso possivelmente trocar um pedaço da minha alma por ele. Riwty tomou meu silêncio como um sinal para continuar.

-Quer que eu salve essa humana?

Meus olhos se arregalaram e minhas lágrimas escorreram mais rápidas, nunca pensei que ele poderia, ou mesmo se incomodaria em fazer uma coisa dessas. Eu concordei com a cabeça.

-Você precisa dizer aceito.

-Eu aceito.

Enquanto o fae apontava para a mulher na cama, meu coração se apertou como se correntes o estivessem esmagando, eu realmente deveria ter vendido a alma. Caí sem forças, mas o fae me colocou em uma cadeira.

-Esse é o motivo de eu ter te escolhido, Ellie._ Riwty disse sorrindo e tirando uma mecha de cabelo do meu rosto, mas não tenho certeza disso pois logo em seguida desmaiei.

AceitoOnde histórias criam vida. Descubra agora